Rev.
Adm. Saúde Vol. 17, Nº 66, Jan. – Mar. 2017
ARTIGO ORIGINAL
Parto normal ou cesárea: a influência do tipo de parto
desejado na satisfação materna quanto à assistência hospitalar ao nascimento
Normal delivery or cesarean section: the influence
of desired type of birth on maternal satisfaction with hospital care for
childbirth
Angela Maria Bacha1, Oswaldo da Rocha Grassiotto2,
Denis Barbosa Cacique3, Helymar da Costa Machado4,
Gislaine Aparecida Fonsechi-Carvasan5, Claudia Aparecida Batista de
Souza6
1 Doutora em Tocoginecologia pela Unicamp; Docente do Departamento
de Tocoginecologia da FCM/Unicamp – Campinas (SP), Brasil
2 Doutor em Tocoginecologia pela Unicamp; Vice-Reitor
Executivo de Administração/Unicamp – Campinas (SP), Brasil
3 Bacharel em Filosofia e Mestre em Ciências da Saúde
pela Unicamp; Assistente da Diretoria do Hospital da Mulher-Professor Dr. José
Aristodemo Pinotti Caism/Unicamp – Campinas (SP), Brasil
4 Graduado em
Estatística pela Universidade Federal de São Carlos e Mestre em Estatística
pela Unicamp; Estatístico do Hospital da Mulher-Professor Dr. José Aristodemo
Pinotti Caism/Unicamp – Campinas (SP), Brasil
5 Graduada
em Estatística e Mestra em Saúde Coletiva pela Unicamp; Estatística do Hospital da Mulher-Professor
Dr. José Aristodemo Pinotti Caism/Unicamp – Campinas (SP), Brasil
6 Graduanda em Pedagogia (Licenciatura) pela Faculdade
de Educação e bolsista do programa de Bolsa Auxílio Social do Serviço de Apoio
ao Estudante/Unicamp – Campinas (SP), Brasil
RESUMO
O estudo objetivou
avaliar a satisfação materna quanto à assistência hospitalar ao parto
considerando-se o tipo de parto desejado e o realizado. Tratou-se de estudo
descritivo, de corte transversal, com abordagem quantitativa e amostragem por
conveniência em um hospital de ensino, em Campinas, São Paulo. 181 puérperas
responderam, durante a internação, questionário contendo 18 questões. Pacientes
internadas por mais dias apresentavam maior insatisfação para todos os domínios
avaliados. Pacientes com menor nível socioeconômico estavam mais insatisfeitas
com o parto. No comparativo entre parto desejado e realizado, os grupos mais
insatisfeitos eram os de mulheres cuja via de parto desejada foi diferente da
realizada: mulheres que desejavam um
parto normal e tiveram uma cesariana foram as mais insatisfeitas. Conclui-se
que as diferenças de satisfação em relação à via de parto são estatisticamente
significativas apenas quando se inclui na análise tanto o desejo da paciente
como a via efetiva de parto. Face à problemática da cesariana no Brasil esse
estudo contribui para uma melhor compreensão do excesso de cesarianas
praticados no país bem como ajuda na busca de soluções adequadas para esse
problema.
Palavras-chave:
Satisfação do Paciente. Cesárea. Parto Normal. Parto
Desejado. Alojamento Conjunto. Tempo
de Internação.
ABSTRACT
The purpose of this study was to evaluate maternal satisfaction with
hospital care for childbirth and postpartum hospitalization, considering the
relationship between the desired and performed type of delivery. It was
conducted a descriptive and cross-sectional study, with quantitative approach
and convenience sampling, in a University hospital, in Campinas, São Paulo
State. 181 women answered an interview during the stay in the rooming-in, based
on a closed questionnaire containing 18 questions. Patients hospitalized for
more days had greater dissatisfaction for all domains assessed. Patients with
lower socioeconomic status were more dissatisfied with delivery than those with
higher socioeconomic level. In the comparison between desired and performed type
of delivery, the most dissatisfied group consisted of women whose desired and
performed type of delivery didn’t match each other: women who wanted a natural
birth and had a C-section were the most dissatisfied. We concluded that the
differences of satisfaction according to the type of delivery are statistically
significant only when the analysis includes both the desired and the performed
type of delivery. This study contributes to a better understanding of excess
cesareans in Brazil as well as can help in finding appropriate solutions to
this problem.
Keywords: Patient Satisfaction; Cesarean Section; Natural Childbirth; Desired
Birth; Rooming-in Care; Length of Stay.
INTRODUÇÃO
Gravidez,
parto e puerpério constituem a principal causa de internação nos serviços
públicos e privados de saúde brasileiros1. Nesse cenário,
grande atenção deve ser dada à avaliação da satisfação das pacientes,
iniciativa considerada um aspecto importante da humanização do parto2. Dar voz à mulher,
permitindo-lhe manifestar-se sobre os pontos positivos e negativos da
assistência, vai ao encontro do tão necessário reconhecimento do protagonismo
da parturiente nesse momento marcante da vida. Além disso, conforme ressalta
Donabedian, informações sobre a satisfação de pacientes são indispensáveis
tanto para a avaliação da qualidade da assistência como para o próprio
desenvolvimento e administração de serviços de saúde3.
Parte dos
esforços dedicados à avaliação da satisfação sobre a assistência ao parto e ao
pós-parto reside na investigação do conjunto de características que
influenciariam a satisfação das pacientes. Alguns dos temas mais frequentemente
incluídos nesse tipo de análise são a participação da gestante em diferentes programas
de pré-natal, a qualidade da comunicação com a equipe de saúde, o papel da
enfermagem durante o cuidado e o tempo de permanência na internação pós-parto4. Outros trabalhos
têm procurado estabelecer relação entre a satisfação da parturiente e os
métodos farmacológicos empregados para o alívio da dor5. E identificam-se,
ainda, estudos voltados à avaliação da influência de características pessoais
das mulheres sobre a satisfação, como idade, raça, escolaridade, estado civil, paridade
e nível socioeconômico6.
