Rev. Adm. Saúde - Vol. 18, Nº 71, abr. – jun. 2018

http://dx.doi.org/10.23973/ras.71.95

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Dimensionamento de pessoal de enfermagem em pronto-socorro hospitalar

Sizing of nursing staff in hospital emergency room

 

Camila Girardi1, Carine Feldhaus2, João Lucas Campos de Oliveira3, Letícia da Silva Schran4, Mayara Passaura da Luz5, Nelsi Salete Tonini6, Vanessa Bordin7

 

1. Enfermeira. Pós-graduanda em enfermagem na Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Cascavel, PR.

2. Enfermeira. Pós-graduanda em enfermagem na UNIOESTE, Cascavel, PR.

3. Enfermeiro, doutor em enfermagem. Docente colaborador em enfermagem da UNIOESTE, Cascavel, PR.

4. Enfermeira. Pós-graduanda em enfermagem na UNIOESTE, Cascavel, PR.

5. Enfermeira. Pós-graduanda em enfermagem na UNIOESTE, Cascavel, PR.

6. Enfermeira, doutora em enfermagem psiquiátrica. Professora associada em enfermagem na UNIOESTE, Cascavel, PR.

7. Enfermeira. Pós-graduanda em enfermagem na UNIOESTE, Cascavel, PR.

 

 

 

RESUMO

Objetivo: Dimensionar o quadro de pessoal de enfermagem em um pronto-socorro hospitalar. Métodos: Estudo transversal, retrospectivo, descritivo, documental, de abordagem quantitativa. Os dados foram coletados das planilhas de gerenciamento de enfermagem, referente aos meses de fevereiro a abril de 2017. Foram extraídos os níveis de complexidade assistencial da amostra (n=2303) de pacientes, conforme Sistema de Classificação de Pacientes. O dimensionamento respondeu ao método proposto pela Resolução do Conselho Federal de Enfermagem vigente (nº 543/2017). Resultados: A clientela demandava 156,92 horas de enfermagem, em média, diariamente. A maior proporção (n=1056) de pacientes foi classificada como cuidado intermediário. O quadro de pessoal dimensionado foi de 35, com déficit de (n=06) enfermeiros em relação ao quadro real. A categoria de técnicos/auxiliares de enfermagem estava adequada. Conclusão: O quadro de pessoal de enfermagem é subdimensionado no pronto-socorro, no que se refere à categoria de enfermeiros.

Palavras-chave: dimensionamento de pessoal; equipe de enfermagem; carga de trabalho; administração de recursos humanos; pronto-socorro.

 

ABSTRACT

Objective: To size the nursing staff in a hospital emergency room. Method: Cross-sectional, retrospective, descriptive, documentary, quantitative approach. The data were collected from the nursing management worksheets, from February to April 2017. Patient complexity levels were extracted from the sample (n=2303) according to the Patient Classification System. The sizing responded to the method proposed by the Resolution of the Federal Nursing Council in force (nº 543/2017). Results: The clientele demanded 156,92 hours of nursing, on average, daily. The highest proportion (n=1056) of patients was classified as intermediate care. The staff size was 35, with a deficit of (n=06) nurses in relation to the actual picture. The category of nursing technicians/assistants was adequate. Conclusion: The nursing staff is under-dimensioned in the emergency department, in the category of nurses.

Keywords: personnel downsizing; nursing team; workload; personnel management; emergency medical services

 

 

 

INTRODUÇÃO

De acordo com o Ministério da Saúde, pronto-socorro (PS) é o estabelecimento de saúde destinado a prestar assistência a indivíduos, com ou sem risco de vida, cujos agravos à saúde necessitam de atendimento imediato, sendo seu funcionamento ininterrupto durante as 24 horas do dia e que dispõe de leitos de observação, os quais são destinados a pacientes à supervisão médica e de enfermagem para fins diagnósticos ou terapêuticos por um período, idealmente, inferior a 24 horas(1).

