Rev. Adm. Saúde (On-line), São Paulo, v. 25, n. 100: e423, jul. – set. 2025, Epub 27 out. 2025
http://dx.doi.org/10.23973/ras.99.423
ARTIGO ORIGINAL
Análise econômica dos medicamentos oncológicos no Brasil no período 2021–2025: inflação e deflação do período
Economic analysis of oncology drugs in Brazil for the period 2021–2025: inflation and deflation for the period
Verneck Ferreira da Silva1
1. Graduado em farmácia, mestre em administração de empresas. Professor visitante da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro RJ
RESUMO
Introdução: o mercado farmacêutico oncológico no Brasil passou por transformações significativas na estrutura de preços entre 2021 e 2025. Objetivos: buscou-se analisar as variações de preços de medicamentos oncológicos, segmentados por categoria regulatória da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), e compreender a dinâmica entre inovação, competição e mecanismos da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). Métodos: utilizando uma metodologia quantitativa-descritiva, foram analisados dados de preços da CMED e do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), mostrando a relação entre o reajuste oficial e a inflação geral, além de uma dinâmica de mercado bifásica. Resultados: o período foi marcado por uma tensão constante entre duas forças opostas. De um lado, medicamentos novos e biológicos atuaram como motores inflacionários, com picos de aumento de até 71,33%, refletindo o alto valor da inovação. De outro, genéricos e biossimilares funcionaram como a principal força deflacionária, com quedas de até -74,89%, impulsionando o acesso através da competição. A análise demonstrou uma virada de um cenário predominantemente de reduções (2021–2022) para um de aumentos (2023–2025), influenciado por pressões de custo, como a valorização do dólar (5,23%). Conclusões: o modelo regulatório brasileiro, embora eficaz em fomentar a competição, mostra-se vulnerável a choques econômicos e limitado por uma inércia institucional de indexação à inflação. O aumento no uso de análises recursais pela indústria (55 casos em 2024) funciona como uma válvula de escape para um sistema rígido, expondo a assimetria informacional entre regulador e regulado. O estudo evidencia a necessidade de uma reforma regulatória que avance para além da simples indexação, a fim de equilibrar de forma sustentável o estímulo à inovação e a garantia de acesso a tratamentos oncológicos.
Palavras-chave: medicamentos oncológicos; regulação de preços; CMED; inflação farmacêutica.
ABSTRACT
Introduction: The oncology pharmaceutical market in Brazil underwent significant changes in its pricing structure between 2021 and 2025. Objectives: We sought to analyze the price variations of oncology drugs, segmented by regulatory category of the Brazilian Health Regulatory Agency (ANVISA), and understand the dynamics between innovation, competition, and the mechanisms of the Drug Market Regulation Chamber (CMED). Methods: Using quantitative-descriptive methodology, we analyzed price data from CMED and the Broad National Consumer Price Index (IPCA), showing the relationship between official adjustment and general inflation, as well as a two-phase market dynamic. Results: The period was characterized by constant tension between two opposing forces. On one hand, new and biological drugs functioned as inflationary drivers, with increases peaking at 71.33%, reflecting the high value of innovation. On the other hand, generics and biosimilars functioned as the main deflationary force, with declines of up to -74.89%, driving access through competition. The analysis showed a shift from a scenario predominantly of reductions (2021–2022) to one of increases (2023–2025), influenced by cost pressures such as the appreciation of the dollar (5.23%). Conclusions: Although effective in promoting competition, the Brazilian regulatory model is vulnerable to economic shocks and limited by institutional inertia linked to inflation. The increase in the use of appeals by the industry (55 cases in 2024) acts as a safety valve for a rigid system, exposing the information asymmetry between the regulator and the regulated. The study highlights the need for regulatory reform that goes beyond simple indexation to sustainably balance the stimulation of innovation and the guarantee of access to cancer treatments.
Keywords: oncology drugs; price regulation; CMED; pharmaceutical inflation.