Nesse conjunto
de determinantes, destaca-se a relação entre satisfação e via de parto. Estudo
realizado na Austrália, por exemplo, identificou diferenças estatisticamente
significativas de satisfação entre os partos do tipo vaginal espontâneo (com a
maior satisfação), cesárea eletiva (segunda maior), cesárea de emergência
(terceira) e vaginal instrumental (quarta)7. Na Irlanda, estudo
concluiu que pacientes que haviam realizado parto vaginal (com cesárea prévia)
estavam mais satisfeitas do que aquelas que haviam realizado parto cesárea (com
parto normal prévio) em relação às informações relacionadas ao pré-parto e ao
parto em si8. Já uma pesquisa
nacional verificou que a satisfação média para os dois tipos de partos era
mesma, salientando-se que as pacientes que haviam realizado cesáreas estavam
mais satisfeitas com o manejo da dor pós-parto, ao passo que aquelas que tinham
realizado parto vaginal estavam mais satisfeitas com o controle da dor durante
o trabalho de parto9.
O estudo da
relação entre via de parto e satisfação das parturientes deve ter destacada
relevância no Brasil, cuja taxa de cesáreas foi reconhecida pelo Fundo das
Nações Unidas para a Infância como uma das mais elevadas do mundo10. No país, dependendo
do município e do tipo de financiamento analisados, a proporção de cesarianas supera
90% dos partos, com crescimento constante ao longo dos últimos anos11. O temor materno em
relação à dor e ao trabalho de parto, a preocupação parental com o bem-estar
fetal, eventuais experiências negativas com partos anteriores e a conveniência
de se agendar o parto são alguns dos motivos apontados como determinantes da
alta incidência de cesarianas12. No centro dessa
discussão, portanto, juntamente com outros fatores, está a preferência da mulher
por determinada via de parto. Todavia, embora existam estudos que procurem
identificar e enumerar os componentes dessa preferência13, bem como outros que
enfatizem a importância da participação da mulher nas decisões referentes ao
parto4, não se encontram na
literatura pesquisas que relacionem a satisfação da puérpera com as vias de
parto desejado e realizado.
Diante
dessas
considerações, o objetivo do presente estudo consistiu em
avaliar a satisfação
de puérperas em relação ao parto e à
internação pós-parto em um hospital situado
na região metropolitana de Campinas, São Paulo. Como
objetivo específico, o
estudo pretendeu comparar os níveis de satisfação
entre mulheres que haviam
realizado parto vaginal e cesariano. Também foram comparados os
níveis de
satisfação segundo o tipo de parto desejado (normal ou
cesárea), verificando,
ainda, se haveria diferença de satisfação caso o
parto efetivamente realizado
não fosse igual àquele desejado pela paciente.
MÉTODOS
A
pesquisa foi realizada no ano de 2014, em um hospital de ensino, público, que
atende exclusivamente pelo SUS e que é referência para o acompanhamento da
gravidez e do parto de alto risco. A instituição integra a Rede Cegonha e detém
certificação da Iniciativa Hospital Amigo da Criança, estimulando, dentre
outros cuidados, o incentivo ao aleitamento materno logo após o nascimento, a
presença de acompanhante (antes, durante e após o parto) e a utilização
seletiva e não rotineira de procedimentos invasivos (como, por exemplo, a episiotomia).
O serviço realiza aproximadamente 2.800 partos por ano, para os quais dispõe de
15 leitos de terapia intensiva e 15 de cuidados intermediários neonatais, 6 de
UTI adulto, 20 de internação clínica durante a gravidez e 24 de puerpério em
sistema de alojamento conjunto.
Tratou-se
de estudo descritivo, de corte transversal, com abordagem quantitativa e
amostragem por conveniência. O cálculo do número de sujeitos utilizou técnica
de amostragem para estimação de proporção de população finita14, assumindo-se para p
(proporção de pacientes satisfeitas) o valor de 0,5. A população considerada
para esse cálculo consistiu na média trimestral de internações na enfermaria do
Alojamento Conjunto (557 pacientes). O erro amostral foi de 6% e o nível de
significância igual a 5%. Com isso, o tamanho amostral foi de 181 sujeitos.
A coleta
de dados foi realizada diariamente por entrevistadores nas Enfermarias de Alojamento
Conjunto, unidade de internação que admite mulheres em pós-parto, que estejam
amamentando e cujos recém-nascidos possam permanecer com elas. Podiam
participar do estudo puérperas de qualquer idade, com pelo menos 24 horas de
internação no Alojamento Conjunto, que não estivessem recebendo atendimento
médico ou da enfermagem no momento da entrevista e que consentissem com a
participação no estudo. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa
da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp (Parecer nº 496/2011), que
dispensou a utilização do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido após
entendimento de que a identificação das participantes poderia inibir o ingresso
no estudo ou comprometer a veracidade das informações fornecidas.
O
questionário utilizado nas entrevistas possui 18 questões, respondidas mediante
uma escala do tipo Likert com os seguintes pesos: “ruim”=1, “médio”=2, “bom”=3
e “excelente”=4. O escore de satisfação de cada participante foi obtido
somando-se os valores das respostas e dividindo-se o resultado pelo número de questões
respondidas, o que gerou uma média. A seguir, essa média foi convertida em uma
escala de 0 a 100 pontos, de tal modo que, quanto maior fosse o escore, melhor
seria a satisfação. A transformação da média na escala de 0 a 100 pontos
utilizou a seguinte fórmula: escore=(média dos itens–1)/(4–1)x100. Para o
escore total, foram utilizadas as 18 questões, ao passo que, para os domínios,
a média foi calculada de acordo com a composição de cada um deles.