É aceito que o processo de trabalho em unidades emergenciais, ao exemplo do PS, geralmente é intenso, requer habilidades como agilidade, objetividade e presteza, principalmente se desenvolvido em serviços que funcionam como “porta aberta”, no atendimento da demanda espontânea(2). Assim, o gerenciamento do PS – comumente protagonizado pelo enfermeiro – precisa se fundir nas referidas habilidades e em outras diversas, que não raras vezes se caracterizam em ações de gestão de pessoas(3)

No gerenciamento de recursos humanos produtores do cuidado, inclusive no contexto de PS, existe uma gama de meios e técnicas próprios da administração que otimizam e viabilizam a racionalidade da gestão(3). Na área de enfermagem, o dimensionamento de pessoal emerge como método próprio para a previsão quantitativa e qualitativa adequada de capital humano para a prestação assistencial segura de uma dada clientela(4; 5).

A dimensão qualitativa do dimensionamento de pessoal existe pela previsão da quantidade de pessoal ajustada proporcionalmente à categoria (enfermeiro, técnico e auxiliar de enfermagem) profissional necessária para atender, direta ou indiretamente, as necessidades de assistência de enfermagem da clientela assistida nas instituições de saúde(4; 6). Por este motivo, o dimensionamento é um processo sistemático que fundamenta o planejamento e a avaliação do quantitativo (número) e qualitativo (categoria) dos profissionais, sendo necessário para promover a assistência de acordo com a singularidade dos serviços de saúde, favorecendo sobremaneira a segurança do paciente e do próprio trabalhador(5).

 A singularidade de um PS, devido à atribulação natural do processo de trabalho e a comum demanda assistencial que muitas vezes supera a capacidade de atendimento que poderia ser direcionado a serviços de menor densidade tecnológica, justifica a necessidade do uso racional e estratégico dos meios e instrumentos de gestão que favoreçam a melhor assistência, ao exemplo do dimensionamento de pessoal de enfermagem(7).

Estudos na área da gerência de enfermagem no contexto de PS posicionam a gestão de pessoas como um grande desafio a ser enfrentado pelo enfermeiro, sendo representado, inclusive, pela inadequação do quantitativo de pessoal de enfermagem para suprir a demanda de trabalho imposta(3; 8; 9). Este fato reforça a necessidade de o enfermeiro, inclusive atuante em PS, se apropriar do método do dimensionamento e do pleno conhecimento das variáveis que o compõe, a fim de que a justificativa de contratação de pessoal adicional possa ser respaldada frente à alta gestão dos serviços de saúde(5).

Recentemente, (início de 2017), houve a publicação da Resolução do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) nº 543/2017 que atualiza e estabelece parâmetros para o Dimensionamento do Quadro de Profissionais de Enfermagem nos serviços/locais em que são realizadas atividades de enfermagem(4). As atualizações propostas pela nova Resolução determinam maior carga de trabalho à enfermagem por paciente comparando-se à normativa anterior (datada de 2004), o que, segundo pesquisa recente, pode ser um fator que viabilize melhores condições de trabalho à equipe produtora da assistência, desde que o enfermeiro se utilize racionalmente do método do dimensionamento e tenha apoio da alta cúpula das organizações de saúde, além da atuação ativa dos órgãos fiscalizadores da classe(10).

Considerando a peculiaridade do serviço prestado em PS, a problemática deste estudo se torna social e cientificamente relevante porque, pesquisas no contexto do dimensionamento de pessoal de enfermagem nestes espaços assistenciais podem servir como meio de difundir o dimensionamento como ferramenta sistemática de alicerçar melhorias na assistência ao paciente atendido nas unidades de emergência e nas condições de trabalho da equipe de enfermagem.

Com base no panorama exposto, emergiu a seguinte pergunta: o quadro de pessoal de enfermagem atuante em um PS hospitalar é adequado às exigências normatizadas pela proposta atual de dimensionamento? No intuito de responder a indagação enunciada, o objetivo consistiu em dimensionar o quadro de pessoal de enfermagem em um Pronto-Socorro hospitalar.

 

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo transversal, retrospectivo, descritivo, de fonte documental e abordagem quantitativa. O campo de pesquisa foi a sessão de internamento do PS de um hospital universitário público do interior do estado do Paraná, Brasil. A organização detém 210 leitos para atendimento de média e alta complexidade totalmente vinculados ao Sistema Único de Saúde (SUS).

O PS estudado, à época do estudo, possuía capacidade de 20 leitos de internamento. Porém, atende de acordo com a demanda estabelecida via regulação de leitos, Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), Serviço Integrado de Atendimento ao Trauma em Emergência (SIATE), além da demanda espontânea, o que gera comum superlotação do serviço e acomodação de pacientes externos aos leitos de internação, ou seja, em macas nos corredores do PS, característica observada comumente nos hospitais públicos.