INTRODUÇÃO
O mercado farmacêutico oncológico brasileiro é um segmento de alta complexidade econômica e regulatória, caracterizado por tecnologias de ponta, custos elevados e necessidades terapêuticas críticas. Entre 2021 e 2025, experimentou transformações significativas na estrutura de preços, influenciadas por fatores regulatórios, tecnológicos e econômicos, incluindo impactos da covid-19 e pressões inflacionárias globais.
O modelo regulatório da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) tem como objetivo garantir a acessibilidade aos medicamentos e a sustentabilidade econômica do mercado (1). Para medicamentos oncológicos, a CMED considera a inflação e as classificações estabelecidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) – novo, similar, genérico, biológico, biossimilar, anticorpo conjugado a droga, biespecífico e produto de terapia avançada (2).
O sistema regulatório brasileiro, vigente há duas décadas, enfrenta críticas sistemáticas quanto à efetividade. É possível observar profunda inércia institucional, contrastando com países estrangeiros onde regras são alteradas periodicamente para maior rigor e eficácia (3).
A Consulta Pública SEAE nº 2/2021 representa tentativa de revisão da Resolução CMED nº 2/2004, embora resultados consolidados não tenham sido publicados (4). Essa consulta pública manteve omissões críticas, como ausência de critérios para radiofármacos, terapias avançadas e medicamentos sem preço internacional, introduzindo controverso bônus de 35% para medicamentos com benefício clínico adicional, sem definir evidências científicas aceitáveis (5).
Este estudo justifica-se pela necessidade de compreender dinâmicas específicas do mercado oncológico, que apresenta características únicas: maior dependência de tecnologias inovadoras, custos elevados de desenvolvimento, urgência terapêutica, influenciando elasticidade-preço da demanda, e crescente judicialização, pressionando o Sistema Único de Saúde (SUS) a incorporar medicamentos de alto custo.
O contexto econômico é particularmente relevante. No Brasil, as despesas farmacêuticas diretas pelas famílias representam cerca de 40% do total em saúde, contra 20% em países de alta renda, o que reflete a baixa elasticidade-preço da demanda por medicamentos oncológicos (6). Essa realidade torna crítica a análise de precificação oncológica, visto que a urgência terapêutica pode comprometer a capacidade de escolha dos consumidores.
Considerando todo esse cenário, este estudo pretende analisar variações de preços por categorias da ANVISA, examinando os padrões de aumentos e reduções em relação ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e os padrões bifásicos (deflacionário em 2021–2022 e inflacionário em 2023–2025).
REFERENCIAL TEÓRICO
Classificações regulatórias e características econômicas
A CMED utiliza um modelo de tetos de preços, baseado em fatores econômicos, como o IPCA, e regulatórios, como as categorias da ANVISA, visando equilibrar a acessibilidade para os pacientes, a contenção de custos e a sustentabilidade do mercado (4). Esse modelo opera com três pilares: Preço Fábrica (PF), Preço Máximo de Venda ao Governo (PMVG) e Preço Máximo ao Consumidor (PMC).
Os critérios de precificação variam conforme a categoria do medicamento: para medicamentos novos, por exemplo, os preços são estabelecidos com base em comparação internacional ou análise farmacoeconômica; para similares e genéricos, baseiam-se em equivalência terapêutica e competição, conforme análise recente da regulação brasileira (4). Essa diferenciação regulatória cria perfis econômicos distintos que se refletem nos padrões de variação de preços observados no mercado.
Além disso, o método de cálculo para produtos novos considera o preço proposto pelo fabricante, avalia a custo-efetividade da inovação e compara com preços de referência de países de alta renda. A maior distorção ocorre pela inclusão dos preços americanos, onde a ausência de regulação e de um sistema público de saúde resulta nos preços mais altos do mundo (3).
As diferentes classificações regulatórias estabelecidas pela ANVISA conferem características econômicas específicas a cada categoria de medicamento oncológico. Medicamentos novos, especialmente biológicos, como anticorpos monoclonais, caracterizam-se por proteção patentária, diferenciação terapêutica significativa e menor sensibilidade a pressões competitivas, resultando em maior poder de precificação por parte dos fabricantes. Por outro lado, genéricos e biossimilares, via intercambialidade, competem por preços, com margens baixas e ajuste à inflação, ampliando acesso e equidade após expiração de patentes (7).