As
questões foram agrupadas em quatro domínios: “Pronto Atendimento”, “Parto”,
“Relacionamento Interpessoal” e “Organização do Serviço”. O primeiro deles
inclui questões sobre a admissão da paciente via Pronto Atendimento, como o
tempo de espera e a educação do médico e do enfermeiro. O domínio “Parto”
aborda aspectos como a presença de acompanhante durante o parto e os
procedimentos realizados para aliviar a dor. O “Relacionamento Interpessoal” trata
de questões diretamente relacionadas à interação com os profissionais da saúde,
como a clareza das orientações e a delicadeza da equipe no cuidado da puérpera
e do recém-nascido. Finalmente, a “Organização do Serviço” aborda aspectos
físicos do local de internação (como temperatura do quarto e conforto da cama)
e características relacionadas à organização do serviço (como o respeito à
privacidade, limpeza e nível de ruídos). A composição desses domínios inspirou-se
no modelo teórico de Donabedian, que estabelece um conjunto de categorias
(“structure”, “process” e “outcome”) para avaliar a qualidade do cuidado na
área da saúde3.
Além das questões
diretamente relacionadas à satisfação das pacientes, foram coletados dados
sobre o tempo de internação (em dias), idade (em anos), número de gestações, escolaridade,
estado civil, tipo de parto realizado (vaginal ou cesárea) e tipo de parto
inicialmente desejado pela paciente (normal ou cesárea). A classificação
socioeconômica baseou-se na pontuação estabelecida pelo Critério de Classificação
Econômica Brasil da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa15.
Os dados
coletados foram submetidos ao teste de Shapiro-Wilk16,
verificando-se que a distribuição dos escores de
satisfação não era normal. A
descrição da amostra foi realizada por meio de tabelas de
frequência e do
cálculo de estatísticas descritivas: média, desvio
padrão, mediana e valores
mínimo e máximo. A comparação entre os
níveis de satisfação e as variáveis
categóricas empregou o
teste de Mann-Whitney (para variáveis com dois grupos) e o teste de
Kruskal-Wallis (para variáveis com três ou mais categorias)17.
Quanto ao
questionário empregado, para testar a hipótese da composição fatorial da escala
de satisfação das pacientes em quatro domínios, utilizou-se análise fatorial confirmatória,
via modelo de equações estruturais para variáveis latentes18. A consistência
interna geral e por domínio foi avaliada por meio do coeficiente alfa de
Cronbach, considerando-se que o questionário teria boa consistência para
resultados maiores que 0,7019, 20. A validação
concorrente (ou “de critério”) do escore geral e de cada um de seus domínios
foi avaliada correlacionando-os com uma questão respondida à parte pelas
pacientes (“como você avalia a internação como um todo”). Para isso,
utilizou-se o coeficiente de correlação de Spearman, considerando-se que
valores elevados indicariam uma validação concorrente satisfatória21. Todos os testes
estatísticos foram realizados por meio do software SAS versão 9.2, adotando-se
o nível de significância de 5%, ou seja, P<0,05.
RESULTADOS
A
caracterização socioeconômica das participantes consta da Tabela 1. A amostra constituiu-se de 181 mulheres, com idade média
de 25,5 anos. Em relação à escolaridade, pouco mais da metade delas possuíam
pelo menos o nível médio completo.
Tabela 1. Caracterização da amostra segundo
idade, escolaridade, estado civil, classificação socioeconômica, tipo de parto
realizado e desejado, presença de acompanhante, planejamento da gravidez,
números de gestações e de filhos e tempo de internação.
Variáveis |
n (%) |
Idade (anos) |
|
Média (desvio padrão) |
25,5 (7,2) |
Mediana (mínimo; máximo) |
24,0 (14,0; 44,0) |
Escolaridade |
|
Analfabeto / Fundamental I incompleto |
1 (0,6) |
Fundamental I completo / Fundamental II incompleto |
31 (17,1) |
Fundamental II completo / Médio incompleto |
56 (30,9) |
Médio completo / Superior incompleto |
83 (45,9) |
Superior completo |
10 (5,5) |
Estado civil |
|
Solteira |
32 (17,7) |
Casada ou mora com o companheiro |
145 (80,1) |
Divorciada |
4 (2,2) |
Critério Brasil/Classificação
socioeconômica |
|
D-E (pobres e extremamente pobres) |
19 (10,5) |
C2 (vulneráveis) |
46 (25,6) |
C1 (baixa classe média) |
69 (38,3) |
B2 (média classe média) |
43 (24,0) |
B1 (alta classe média) |
2 (1,1) |
A (classe alta) |
1 (0,5) |
Parto realizado |
|
Vaginal |
115 (63,5) |
Cesárea |
66 (36,5) |
Parto desejado |
|
Normal |
134 (74,0) |
Cesárea |
33 (18,2) |
Indiferente |
14 (7,8) |
Presença de acompanhante durante o
parto |
|
Sim |
147 (81,2) |
Não |
34 (18,8) |
Número de gestações |
|
Primigesta |
80 (44,2) |
Não primigesta |
101 (55,8) |
Duração da internação (dias) |
|
Média (desvio padrão) |
2,6 (2,0) |
Mediana (mínimo; máximo) |
2,0 (1,0; 14,0) |
NOTA: Amostra total de 181
mulheres. Uma participante não respondeu as questões para classificação
socioeconômica.