Os pacientes são admitidos após atendimento médico e de enfermagem e podem permanecer em observação ou serem internados. Quando internados, permanecem no setor até que possam ser transferidos para os demais setores hospitalares ou transferidos da instituição. Entretanto, como já sinalizado, quando não há vagas disponíveis em enfermarias, o paciente pode permanecer no setor de internamento/observação do PS até receber alta médica.

A pesquisa se deu sobre um recorte temporal prévio com dados do PS relativos de três meses completos, de fevereiro a abril de 2017. Não houve amostragem de pacientes, pois todos aqueles que foram classificados no período e registrados na fonte documental foram incluídos. Foram extraídos via planilha de gerenciamento de enfermagem, encaminhada mensalmente à Direção de Enfermagem do hospital, dados referentes à caracterização da complexidade assistencial dos pacientes atendidos no período e do quantitativo de trabalhadores de enfermagem disponível na unidade. Este último dado foi extraído das escalas de trabalho mensais, também encaminhadas à Direção de Enfermagem via gerência de enfermagem do PS.

A mensuração da complexidade assistencial dos pacientes atendidos no PS é feita diariamente pelos enfermeiros do setor ou por Enfermeiro Residente. É uma determinação viabilizada pelo Sistema de Classificação de Pacientes (SCP) institucionalizado eletronicamente no hospital desde 2012. O SCP é o instrumento que viabiliza a mensuração da carga de trabalho da enfermagem, logo, ferramenta que facilita sobremaneira o dimensionamento de pessoal(4).

No serviço pesquisado, o SCP utilizado pelos enfermeiros é um instrumento que avalia as seguintes características/domínios observáveis no paciente: estado mental, oxigenação, sinais vitais, motilidade, deambulação, alimentação, cuidado corporal, eliminação, terapêutica, integridade cutaneomucosa, curativo, e tempo de realização no curativo)(11). Cada domínio é distribuído em uma escala de complexidade assistencial, que, por fim, gera uma somatória e classifica o paciente nas seguintes categorias de nível de dependência de cuidados: cuidado mínimo (12 a 17 pontos); cuidado intermediário (18 a 22 pontos); cuidado de alta dependência (23 a 28 pontos); cuidado semi-intensivo (29 a 34 pontos); e cuidado intensivo (acima de 34 pontos)(11).

Segundo a Resolução atual, as categorias de cuidado classificadas pelo SCP devem se desdobrar, por paciente em 24 horas de atendimento, em carga de trabalho da enfermagem, logo, em horas de assistência a serem dispensadas a cada sujeito em um dia, a saber: 4 horas de enfermagem na assistência mínima; 6 horas na assistência intermediária; 10 horas na assistência de alta-dependência e semi-intensiva; e 18 horas na assistência intensiva(4). Com base nisso, é possível chegar ao quadro de pessoal de enfermagem dimensionado em unidades assistenciais que se utilizam de algum SCP(4; 10).

Para dimensionar o quadro de pessoal de enfermagem do internamento no PS, utilizou-se a equação matemática recomendada para unidades de internação(4), a saber:

QP = THE x KM

A notação “QP” se refere ao quadro de pessoal, ou seja, o quantitativo de profissionais de enfermagem dimensionado. Já “THE” se refere ao total de horas de enfermagem, que é a somatória de cada média diária de pacientes – conhecida pela divisão do total de pacientes atendidos pelo número de dias em uma série histórica – multiplicada por seu respectivo parâmetro de horas de enfermagem estabelecido na resolução citado anteriormente, ou seja, a média diária de pacientes de cuidado mínimo multiplicada por 4, mais a média diária de pacientes de cuidado intermediário multiplicada por 6, e assim sucessivamente, em todas as categorias de cuidado observadas no período(4).

Por fim, “KM” sinaliza a constante de marinho, que é um coeficiente deduzido com base na jornada de trabalho semanal da equipe de enfermagem, os dias da semana trabalhados e o Índice de Segurança Técnico (IST) que não pode ser inferior a 15%, pois significa um adicional ao quadro de pessoal para suprir as ausências previstas e não previstas entre os trabalhadores de enfermagem(4). Neste estudo, considerando o atendimento ininterrupto do PS nos sete dias da semana; a jornada de trabalho semanal da equipe de 36 horas contratuais; e o uso do IST mínimo de 15%, a KM já fora pré-determinada por Resolução em 0,2236(4).