Medicamentos biológicos e biossimilares apresentam complexidade econômica devido aos altos custos de desenvolvimento e exigências regulatórias para equivalência terapêutica (8). Categorias emergentes, como anticorpos conjugados a droga, biespecíficos e produtos de terapia avançada, representam a vanguarda tecnológica, com características econômicas ainda em consolidação no mercado brasileiro.
Índices de mensuração e análise recursal
O regime de teto de preços brasileiro foi instituído nas reformas liberalizantes dos anos 1980 no norte global e 1990 no sul global. A formulação original de Stephen Littlechild, durante o governo Thatcher, visava privatizar serviços públicos no Reino Unido. O modelo pressupõe que o teto beneficia consumidores, incentivando empresas a reduzir custos, com o diferencial entre preço-teto e custos sendo absorvido como lucro ou compartilhado com consumidores (3).
A regulação de preços de medicamentos utiliza diferentes mecanismos conforme a estrutura institucional de cada país: políticas como referência externa, preço baseado em valor e fórmula "custo mais margem" para definir preços máximos (9). No mercado europeu, o Referenciamento Externo de Preços (REP) – external reference pricing – vincula preços internos à média de países comparáveis. Shaikh, Del Giudice e Kourouklis(10) mostram que regulações restritivas reduzem lucratividade e limitam investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D). O desenho da política deve equilibrar controle de preços e estímulo à inovação.
Nos últimos anos, propostas de reforma ganharam destaque nos Estados Unidos, onde tradicionalmente não há tetos formais de preços. Ho e Pakes (11) discutem alternativas como vincular preços domésticos aos de outros países e impor penalidades para reajustes acima da inflação. Socal, Ortiz, Garcia e Pingret-Kipman (12) mostram que a ausência de regulação robusta nos EUA resulta em preços superiores aos de países com controle governamental, influenciando o debate sobre políticas de referência externa. A escolha do modelo regulatório afeta a acessibilidade, a sustentabilidade fiscal e a inovação farmacêutica.
A ineficácia do regime regulatório brasileiro, instituído há duas décadas, foi atestada por múltiplas evidências. Estudos recentes apontam elevado descolamento entre preços regulados e praticados, comprometendo acessibilidade a medicamentos essenciais (13).
A inflação é o principal balizador da precificação de medicamentos no Brasil. O ajuste anual baseado no IPCA busca equilibrar recomposição de custos com acessibilidade. Contudo, a metodologia da CMED, estabelecida em 2004 e não atualizada desde então, é questionada quanto à adequação ao mercado atual. Para medicamentos inovadores, a CMED usa uma cesta de preços internacionais, considerando população elegível, alternativas terapêuticas e grau de inovação (2). Essa abordagem é criticada por não acompanhar complexidades setoriais, contribuindo para escalada de preços e judicialização da saúde.
No exterior, nas experiências bem-sucedidas de regulação, após extinção de patente ou quando a terapêutica é ultrapassada, preços de medicamentos caem sistematicamente. No Brasil, indexam-se à inflação todos os preços, sendo computada em diferentes fatores da fórmula regulatória (3).
Ao olhar para o regime regulatório internacional, percebe-se que alguns países, como Portugal, implementaram revisão anual da lista de países referência. A Austrália ampliou regulamentação para 11 países, excluindo EUA e Suíça. A Colômbia baseia seu REP em 17 países, incluindo Itália. Essas experiências demonstram a importância de revisões periódicas e critérios rigorosos para seleção de países referência (4).
O sistema regulatório da CMED prevê mecanismos de análise recursal, através dos quais os laboratórios farmacêuticos podem solicitar revisões de preços baseadas em critérios técnicos e econômicos específicos. Esse processo, regulamentado pela Resolução CMED nº 2/2004, permite ajustes de preços em situações excepcionais, como alterações significativas nos custos de produção, mudanças cambiais relevantes ou incorporação de novas indicações terapêuticas (14). A análise recursal constitui um importante mecanismo de flexibilização do sistema regulatório, permitindo ajustes que considerem as especificidades de cada produto e a categoria regulatória.