A maioria
era casada ou morava com o companheiro. E quase 75% da amostra se concentravam
entre as classes C, D e E. O tempo médio de internação no momento da entrevista
era de 2,6 dias. A maioria das mulheres (74,0%) desejava ter realizado um parto
normal, enquanto 18,2% preferiam a cesariana e as demais não tinham preferência.
Quanto aos partos efetivamente realizados, 63,5% foram vaginais e 36,5%
cesarianos. A maioria das participantes contou com a presença de acompanhantes
durante o parto, com 81,2% da amostra.
Os dados
sobre a validade concorrente, estrutura fatorial, consistência interna do
questionário e escores de satisfação por questão e por domínio constam da Tabela 2.
A validação concorrente
obteve valores satisfatórios para o escore geral do
questionário e para os
domínios “Parto”, “Relacionamento
Interpessoal” e “Organização do
Serviço”. Todas
as questões obtiveram carga fatorial maior que 0,30 para seus
respectivos domínios,
sempre com significância estatística. A consistência
interna obteve valores
acima de 0,70 para os quatro domínios do instrumento, assim como
para o escore
geral.
Tabela 2. Questionário de avaliação da
satisfação das pacientes internadas no Alojamento Conjunto, segundo composição
dos domínios, cargas fatoriais de cada item, coeficiente alfa de Cronbach,
validação concorrente e escores de satisfação geral, por domínio e por questão.
Domínios e
respectivos itens avaliados |
Carga Fatorial |
Valor de t |
Alfa de Cronbach |
Validação
Concorrente ** |
Escore Médio |
Desvio Padrão |
Pronto Atendimento |
0,728 |
0,555 |
68,7 |
21,4 |
||
Atendimento na
recepção do Pronto Atendimento |
0.654 |
7.52* |
67,6 |
25,6 |
||
Educação do médico
e do enfermeiro do PA |
0.849 |
10.41* |
79,8 |
20,9 |
||
Tempo de espera no
Pronto Atendimento para a internação |
0.579 |
6.48* |
|
|
58,5 |
33,2 |
Parto |
0,726 |
0,629 |
81,6 |
19,1 |
||
Ajuda dos
profissionais durante o parto |
0.724 |
8.46* |
82,4 |
23,0 |
||
Presença de
acompanhante durante o parto |
0.792 |
9.45* |
83,5 |
20,8 |
||
Procedimentos
realizados para aliviar a dor durante o parto |
0.548 |
6.01* |
|
|
77,2 |
28,2 |
Relacionamento
Interpessoal |
0,894 |
0,638 |
84,1 |
16,2 |
||
Educação dos
profissionais do Alojamento Conjunto |
0.775 |
10.04* |
84,4 |
18,1 |
||
Clareza das
informações recebidas sobre a sua saúde |
0.716 |
8.98* |
82,0 |
21,5 |
||
Orientações sobre
como amamentar, dar banho e segurar o bebê |
0.858 |
11.73* |
86,5 |
17,2 |
||
Delicadeza com que
médicos e enfermeiros cuidam de você e do bebê |
0.919 |
13.15* |
86,9 |
17,8 |
||
Agilidade do
atendimento no hospital |
0.712 |
8.91* |
|
|
81,2 |
22,3 |
Organização do
Serviço |
0,894 |
0,690 |
75,8 |
16,2 |
||
Alimentação servida
a você |
0.694 |
8.57* |
78,8 |
21,9 |
||
Limpeza do hospital
(chão, roupas, lençol, banheiro e corredores) |
0.668 |
8.14* |
78,1 |
21,2 |
||
Conforto da cama
(colchão, travesseiro, lençol e cobertor) |
0.827 |
11.01* |
80,5 |
20,2 |
||
Temperatura do
quarto |
0.362 |
4.00* |
57,1 |
32,5 |
||
Respeito a sua
privacidade |
0.778 |
10.04* |
79,8 |
20,4 |
||
Presença de
barulhos |
0.712 |
8.88* |
74,2 |
26,5 |
||
Segurança dentro do
hospital |
0.826 |
10.99* |
82,4 |
17,8 |
||
Escore Geral do
Questionário |
|
|
0,935 |
0,742 |
77,9 |
14,9 |
Questão extra: como
você avalia a internação como um todo? |
82,1 |
19,1 |
NOTA:
Todos os itens se iniciavam com a questão “Como você avalia a/o...” e podiam
ser respondidos mediante a seguinte escala do tipo Likert: ruim, médio, bom e
excelente.
*
Valores significativos das cargas padronizadas dos itens (p<0.05) para valor
de t>1.96, segundo análise fatorial confirmatória.
**
Coeficiente de correlação de Spearman.
Com
relação aos escores
de satisfação por questão e domínio, o
“Relacionamento Interpessoal” e o
“Parto” obtiveram as melhores avaliações,
ambos com escores acima de 80 pontos.
Já o “Pronto Atendimento” obteve a pior
avaliação, seguido pela “Organização
do
Serviço”. A satisfação geral foi de 77,9
pontos e a questão extra sobre como a
paciente avaliava a internação como um todo obteve 82,1
pontos. Aprofundando-se
a análise para examinar individualmente cada questão,
verifica-se que os três
aspectos mais bem avaliados estavam diretamente ligados à
relação entre as mulheres
entrevistadas e os profissionais da saúde, incluindo a
delicadeza de médicos e
enfermeiros, as orientações recebidas e a
educação da equipe no Alojamento
Conjunto. Dentre os itens menos bem avaliados, dois estavam
relacionados ao
Pronto Atendimento, incluindo o tempo de espera para
internação e o atendimento
na recepção. O aspecto com pior avaliação
foi a temperatura do quarto no Alojamento
Conjunto.
O tempo
de internação influenciou a satisfação das pacientes, conforme Tabela 3.