No setor pesquisado, a equipe de enfermagem era formada por 35 profissionais, sendo cinco enfermeiros e 24 técnicos/auxiliares de enfermagem. Esse contingente é dividido em cinco equipes sendo cinco técnicos e/ou auxiliares de enfermagem e um enfermeiro por período, no qual a carga horária de trabalho semanal da equipe de enfermagem do presente estudo era de 36 horas, distribuídas em plantões de seis horas diárias, com uma folga semanal, para o período diurno. Para o período noturno, os plantões são de 12 horas com 60 horas de descanso, sendo que esta modalidade não dá direito a folgas semanais.

Após a determinação do quantitativo de pessoal necessário para atender a demanda de internamento no PS, seguiu-se à etapa qualitativa do dimensionamento de enfermagem que representa a adequação do número absoluto de profissionais pelas categorias de nível superior e médio. A normativa atual determina que a categoria de cuidado do SCP que atribui maior carga de trabalho da enfermagem (ou seja, demanda o maior número de horas de assistência requeridas) é aquela que deve ser considerada pela definição proporcional (em porcentagem) de enfermeiros, sendo os demais, profissionais de nível médio, distribuída da seguinte forma: cuidado mínimo e intermediário 33% de enfermeiros; cuidado de alta dependência 36% de enfermeiros; semi-intensivo 42% de enfermeiros; e cuidado intensivo 52% de enfermeiros (4). As categorias de cuidado semi-intensivo e intensivo não preveem percentual de auxiliares de enfermagem, somente técnicos(4).

O estudo respeitou todas as exigências éticas que regem as pesquisas envolvendo seres humanos. Acerca disso, foi submetido e aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa institucional, sob parecer nº 1.696.925/2016 e registrado por CAAE: 58636916.5.0000.0107

 

RESULTADOS

O estudo compilou análise de 2303 pacientes que tiveram a classificação via SCP no recorte temporal. Na Tabela 1 a seguir, observa-se a distribuição dos pacientes segundo os níveis de complexidade assistencial e suas respectivas requisições de horas de enfermagem, e evidenciando-se que o PS, tem em sua média diária predominantemente os cuidados intermediários seguidos dos cuidados mínimos.

 

Tabela 1. Distribuição dos pacientes internados no pronto-socorro, conforme Sistema de Classificação de Pacientes e horas de enfermagem requeridas, por nível de complexidade assistencial. Cascavel-PR, 2017. 

Nível de complexidade

Fevereiro

Março

Abril

Total

Média diária

Horas de enfermagem

Cuidado mínimo

259

259

303

821

9,22

36,88

 

Cuidado intermediário

 

389

 

367

 

300

1056

 

11,86

 

71,16

 

Cuidado de alta dependência

 

60

 

104

 

135

299

 

3,35

 

33,5

 

Cuidado semi-intensivo

 

22

 

42

 

48

112

 

1,25

 

12,5

 

Cuidado intensivo

 

1

 

4

 

10

15

 

0,16

 

2,88

 

Após a obtenção das horas de enfermagem por nível de complexidade, seguiu-se com a equação matemática de dimensionamento de pessoal recomendada para unidades de internação(4). Utilizou-se o nível de dependência de maior demanda de carga de trabalho (horas de enfermagem) para determinar a proporção de enfermeiros e trabalhadores de nível médio, ou seja, a classificação de cuidado intermediário. Com isso, obteve-se um total dimensionado de 35 trabalhadores, sendo 11 enfermeiros e 24 técnicos/auxiliares de enfermagem.

Conforme exposto, no período estudado, o PS contava com o total de 35 trabalhadores de enfermagem, entre 05 enfermeiros, e 24 profissionais de nível médio. 

 

DISCUSSÃO

O dimensionamento de recursos humanos na enfermagem é uma preocupação antiga entre profissionais e pesquisadores, que permanece até os dias atuais. Reforça-se que para promover a qualidade de assistência, é necessário ter nível adequado de quantitativo e qualitativo de pessoal de enfermagem(12;10).  Neste escopo, discussões atuais sobre carga de trabalho em enfermagem e a sua relação com a qualidade da assistência e a segurança do paciente têm se tornando emergentes e necessárias, inclusive, por vezes, acusando a direta relação entre a elevação da carga de trabalho e piores resultados de interesse ao cuidado qualificado e seguro(13; 14).