MÉTODOS
Esta investigação é um estudo observacional descritivo quantitativo, baseado em dados secundários sobre preços e classificações regulatórias de medicamentos oncológicos no Brasil. Métodos quantitativos-descritivos identificam padrões em dados sociais e econômicos, sendo adequados para fenômenos que exigem mensuração objetiva (15).
Os dados utilizados neste estudo foram extraídos das listas oficiais da CMED de janeiro de cada ano no período 2021–2025(16), constituindo uma fotografia anual dos preços para medicamentos com indicações oncológicas. Complementarmente, foram utilizados dados do IPCA fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para análises comparativas de inflação (17).
Nesta análise, foram incluídos todos os medicamentos com indicações oncológicas registrados nas listas CMED (16), classificados segundo as categorias regulatórias estabelecidas pela ANVISA (2). Essa classificação permite análise diferenciada dos padrões de precificação conforme o grau de inovação e competitividade de cada categoria.
Análise estatística
As variações de preços foram categorizadas em: reduções (variação negativa) e aumentos (variação positiva). Após a obtenção das variações medianas das categorias, elas foram comparadas com o IPCA de cada ano através da fórmula:
| 
   Variação real =  | 
  
   variação nominal (valor do ano versus o ano anterior) – 1 1 + IPCA  | 
 
Os dados de preços foram baseados no Preço Fábrica (PF0%), comparando janeiro de cada ano com o ano anterior (ex.: janeiro de 2021 versus janeiro de 2020). Essa metodologia permite capturar as variações percentuais de preços de forma padronizada e comparável.
O Gráfico 1 apresenta a evolução comparativa entre os reajustes autorizados pela CMED(16) e a inflação medida pelo IPCA no período 2020–2025(17).
Gráfico 1. Comparativo: CMED x IPCA (2020–2025)
Fonte: próprio autor com base em dados CMED (16) e do IBGE (17)
O gráfico revela dois padrões distintos. O IPCA apresentou uma variação significativa, partindo de 4,00% em 2020, subindo para 5,20% em 2021 e atingindo um pico de 10,50% em 2022. Após o pico, o índice iniciou uma trajetória de queda, registrando 5,60% em 2023 e 4,50% em 2024, com uma leve alta para 5,06% em 2025. Os reajustes CMED seguiram trajetória similar, porém com uma clara defasagem temporal em relação ao IPCA. O reajuste começou em 5,21% em 2020, saltou para 10,08% em 2021 e atingiu seu valor máximo de 10,89% em 2022. A partir de 2023, os valores se alinharam aos do IPCA, registrando 5,60% (2023), 4,50% (2024) e 5,06% (2025). A plausibilidade dessa relação é reforçada pela natureza reativa do reajuste. O pico inflacionário do IPCA em 2022 (10,50%) foi diretamente refletido no pico do reajuste CMED no mesmo ano (10,89%), evidenciando a forte correlação entre os indicadores. Da mesma forma, a desaceleração do IPCA a partir de 2023 foi acompanhada por uma redução proporcional nos índices da CMED, confirmando que as duas variáveis se movem em conjunto (16, 17).
RESULTADOS
Panorama geral do mercado oncológico
O mercado oncológico cresceu de 1.032 medicamentos (2021) para 1.246 (2025), expansão de 20,74%. Essa expansão reflete lançamentos de novas tecnologias e surgimento de similares, genéricos e biossimilares por quedas de patentes.
O Gráfico 2 apresenta variações medianas por categoria regulatória. A mediana é a metodologia ideal para pesquisa em amostras heterogêneas, mantendo tendência central e evitando distorções por valores extremos (18). Essa abordagem reforça a escolha metodológica, especialmente em mercado com diversidade de produtos e tecnologias.
Gráfico 2. Variações de preços por categoria regulatória (2021–2025)>
Fonte: próprio autor com base em dados da CMED (16) e do IBGE (17).
