A ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) vai propor um novo modelo de atenção à saúde de idosos na rede privada com a justificativa de evitar as atuais falhas que geram má assistência e aumento crescente de custos.
Hoje, 12,5% dos cerca de 50 milhões de usuários de planos de saúde têm 60 anos ou mais. No Brasil, há mais de 20 milhões de idosos – serão 65 milhões em 2050. Quase 90% têm algum tipo de doença crônica, como diabetes, hipertensão, artroses e câncer.
Atualmente esses idosos estão “soltos” no sistema de saúde. Passam por vários especialistas, fazem inúmeros exames, usam muitas medicações (que podem interagir entre si e causar danos), mas não há ninguém cuidando deles como um todo.
A meta do projeto “Idoso bem cuidado”, que será lançado nesta terça (24), no Rio de Janeiro, é mudar essa lógica. Uma das propostas é que os planos de saúde criem estruturas, como centros geriátricos, capazes de reconhecer riscos que podem agravar a saúde do idoso e atuem de uma forma preventiva. O idoso passará por uma avaliação clínica para saber dos seus riscos e dos cuidados que precisa. Será criado um registro eletrônico com seu histórico, que poderá ser acessado de qualquer lugar, inclusive pelo próprio idoso. Outra novidade é que o paciente contará, além de um médico de referência, com a figura de “navegador” dentro do sistema, um enfermeiro que vai orientálo conforme a necessidade, como tirar dúvidas sobre a medicação.
De acordo com Martha Oliveira, diretora de desenvolvimento setorial da ANS, o novo modelo será testado inicialmente em um projeto piloto que envolverá 15 organizações, como operadoras e hospitais (ainda a serem escolhidos), a partir do segundo semestre deste ano.
Para ela, a identificação precoce do risco e os cuidados ao idoso prestados de forma integrada são o cerne da proposta. “É uma oportunidade para monitorar a saúde e não a doença”, afirma. A ideia, diz Martha, é que as emergências dos hospitais deixem de ser a porta de entrada, ficando reservada aos aos momentos mais graves.
Na opinião do médico Renato Veras, professor da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e especialista em envelhecimento, o Brasil precisa fazer o que está sendo feito em outros países –cuidar de forma integral. “Não pode ter fragmentação do cuidado, o idoso não pode ficar passando por quatro, cinco médicos, fazendo um monte de exames a cada 15 dias e ninguém estar cuidando dele de fato. Todo mundo sabe o que fazer, mas ninguém faz”, afirma.
Por que não faz? Para Martha, a razão está na forma como o sistema suplementar de saúde foi organizado, que “vende” acesso a especialistas, a exames e a hospitais, por exemplo, e não um modelo de promoção à saúde e prevenção de doenças. Além da mudança assistencial, o projeto prevê formas alternativas de remuneração. A proposta, inspirada no modelo norteamericano, é um sistema híbrido, com remuneração fixa mais uma bonificação pela performance.
Segundo Veras, o objetivo é que todos ganhem com esse modelo. “O médico ganha mais se tiver um bom desempenho, o paciente pode receber bônus [descontos na mensalidade, por exemplo], além do ganho da melhor assistência, e a operadora poderá ter redução de custos.” Para Ligia Bahia, professora do Instituto de Saúde Coletiva da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), a nova proposta da ANS é bemvinda, mas precisa ir além dos projetos pilotos. “O setor suplementar vive de projeto piloto, um substitui o outro. E a assistência ofertada é muito ruim. É comum a queixa ‘o médico nem olhou na minha cara’. Para o idoso isso é mortal.”
Fonte: Folha de S. Paulo – 24.05.2016