O número inadequado de pessoal compromete de maneira importante a qualidade da assistência, ocasionando a sobrecarga de trabalho da equipe que conduz ao estresse e, consequentemente, favorece a ocorrência de erros e eventos que podem causar danos à saúde dos pacientes, com repercussões ético-legais para a equipe de enfermagem e para a instituição(12). Isso posto, o estudo, ainda que limitado a uma única unidade de PS, traz respostas importantes ao serviço de enfermagem local e, possivelmente, para hospitais universitários públicos.

Neste estudo, observou-se um elevado número de atendimentos nos meses em questão. Esse fato pode ser justificado, pois a unidade hospitalar estudada é referência regional em diversos níveis de especialidades e complexidade, gerando um maior número de usuários. De igual maneira, a alta demanda de atendimento, em especial nas categorias de cuidado mínimo e intermediário, de certa forma também aponta que a rotatividade do setor e o volume de atendimento são altos, pois, estas categorias de cuidado são representadas por pacientes clinicamente estáveis e com menor demanda assistencial da enfermagem, ainda que com alguma parcela de dependência(4).

Como demonstrado nos dados apresentados neste estudo, o grau de dependência de enfermagem que mais se evidenciou foi o nível de cuidado intermediário, seguido do cuidado mínimo. Foi possível constatar que a soma dos meses analisados determina 45,8% (n=1056) de pacientes que necessitam de cuidados intermediários, 35,6% (n=821) de cuidados mínimos, 12,9% (n= 299) de cuidados de alta dependência, 4,8% (n= 112) de cuidados semi-intensivos e 0,6% (n= 15) cuidado intensivo.

Corroborando com os dados descritos, um estudo realizado com outra metodologia classificou pacientes quanto ao grau de dependência de enfermagem nos mesmos níveis, em unidades de internação médico-cirúrgicas em hospital universitário, identificando maior percentual de pacientes em cuidados intermediários, seguido de cuidados mínimos(15). Outro estudo também apresentou uma maior demanda de pacientes que necessitam de cuidados intermediários (42%), seguido pelos cuidados mínimos (21,7%), alta dependência (32,5%) e cuidados semi-intensivos (3,8%) (16).

Observa-se que os índices reduzidos de pacientes classificados como cuidados semi-intensivos e intensivos, pois esta unidade não é destinada para atender esse tipo de demanda, devido à necessidade de um suporte maior de recursos humanos, materiais e tecnológicos(17). Isso, apesar de ser dissonante do quadro dimensionado versus o real, é um dado positivo, pois aponta que pacientes gravemente enfermos, comumente, não são alojados no internamento do PS. Em contraponto, o estudo identificou que existe a internação de pacientes classificados como semi-intensivo e intensivo no período, o que, apesar da menor proporção, acusa que, por vezes, o serviço é utilizado equivocadamente. 

Outro ponto a ser discutido está relacionado ao elevado número de pacientes classificados como cuidados mínimos encontrados neste estudo, reforçando também o uso inadequado do PS, no que se refere à internação. O paciente classificado com cuidado mínimo é o que demanda menos horas de enfermagem/dia(4), porém, em números elevados podem necessitar de muitas medicações e encaminhamentos para exames, utilizando tempo considerável da enfermagem e, assim, repercutindo na dinâmica de trabalho do setor.

Tal fato também foi evidenciado em outro estudo (7), que apontou além dos atendimentos de pacientes em risco de vida, a necessidade de assistência aos pacientes que buscam apenas por consulta médica, procedimentos de enfermagem, exames e medicações. Caracterizou-se neste estudo a utilização equivocada da atenção hospitalar, em que a inadequação do fluxo de atenção dos serviços de saúde gera número expressivo de atendimentos que, possivelmente, poderiam ser sanados em serviços de menor complexidade (7).

Neste estudo, o quadro de funcionários em alocação por turnos, conforme o preconizado pela resolução em vigor, poderia ser de cinco técnicos/auxiliares de enfermagem e de três enfermeiros por turno, considerando a divisão do trabalho hospitalar em cinco equipes. No entanto, na prática diária, constata-se um quadro de funcionários defasado em relação à categoria de Enfermeiros por turno, totalizando cinco funcionários para os cinco turnos de trabalho, ou seja, um enfermeiro por período.