Análise por categoria regulatória
Os medicamentos classificados como anticorpos conjugados a droga registraram uma única variação negativa de -15,54% em 2022, refletindo a pressão competitiva inicial. A ausência de variações nos anos seguintes pode indicar estabilidade de preços ou ausência de novos recursos nesse período.
Os biológicos apresentaram uma dinâmica mista. Registraram um aumento real de 23,12% em 2024, indicando valorização da inovação, mas também sofreram a maior queda da categoria, de -65,76%, no mesmo ano. Isso sugere uma volatilidade impulsionada tanto pela inovação quanto pela concorrência.
Os biossimilares exibiram reduções expressivas, como -67,06% em 2023, refletindo seu papel em ampliar o acesso e a competitividade. No entanto, um aumento de 15,8% no mesmo ano indica que a precificação pode variar, possivelmente devido a diferentes estratégias de mercado.
Os genéricos e os similares apresentaram reduções consistentes. Os genéricos exibiram quedas notáveis, como -74,89% em 2023, enquanto os similares alcançaram -37,84% em 2025. Esses dados confirmam o impacto da forte concorrência e da regulação de preços para essas categorias.
Medicamentos novos tiveram aumentos reais expressivos, com picos de 21,73% em 2021 e 71,33% em 2022, indicando forte poder de precificação no lançamento, mas também quedas significativas, como -58,27% em 2024, refletindo pressões competitivas e regulatórias. O crescimento de lançamentos com preços altos ou estáveis levanta preocupações sobre a sustentabilidade da inovação, especialmente em tecnologias complexas, evidenciando tensão entre políticas de acesso e desafios econômicos da indústria farmacêutica.
As análises recursais de preços de medicamentos oncológicos no Brasil, realizadas pela CMED entre 2020 e 2025, representam os pedidos de revisão de preços apresentados por laboratórios farmacêuticos, conforme previsto na Resolução CMED nº 2/2004, que permite ajustes em situações excepcionais, como mudanças nos custos de produção, variações cambiais ou incorporação de novas indicações terapêuticas (4). A seguir, foram analisadas as tendências e as implicações desses dados, contextualizando-os com base no estudo do mercado oncológico brasileiro (2021–2025) fornecido anteriormente.
Gráfico 3. Análise recursal (2020–2025).
Fonte: próprio autor com base em dados da CMED (16) e do IBGE (17).
O surgimento de 11 análises recursais em 2022 coincide com o pico inflacionário, com IPCA atingindo 10,5% e índice CMED alcançando 10,89%. Esse cenário pressionou laboratórios a buscarem revisões para compensar custos elevados.
O aumento de preços em medicamentos novos (variação real de 58,32% em 2022) sugere que análises recursais se concentraram em categorias inovadoras, com maior flexibilidade devido à proteção patentária.
A queda para 6 análises em 2023 reflete estabilização econômica, com IPCA reduzindo para 5,6%. A predominância de reduções (96,6% dos medicamentos) indica pressão regulatória intensa da CMED.
A concentração de aumentos em anticorpos conjugados a droga (2,17% em 2023) sugere aprovações direcionadas a tecnologias complexas, justificadas por critérios técnicos.
O aumento para 55 análises em 2024 é notável. O estudo destaca aumentos significativos em similar (116,45%), biológico (66,11%) e novo (20,39%), indicando busca por revisões em categorias com dinâmicas atípicas.
Possíveis explicações para esse cenário incluem:
a) variações cambiais: o real enfrentou desvalorização, impactando custos de insumos importados em medicamentos oncológicos. A cotação do dólar passou de R$ 5,16 (2020) para R$ 5,43 (2025), valorização de 5,23% que impacta custos de insumos importados, cujos componentes são adquiridos em moeda estrangeira;
b) incorporação de novas apresentações: o crescimento do mercado (1.065 medicamentos em 2025, aumento de 34% desde 2021) sugere entrada de novas terapias, motivando pedidos de revisão;
c) revisões técnicas: a CMED recebeu solicitações para ajustar preços com mudanças em custos de produção ou novas indicações terapêuticas.