De modo geral, houve uma
redução expressiva da satisfação a partir
do terceiro dia de internação, quer
em relação ao segundo dia, quer em relação
ao primeiro. Nos domínios “Pronto
Atendimento” e “Parto”, a diminuição da
satisfação é significativa no
comparativo entre o primeiro e o terceiro dias de
internação. Já em
“Relacionamento Interpessoal” e
“Organização do Serviço”, nota-se uma
redução
significativa da satisfação na passagem do segundo para o
terceiro dia. Essa
tendência também se observa em relação
à satisfação geral das pacientes, com
diferença estatisticamente significativa de 7,4 pontos entre o
segundo e o
terceiro dia de internação.
Tabela 3. Satisfação das pacientes em relação
ao tempo de internação no momento da entrevista.
Domínios Avaliados |
1 dia |
2 dias |
≥3
dias |
Valor-P |
n=57 |
n=53 |
n=71 |
|
|
Pronto Atendimento |
0,020 |
|||
Média (desvio
padrão) |
73,3 (19,3) |
71,2 (20,3) |
62,9 (22,8) |
|
Mediana |
77,8* |
66,7 |
66,7* |
|
Mínimo; Máximo |
(22,2; 100,0) |
(22,2; 100,0) |
(0,0; 100,0) |
|
Parto |
0,012 |
|||
Média (desvio
padrão) |
85,2 (16,2) |
84,7 (18,7) |
76,3 (20,5) |
|
Mediana |
88,9* |
88,9 |
66,7* |
|
Mínimo; Máximo |
(33,3; 100,0) |
(22,2; 100,0) |
(11,1; 100,0) |
|
Relacionamento Interpessoal |
0,047 |
|||
Média (desvio padrão) |
85,2 (16,3) |
87,6 (14,6) |
80,7 (16,8) |
|
Mediana |
93,3 |
93,3* |
80,0* |
|
Mínimo; Máximo |
(40,0; 100,0) |
(60,0; 100,0) |
(46,7; 100,0) |
|
Organização do Serviço |
0,033 |
|||
Média (desvio
padrão) |
76,2 (14,5) |
80,1 (14,7) |
72,3 (17,9) |
|
Mediana |
71,4 |
85,7* |
66,7* |
|
Mínimo; Máximo |
(47,6; 100,0) |
(42,9; 100,0) |
(33,3; 100,0) |
|
Satisfação Geral |
0,015 |
|||
Média (desvio
padrão) |
79,6 (13,8) |
81,4 (12,9) |
74,0 (16,3) |
|
Mediana |
79,6 |
85,2* |
70,4* |
|
Mínimo; Máximo |
(47,1; 100,0) |
(53,7; 100,0) |
(46,3; 98,2) |
|
NOTA: Valor-P referente ao
teste de Kruskal-Wallis. * Grupos com diferença significativa (P<0,05) pelo
teste post-hoc de Dunn.
A classificação
socioeconômica apresentou relação estatisticamente significativa com a
satisfação das pacientes no domínio “Parto”. Conforme Tabela 4, observa-se que as pacientes pobres e extremamente pobres
estavam mais insatisfeitas do que aquelas situadas nos estratos entre a baixa
classe média e a classe alta. Para os demais domínios, não foram observadas
diferenças de satisfação.
Tabela 4. Satisfação das pacientes segundo a
classificação socioeconômica.
Domínio |
Classificação Socioeconômica
(Critério Brasil) |
Valor-P |
|||
D-E |
C2 |
C1 |
B-A |
||
n=19 |
n=46 |
n=69 |
n=46 |
||
Parto |
0,028 |
||||
Média (desvio padrão) |
70,8 (19,4) |
81,3 (16,5) |
85,2 (18,2) |
81,2 (21,5) |
|
Mediana |
66,7* |
83,3 |
88,9* |
88,9* |
|
Mínimo; Máximo |
(44,4; 100,0) |
(33,3; 100,0) |
(11,1; 100,0) |
(22,2; 100,0) |
|
NOTA: Valor-P referente ao
teste de Kruskal-Wallis. * Grupos com diferença significativa (P<0,05) pelo
teste post-hoc de Dunn.
Não foram
identificadas diferenças estatisticamente significativas de satisfação no
comparativo entre os tipos de parto realizado, fossem eles normais, cesarianos
ou com utilização de fórceps. Também não se identificaram diferenças
significativas de satisfação entre pacientes que desejavam parto do tipo normal
ou cesariano. Ou seja, isoladamente, tanto o tipo de parto realizado como o
tipo de parto desejado não afetaram a satisfação das pacientes. Entretanto,
quando o tipo de parto realizado foi relacionado com o tipo de parto desejado,
observou-se diferença significativa de satisfação, conforme Tabela 5.
Tabela 5. Satisfação das pacientes no
comparativo entre o tipo de parto desejado e o efetivamente realizado.
Domínios Avaliados |
Desejou e Realizou parto Normal |
Desejou e Realizou parto Cesariano |
Desejou parto Normal e realizou
Cesariano |
Desejou Cesariano e Realizou Normal |
Valor P |
n=98 |
n=23 |
n=33 |
n=8 |
||
Parto |
0,043 |
||||
Média (desvio padrão) |
83,0 (19,9) |
86,2 (16,7) |
75,3 (16,3) |
75,0 (20,1) |
|
Mediana |
88,9 |
100,0* |
66,7* |
75,0* |
|
Mínimo; Máximo |
(11,1; 100,0) |
(55,6; 100,0) |
(44,4; 100,0) |
(44,4; 100,0) |
|
Relacionamento Interpessoal |
0,025 |
||||
Média (desvio padrão) |
85,8 (15,2) |
89,6 (14,0) |
79,6 (16,2) |
75,8 (17,4) |
|
Mediana |
93,3 |
100,0* |
66,7* |
66,7* |
|
Mínimo; Máximo |
(53,3; 100,0) |
(66,7; 100,0) |
(60,0; 100,0) |
(53,3; 100,0) |
|
Total Geral |
0,049 |
||||
Média (desvio padrão) |
79,2 (13,7) |
82,5 (13,9) |
72,8 (16,6) |
71,7 (14,9) |
|
Mediana |
79,6 |
86,3* |
66,7* |
66,8* |
|
Mínimo; Máximo |
(51,9; 100,0) |
(57,4; 100,0) |
(48,2; 100,0) |
(55,6; 96,3) |
|
Valor-P referente ao teste
de Kruskal-Wallis. * Grupos com diferença significativa (P<0,05) pelo teste
post-hoc de Dunn. Foram excluídas da comparação 5 mulheres que realizaram parto
vaginal com utilização de fórceps e 14 mulheres que disseram não ter
preferência em relação ao tipo de parto que viria a ser realizado.
