Rev. Adm.
Saúde Vol. 17, Nº 68, Jul.
– Set. 2017
http://dx.doi.org/10.23973/ras.68.42
EDITORIAL
Liderança
compartilhada nas organizações de saúde
Haino
Burmester1
1.
Médico, administrador
hospitalar e de sistemas de saúde, coordenador do Programa
CQH
“É
melhor quando as pessoas mal percebem que o líder existe;
não tão bom quando as
pessoas o obedecem e aclamam; pior quando o desprezam... Mas de um bom
líder,
que fala pouco quando sua tarefa é concluída, seu
objetivo alcançado, as
pessoas dirão: ‘nós mesmos
fizemos.”
(Lao-Tsé,
filosofo
chinês, século VI a.C.)
Como
se pode ver na
epígrafe do artigo, a liderança compartilhada
é um conceito antigo, mas se pode
dizer que retorna com força nos dias atuais e por uma
razão muito simples: a
liderança compartilhada faz sentido no mundo atual. As
organizações do século
XXI são muito maiores, complexas e sofisticadas quando
comparadas com suas
congêneres dos séculos anteriores e, portanto,
aquilo que fazia sentido na
administração de antigamente já
não se aplica inteiramente às
organizações que
queiram sobreviver no século XXI. É preciso novas
formas para enfrentar os
desafios gerenciais de agora.
Nas
organizações de
hoje há muita informação
disponível e de acesso fácil para todos; muita
especialização e automação;
nelas não há mais detentores únicos do
saber; não
há centros de poder. Pela primeira vez na
história da humanidade as
organizações convivem com a possibilidade de ter
quatro gerações trabalhando
lado a lado. Portanto, estruturas convencionais de liderança
não são mais
adequadas às demandas de novos padrões de
direção, coordenação e
controle das
organizações atuais, porque as
características delas são muito diferentes do
que foram no passado.
Por
outro lado,
também se pode dizer que as pessoas nunca foram
tão fiscalizadas e controladas
nas organizações (e fora delas) como hoje, pelo
chamando controle digitalizado:
câmaras existentes por toda parte nas
organizações e locais públicos;
registros
de todas as atividades existentes nas memórias dos
computadores, entre outras
formas digitais de fiscalização. Portanto,
não se diga que a fiscalização e
controle são funções administrativas
ultrapassadas e restritas aos rigores da
administração científica; elas
são praticadas de maneira diferente, condizente
com as solicitações atuais; nesse sentido velhas
e novas tendências convergem
para resolver problemas gerenciais atuais.
Também os padrões de comportamento
são afetados por novas tendências
educacionais e culturais, seja nas famílias como nas
escolas, de maneira que as
expectativas das pessoas também são outras hoje
comparadas com o que foram no
passado.
Não
se deve,
portanto, insistir em ações do passado para
equacionar situações do presente.
Neste sentido, se propõe uma revisão dos
conceitos ligados com a liderança. Ela
sempre foi vista como resultante da ação de
indivíduos carismáticos,
messiânicos ou heroicos. Na visão prevalente
até aqui, a liderança é
considerada sempre como um fenômeno individual no qual se
destaca a figura de
uma pessoa que sozinha dá direção e
provê inspiração a um grupo de
seguidores.
A ideia tradicional de um líder que dirige, orienta, seduz,
manipula, inspira,
motiva, coage ou determina autocraticamente é muito
reducionista para as
organizações do século XXI com as
múltiplas e complexas demandas dos seus
grupos de interesse. Essas ações são
muito complexas e volumosas para serem
confiadas a uma única pessoa; ela não conseguira
dar conta da tarefa sozinha.
Não conseguirá física, emocional e
cognitivamente responder satisfatoriamente à
todas as demandas a que estará exposta, colocando em risco a
própria
organização se insistir em fazê-lo. Por
mais sedutora que seja a tentação de
idolatrar o líder herói isto só faz
sentido para afagar egos vaidosos e
famintos de poder pessoal.
A
liderança compartilhada é uma
manifestação visível na cultura
organizacional
que tenha se apropriado deste conceito; faz parte do dia a dia da
organização. O
conceito da liderança compartilhada está centrado
em desconsiderar a visão do
líder individual, heroico, salvador da pátria,
que tudo sabe e a quem os demais
estão dispostos a seguir. A necessidade da
liderança compartilhada emerge como
foi dito, a partir da crescente complexidade inserida na necessidade de
respostas rápidas para fazer frente às
mudanças complexas nas organizações do
século XXI. São equipes de líderes que
compartilham decisões no mesmo nível
hierárquico. Nessas organizações deve
fazer parte da cultura organizacional
compartilhar decisões e assumir papeis de
liderança dependendo da situação que
se apresente ao líder. Nelas, todos podem ser lideres.
É importante lembrar que
não se trata de assembleísmo em que todos opinam
sobre tudo, o tempo todo e onde
cada um faz o que quer como se houvesse uma
liberação geral para que todos
mandassem e fizessem o que bem entendessem.
Liderança
coletiva tem
que ser entendida como um processo dinâmico em que grupos
utilizam suas
experiências e habilidades em rede para dar respostas ao
conjunto de demandas
da governança de uma organização
complexa. A noção de redes é
fundamental para
o entendimento do conceito de liderança compartilhada. Como
já se viu, trata-se
de uma abordagem contrária à visão do
líder individual heroico; são equipes de
lideres que compartilham suas experiências e habilidades. Ela
tem sido
designada por uma serie de denominações, que
engloba: compartilhada,
dispersiva, delegada, democrática, distribuída,
colaborativa, coletiva,
cooperativa, concorrente, coordenada, relacional e, possivelmente,
outras. A
simples menção das várias
denominações pelo qual esse fenômeno
é designado já
leva à conclusão de que é um conceito
em reformulação, sujeito a novos
delineamentos e entendimentos, embora não seja
tão novo nem tão pouco
praticado. Com atenção apurada, se
perceberá que grandes corporações
publicas e
privadas, cada vez mais, adotam práticas de
governança englobáveis neste
conceito, embora nem sequer suspeitem que o estejam fazendo. O fazem
para
simplesmente responder às necessidades sentidas no seu dia a
dia.
É
importante dizer
que a liderança coletiva não prescinde do
líder; tanto é assim que considera
que todos podem ou devem ser lideres em determinadas circunstancias. O
conceito
prioriza o grupo de lideres, que pode englobar toda a
organização e reconhece a
rede de poderes existentes nela, inclusive a informal.
Recebido:
03/07/2017; Publicado:
12/07/2017
Correspondência:
Haino Burmester. Avenida
Brigadeiro Luis Antonio, 278 - 7º andar. CEP
01318-901. São Paulo-SP,
Brasil. E-mail: cqh@apm.org.br
Conflito
de interesses:
o autor declara não haver
conflito de interesses
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