A queda para 37 análises recursais em 2025, embora elevada, se comparada a 2020–2023, sugere acomodação do mercado após pico de 2024. O IPCA estabilizou-se em 4,5% (2024) e 5,06% (2025), indicando menor pressão inflacionária.
DISCUSSÃO
Entre 2021 e 2025, o mercado oncológico brasileiro mostra uma dualidade de preços. Medicamentos novos e biológicos elevam custos, com aumentos reais de até 71,33%, refletindo o valor da inovação, mas quedas como -58,27% e -65,76% indicam pressão competitiva e regulatória. Já genéricos e biossimilares, com reduções de até -74,89% e -67,06%, promovem acesso via concorrência. A valorização do dólar (de R$ 5,16 em 2020 para R$ 5,43 em 2025, alta de 5,23%) encarece insumos importados, impactando custos de produção.
A indexação à inflação reflete dependência da trajetória originada no antigo Conselho Interministerial de Preços (CIP). Conhecimentos técnicos e métodos do CIP foram incorporados à CMED, perpetuando indexação automática(3).
O mecanismo recursal funciona como válvula de escape regulatório. O aumento de solicitações (55 em 2024, 37 em 2025) sugere que a indústria recorre crescentemente a esse instrumento. Essa dinâmica expõe assimetria informacional entre regulador e regulado. A CMED depende de informações das empresas para avaliar pedidos (19).
A mudança no perfil dos aumentos, que passou de medicamentos novos (2021–2022) para categorias tradicionalmente mais competitivas, como similares e genéricos (2023–2025), indica que pressões econômicas superaram mecanismos tradicionais.
Estratégias como parcerias público-privadas e subsídios para P&D podem ajudar a preservar o dinamismo da indústria. Essa herança institucional se explica, em parte, porque, mesmo diante das pressões inflacionárias setoriais observadas a partir de 2023, o sistema continua adotando reajustes anuais com fórmulas que incorporam múltiplas vezes a inflação.
CONCLUSÕES
O mercado oncológico brasileiro no período analisado apresentou uma dinâmica bifásica. Com uma deflação inicial nos anos de 2021 e 2022, a tendência predominante foi de queda nos valores, impulsionada pela forte concorrência de genéricos e biossimilares. Contudo, a partir de 2023, observou-se uma inversão nesse movimento, com um número crescente de medicamentos, incluindo similares e até mesmo categorias inovadoras, registrando aumentos de preço e indicando que novas pressões econômicas e de custo passaram a dominar o mercado. Adicionalmente, a ocorrência de medicamentos sem variação de preço (PF0%) foi baixa, oscilando entre 1,50% (2021) e 3,66% (2023).
Essa mudança de padrão pode ser explicada por fatores econômicos estruturais que impactaram significativamente os custos operacionais da indústria farmacêutica. A valorização do dólar frente ao real exerceu pressão direta sobre os custos de produção, considerando que a maioria dos princípios ativos e as tecnologias utilizadas em medicamentos oncológicos são importados ou dependem de insumos adquiridos em moeda estrangeira.
A dinâmica de preços no mercado farmacêutico brasileiro revela uma tensão entre inovação e acessibilidade. Medicamentos novos e biológicos, com aumentos reais de até 71,33%, impulsionam a inovação, mas sofrem pressões regulatórias e competitivas. A indexação à inflação, herança do CIP incorporada pela CMED, perpetua reajustes automáticos, enquanto o aumento de recursos (55 em 2024, 37 em 2025) evidencia estratégias da indústria frente a pressões econômicas, como a valorização do dólar.
Apesar das quedas em categorias competitivas, o cenário inflacionário desde 2023 e a assimetria informacional entre regulador e regulado destacam a necessidade de revisar o modelo regulatório para equilibrar financiamento de pesquisa, sustentabilidade econômica e acesso a medicamentos.
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Recebido: 14 de setembro de 2025. Aceito: 27 de outubro de 2025
Correspondência: Verneck Ferreira da Silva E-mail: verneckfsilva@gmail.com
Conflito de Interesses: os autores declararam não haver conflito de interesses
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