Os dados apresentados com relação ao número de enfermeiros, através da elaboração do quadro de pessoal de acordo com a Resolução do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) nº 543/2017, demonstram o número insuficiente de enfermeiros para a assistência. Estudo indica a presença de estresse, desgaste físico e mental entre enfermeiros em decorrência da com sobrecarga de trabalho(18). Ademais, em outra pesquisa realizada em um hospital do interior do estado do Rio Grande do Sul, os entrevistados mencionaram que a falta de funcionários e a carga de trabalho são fatores afetam diretamente na assistência, expondo os pacientes a riscos (19).

Diante da evidência de déficit de enfermeiros, possivelmente a equipe de enfermagem do PS enfrenta sobrecarga de trabalho. Essa fragilidade relacionada à falta de recursos humanos pode gerar absenteísmo, assim como, déficit na qualidade do cuidado ofertado, colocando em risco a segurança dos pacientes, bem como, podendo levar os profissionais a cometerem eventos/acidentes adversos, gerando sofrimento psíquico e desgaste físico, efeitos esses previsíveis quando se trabalha com um quadro de pessoal inadequado(19).

O déficit de enfermeiros é um problema já destacado em outros estudos, que apontaram a tendência da dificuldade rumo ao gerenciamento de enfermagem e o cuidado individualizado de pacientes com maior dependência e/ou nível de complexidade assistencial. Sendo assim, aponta-se para uma realidade de burocratização e invisibilidade do trabalho do enfermeiro, ou seja, atuação pouco dirigida às reais necessidades da clientela assistida, devido à sobrecarga de atividades não relacionadas diretamente a assistência ou a gestão do cuidado, mas sim, de ações de cunho burocrático(10; 20).

Um estudo recente, também realizado em hospital universitário público, com objetivo de identificar as dificuldades relacionadas ao gerenciamento de enfermagem em unidade de pronto-socorro hospitalar constatou que, além de barreiras inerentes ao fluxo de trabalho e à gestão de materiais, o enfermeiro se vê comumente como ator a gerir problemas relacionados aos recursos humanos, tais como o absenteísmo (falta no trabalho) e o manejo de horas extras(3). Utilizando a literatura em questão atrelada aos resultados desta pesquisa, pode-se perceber a burocratização do trabalho do enfermeiro, pois, a sua ação gerencial também precisa romper as barreiras do trabalho administrativo, indo ao encontro da gestão do cuidado, ou seja, o uso dos meios e instrumentos que racionalizem a assistência(20), além do próprio trabalho assistencial direto, em especial dos clientes com maior demanda de complexidade assistencial(4).

O déficit de enfermeiros gera um aumento da demanda de cuidados a serem prestados pelos trabalhadores de nível médio e auxiliares de enfermagem. Infere-se que esta situação talvez possa contribuir para a insatisfação no trabalho, absenteísmo, rotatividade da equipe e a ocorrência de doenças relacionadas ao trabalho, além dos resultados negativos no bojo da segurança do paciente, já constatados como de direta associação quando na exposição de alta carga de trabalho(13). Outro ponto a se destacar, neste mesmo sentido, é que a equipe de enfermagem em questão trabalha em um setor atribulado, o que, por se só, pode elevar sua carga de trabalho, mesmo que não “mensurável”.

 

CONCLUSÃO

Conclui-se que o quadro de pessoal de enfermagem dimensionado no PS hospitalar não corresponde ao quadro real no que se refere à categoria de enfermeiros. Assim, constata-se que o quadro de pessoal da unidade é qualitativamente subdimensionado.

Como limitação do estudo, cita-se a análise dos dados em uma única instituição, além de não atrelar os resultados a outros achados de interesse à qualidade do cuidado de enfermagem e segurança do paciente. Porém, a pesquisa contribui para o conhecimento em gerência de enfermagem em pronto-socorro, ao reafirmar a importância do uso do dimensionamento como ferramenta sistemática de trabalho na gestão de recursos humanos.

 

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Recebido: 09 de março de 2018. Publicado: 20 de abril de 2018

Correspondência: Camila Girardi.  E-mail: camilagirardi.vel@hotmail.com

Conflito de interesses: os autores declararam não haver conflito de interesses.

 

 

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