Nos domínios “Parto”
e “Relacionamento Interpessoal”, bem como no escore geral, pacientes que
desejavam e realizaram parto cesariano estavam mais satisfeitas do que aquelas
que desejavam cesariana e realizaram parto normal, ou que desejavam parto
normal e realizaram cesariana. Semelhantemente, pacientes que desejavam e
realizaram parto normal também apresentaram escores elevados de satisfação,
sem, no entanto, diferença estatisticamente significativa na comparação com os
demais grupos.
Quando a
amostra é agrupada em duas categorias, de acordo com o atendimento ou não da
expectativa da mulher sobre a via de parto, observa-se que os maiores graus de
satisfação concentram-se no grupo cujos partos se deram pela via desejada pelas
pacientes, fosse ela vaginal ou cesariana, conforme gráficos da Figura 1. Essa diferença é
estatisticamente significativa para os domínios “Parto” (p=0,005),
“Relacionamento Interpessoal” (p=0,007) e “Organização do Serviço” (p=0,011),
bem como para o escore geral de satisfação (p=0,008).
Figura 1. Gráficos comparativos dos escores de
satisfação de pacientes do Alojamento Conjunto entre tipo de parto desejado e
realizado, excluindo fórceps e indiferentes.
Não apresentaram relação
estatisticamente significativa com a satisfação as variáveis sobre presença de
acompanhante durante o parto, número de gestações, idade, estado civil e
escolaridade, cujos dados não são apresentados.
DISCUSSÃO
O
presente estudo verificou que os maiores graus de satisfação foram obtidos pelo
domínio “Relacionamento Interpessoal”, que aborda, principalmente, os cuidados
e orientações ofertados por médicos e enfermeiros durante a internação da
paciente no Alojamento Conjunto, portanto, após o parto. Nesse momento, mãe e
bebê saudáveis permanecem juntos um ao outro; a amamentação é estimulada, a
presença do acompanhante é frequente e o binômio recebe a visita de outros
familiares. Em contrapartida, o domínio “Pronto Atendimento” obteve os piores
escores de satisfação, principalmente na avaliação do tempo de espera e do atendimento
na recepção do serviço. Pode-se supor que a diferença entre esses dois domínios
esteja relacionada à ansiedade e a um possível desconforto físico da
parturiente num momento anterior ao seu acolhimento no hospital, prejudicando
sua satisfação. É oportuno mencionar que o evento do parto está frequentemente
associado a um sentimento de ansiedade intensa22, 23. Além disso, a
percepção e as expectativas das pacientes sobre o tempo de espera em serviços
de emergência são muito mais importantes na determinação da satisfação do que o
tempo efetivo de espera24. À medida, porém,
que a gestante é acolhida pela equipe do hospital, tem seu parto realizado de
forma humanizada e pode, enfim, permanecer junto de seu filho e amamentá-lo,
observa-se um aumento da satisfação.
No
domínio “Parto”, a questão sobre os procedimentos realizados para aliviar a dor
obteve escore de satisfação inferior àquelas quanto à presença de acompanhantes
e à ajuda de profissionais. A literatura tem observado que a relação entre
satisfação, dor de parto e analgesia é complexa. Embora o fenômeno da dor possa
influenciar a satisfação das pacientes, essa relação não é óbvia, direta, ou
sequer tão forte quanto a influência que os profissionais da saúde podem
exercer por meio de suas atitudes5. De qualquer modo, é
salutar a realização de novos estudos que permitam ampliar o conhecimento sobre
a relação entre dor no parto e satisfação, sobretudo explorando a influência de
métodos farmacológicos e não farmacológicos para o controle da dor.
Outros
aspectos que apresentaram maior insatisfação estavam relacionados,
principalmente, ao ambiente físico e à organização do Alojamento Conjunto. A
presença de barulhos, por exemplo, obteve uma das piores avaliações de todo o
questionário, provavelmente em virtude de a unidade, na época deste estudo, possuir
quartos grandes (contendo de três a oito leitos), com internação tanto da mãe
como do recém-nascido e recebendo, ainda, a visita controlada de familiares,
além da circulação de médicos, enfermeiros e demais profissionais responsáveis
pelo cuidado das pacientes. O que a literatura tem demonstrado é que pacientes
internadas em quartos individuais detém maior satisfação do que aquelas
admitidas em quartos coletivos25. Essa diferença
afeta não apenas os aspectos físicos do ambiente, mas também o cuidado da
enfermagem, as orientações recebidas sobre o cuidado com o bebê, a amamentação
e o plano de alta.
Um dos
fatores identificados como determinantes da satisfação foi o tempo de internação,
com tendência de diminuição da satisfação à medida que as pacientes permaneciam
internadas por mais dias. Esse resultado é condizente com um estudo que
comparou a satisfação de dois grupos de pacientes que haviam realizado cesárea
de emergência. O primeiro deles, com maior satisfação, incluiu pacientes com
baixa permanência (3,6 dias), enquanto o segundo, mais insatisfeito, incluiu
pacientes com permanência normal (4,8 dias)26. Outra pesquisa
concluiu que 97% das pacientes recomendariam a suas amigas um programa de
internação pós-parto de curta duração, 93% participariam dele novamente e 93%
consideraram seu tempo de internação adequado27. Entretanto, não são
apresentados dados sobre a satisfação das pacientes, verificando se haveria
diferenças de satisfação à medida que o tempo de internação avançasse27.
Um
dos
desafios associados à redução do tempo de
internação de pacientes em pós-parto
é a implementação de um programa efetivo de
cuidado domiciliar (ou de outro
modelo de fácil acesso à puérpera), viabilizando a
promoção de qualquer intervenção
que, de outro modo, seria ofertada no interior da maternidade4. A pesquisa da
fenilcetonúria, por exemplo, popularmente conhecida como “teste do pezinho”,
tem como objetivo detectar e tratar precocemente doenças que, se prevenidas,
evitam sequelas como a deficiência mental28. Entretanto, dado
que as concentrações de fenilalanina podem não estar significativamente
elevadas até que o lactente tenha ingerido proteína dietética durante as
primeiras 48 horas de vida, a realização desse teste não deve ocorrer
precocemente29. Segue-se que
algumas mães podem permanecer internadas por mais tempo do que julgam ser
necessário, tendo em vista a disponibilidade de horários nos quais o teste da fenilalanina
pode ser realizado no hospital.
O nível
socioeconômico foi outro fator a relacionar-se com a satisfação das pacientes,
com menores graus de satisfação no domínio “Parto” para as pacientes pobres e
extremamente pobres, no comparativo com aquelas situadas nos estratos mais
favorecidos. Esse resultado é condizente com a revisão de literatura de Sitzia
e Wood, segundo a qual, pacientes mais pobres detêm menor satisfação30. Esse dado, porém, é
considerado pouco consistente pelos autores, dada a dificuldade de se mensurar
as variáveis socioeconômicas. De qualquer modo, outra revisão internacional também
verificou que as pacientes mais favorecidas recebem melhor tratamento dos
médicos, ainda que se considere o mesmo serviço de saúde31. No cenário
brasileiro, estudo de coorte de base hospitalar com 15.688 mulheres concluiu
que as maiores chances de satisfação geral para com a atenção ao parto estavam
associadas a mulheres pertencentes às classes A e B, enquanto aquelas de cor da
pele preta ou parda tinham a menor chance de estarem satisfeitas32. De acordo com os
autores, existiria em alguns serviços públicos do país uma cultura
discriminatória, marcada pela concepção de que as mulheres de baixa renda e de
pouca escolaridade não teriam capacidade de entendimento para decidir sobre as
intervenções no parto. Segue-se, de acordo com o referido estudo, que essas
mulheres relatam menor clareza nas explicações, pouca abertura a eventuais
perguntas e reduzida participação nas decisões.
No que
diz respeito à relação entre o tipo de parto realizado e a satisfação das
parturientes, não foram identificadas diferenças estatisticamente significativas
de satisfação entre as cesarianas e os partos vaginais, resultado semelhante ao
de outro estudo nacional publicado recentemente33. Por outro lado, se
observaram diferenças estatisticamente significativas de satisfação na relação
entre o tipo de parto realizado e desejado, sendo que os menores graus de
satisfação foram identificados entre as pacientes com expectativas frustradas
em relação à via efetiva do parto. Com efeito, a literatura tem referido que a
satisfação materna é influenciada pela expectativa das mulheres, nem sempre
retratando a qualidade real do atendimento32. Entretanto, muitos
trabalhos não apresentam uma distinção clara entre os conceitos de expectativa
e preferência em relação ao parto: enquanto o primeiro está usualmente baseado
no conhecimento do que é possível, o segundo concerne ao desejo da mulher5. Nesse sentido,
cumpre ressaltar que o grupo mais insatisfeito do presente estudo, no
comparativo entre tipos de parto desejado e realizado, era composto de oito
mulheres que desejavam realizar cesariana, mas evoluíram para parto vaginal. Portanto,
embora não possuíssem indicação médica para a realização da cirurgia cesariana,
elas desejavam fazê-lo e sentiram-se insatisfeitas com a frustração dessa
expectativa.
A
preferência da mulher por determinada via de parto é um dos elementos mais frequentemente
apontados como responsáveis pela alta prevalência de cesarianas13. Estudo nacional
recente verificou que 39,3% das mulheres nulíparas e 29,5% das primíparas
tinham preferência pela cesariana33. No presente estudo,
33 mulheres manifestaram o desejo por esse tipo de parto, o que corresponde a
18,2% da amostra. Ainda que pese a escolha da mulher, cumpre frisar que a
cesariana é uma alternativa médica idealmente utilizada em situações em que as
condições materno-fetais não favorecem o parto vaginal34.
Além disso, embora
se deva reconhecer a segurança da cesárea moderna e as
contribuições dessa
intervenção para uma melhor assistência à
saúde, é importante que sua indicação
seja criteriosa, pois não se trata de um procedimento
inócuo e sua realização
pode trazer riscos adicionais para a mãe e a criança34.
Portanto,
conforme recomendou um estudo brasileiro, cabe aos profissionais que atuam na
assistência pré-natal avaliar as razões implícitas na demanda da mulher pela
cesariana, discutindo os riscos e benefícios dessa cirurgia em relação ao parto
vaginal13. Além de
proporcionar maior segurança à saúde dos envolvidos, essa estratégia tende a
resultar em maior satisfação da paciente, pois, de acordo com a literatura,
decisões referentes a procedimentos médicos e a medicações tendem a ser mais
bem aceitas pela mulher e seu acompanhante quando eles compreendem as razões
implícitas nessas decisões4.
A
discussão dessa temática, porém, não deve se restringir ao contexto hospitalar
de atenção ao parto ou de acompanhamento da gravidez. Os benefícios do parto
normal em comparação à cesariana, bem como os riscos frequentemente ignorados
na preferência por este procedimento cirúrgico, necessitam ser divulgados
amplamente na sociedade brasileira, em caráter educativo e em benefício da
saúde pública, de modo a modificar a chamada “cultura da cesariana”. A
abordagem desse tema em escolas, universidades e centros comunitários, por
exemplo, certamente contribuiria para a desmistificação de uma série de temores
relacionados ao parto vaginal. Além disso, é crucial que esse tema seja tratado
de forma responsável em filmes, novelas e séries de televisão, promovendo uma
cultura que privilegie a escolha daquela - parto normal - que é
reconhecidamente a melhor via de parto para conclusão da gestação, em
detrimento daquela - cesariana - que se
propagandeia, direta ou indiretamente, como a mais cômoda, fácil ou adequada a
determinadas classes sociais.
Com
relação às limitações do presente estudo, cabe mencionar que foram incluídas
apenas mulheres em pós-parto internadas em sistema de alojamento conjunto,
portanto, que pudessem amamentar e cujos recém-nascidos não necessitassem de
terapia intensiva ou semi-intensiva neonatal. É salutar que, futuramente, seja
promovida a avaliação da satisfação baseada em amostras mais heterogêneas do
ponto de vista da saúde da mulher e do recém-nascido, a fim de corroborar os
resultados identificados no presente estudo.
Também
é
necessário considerar um possível efeito do viés
de gratidão. Problema
recorrente na avaliação da satisfação em
serviços públicos de saúde, esse viés
caracteriza-se
pela omissão de questionamentos e críticas negativas dos
usuários, que temem
ter o acesso à assistência prejudicado como resultado da
participação no estudo35. Essa dificuldade
tende a ser ainda maior no caso da assistência perinatal, pois as puérperas
podem se sentir aliviadas, agradecidas e com sentimentos positivos depois do
nascimento de uma criança saudável, “compensando qualquer experiência negativa
da assistência”6. Para reduzir a
influência desse viés, no presente estudo não foram coletados quaisquer dados
que permitissem a identificação da paciente (como nome, número de matrícula ou
de quaisquer outros documentos pessoais), de modo a assegurar o sigilo quanto
às opiniões emitidas.
CONCLUSÕES
Os resultados
do presente estudo permitem concluir que a satisfação das puérperas quanto ao
atendimento no Pronto Atendimento tende a ser inferior em relação aos demais
setores em que ocorre o acolhimento à mulher que busca assistência hospitalar para
o parto, como o Alojamento Conjunto e o Centro Obstétrico, por exemplo. Em
contrapartida, os maiores graus de satisfação se observam na relação
estabelecida com os profissionais da saúde na internação posterior ao parto,
quando mãe e recém-nascidos encontram-se juntos em sistema de alojamento
conjunto, sendo possível a amamentação e o recebimento de visitas.
Com
relação aos determinantes da satisfação,
pode-se concluir que o tempo de
internação, o nível socioeconômico das
pacientes e a relação entre tipo de
parto desejado e realizado desempenham papéis importantes,
influenciando a
satisfação para com diferentes aspectos da
atenção ao parto e da internação
pós-parto. O tempo de internação está
inversamente relacionado com a satisfação
sobre todos os aspectos da assistência: pacientes internadas
há mais tempo
apresentam menores graus de satisfação quanto ao Pronto
Atendimento, ao parto,
à relação com a equipe de saúde e com a
organização do serviço. Já o nível
socioeconômico das puérperas influencia a
satisfação quanto ao parto, de tal
modo que pacientes pobres e extremamente pobres detêm menor
satisfação do que aquelas
oriundas da média classe média e da classe alta.
Finalmente,
o presente estudo permite concluir que as diferenças de satisfação em relação à
via de parto são estatisticamente significativas apenas quando se inclui na
análise o desejo prévio da paciente quanto a essa via. O que se observa é que
as pacientes com expectativas frustradas detém menor satisfação especificamente
quanto ao parto e à relação com os profissionais que a assistem. Nessa
comparação, o grupo mais insatisfeito é o de mulheres com desejo de realizar
cesariana, mas com indicação e realização efetiva de parto vaginal. Por outro
lado, as pacientes que desejavam e realizaram parto vaginal (as quais
representavam o maior grupo nesse comparativo) apresentaram altos níveis de
satisfação, semelhantes aos das pacientes que queriam e realizaram cesarianas.
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Recebido: 15/12/2016; Aceito e publicado: 17/01/2017
Correspondência: Profª Drª Angela Maria Bacha. Endereço: Caism – Rua Alexander Fleming,
101 – Cidade Universitária Zeferino Vaz – Distrito de Barão Geraldo – CEP
13083-881. Email: angela.bacha@reitoria.unicamp.br
Telefone: 19-3521-2940.
Local
do estudo: Hospital da Mulher Prof. Dr. José Aristodemo Pinotti – Caism/Unicamp,
Campinas (SP), Brasil.
Financiamento: os custos
inerentes à realização do presente estudo foram cobertos pelo Hospital da
Mulher Prof. Dr. José Aristodemo Pinotti – Caism e pelo programa de Bolsa
Auxílio Social do Serviço de Apoio do Estudante da Unicamp.
Conflito de Interesses: os autores não declararam conflito de interesses
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Revista de Administração em Saúde
ISSN 2526-3528 (online)
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