Rev. Adm. Saúde (On-line), São Paulo, v. 24, n. 97: e403, out. – dez. 2024, Epub 18 dez. 2024

http://dx.doi.org/10.23973/ras.97.403

 

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Hospitais e leitos públicos e privados no Brasil

Public and private hospitals and beds in Brazil

 

Olímpio J. Nogueira V. Bittar1

 

 

1. Médico especialista em administração de serviços de saúde e políticas de saúde. São Paulo SP

 

 

 

RESUMO

Hospitais são instituições complexas, complicadas, disruptivas, de alto risco e alto custo, imprescindíveis na provisão de assistência a população, pesquisa e ensino a profissionais de saúde e aos que proporcionam infraestrutura na provisão dos programas e serviços de saúde. O Brasil é um país de grandes dimensões, diferenças geográficas, econômicas e sociais, com população de 203 milhões de habitantes (2022). A distribuição dos serviços de saúde é bastante desigual em todo o território, com diferentes ofertas, variando de acordo com o tamanho da população local e regional e a situação econômica. Este artigo analisa as características que levam a definição introdutória, os hospitais e leitos, sendo que a maioria dos 6.399 são de pequeno ou médio porte, com resolubilidade reduzida, dificuldades de obtenção de recursos e administração. A solução para o assunto passa pela implementação de uma política hospitalar para o País como um todo e da necessidade do uso da técnica e da ciência para planejamento correto do número de leitos exigidos para assistência, pesquisa, ensino e gestão com qualidade e eficiência.

Palavras-chave: hospital, leito hospitalar, organização de saúde.

 

ABSTRACT

Hospitals are institutions that are complex, complicated, disruptive, high risk and high cost, important in provide assistance, to population, research and teaching to health professionals and infrastructure in the provision of health programs and services. Brazil is a huge country with immense differences, like geographics, economics and socially, having a population of 203 million (2022). The health services distribution is very uneven over its territory whit concentration on south and southwest. But even in those regions there are different offers, varying according to the size of the local and regional population and the economic situation. This article analyses the hospitals and beds, being that the majority of 6.399 is small or medium size, with reduced solvability, difficulties to obtain resources and administration. The solution for this issue is the implementation of a Hospital Politics for the country as a hole and the necessity to use technic and science for the correct sizing of the number of beds required for the quality and efficiency of assistance, research, teaching and managing.

Keywords: hospital, hospital beds, health organization.

 

 

 

 

INTRODUÇÃO

O censo de 2022 divulgado pelo IBGE aponta o País com 203.062.512 habitantes, distribuídos em 8.510.345.540 km², uma área geográfica imensa, com distintas características demográficas, epidemiológicas, climáticas, políticas, socioeconômicas, tecnológicas e ofertas de programas e serviços de saúde.

Estas características influenciam a demanda e a oferta por programas e serviços de saúde, desde o acesso até os resultados das diversas situações de saúde individuais e comunitárias.

Os hospitais podem ser definidos como instituições complexas, complicadas, disruptivas, de alto risco e alto custo, exigindo técnicas administrativas diferenciadas de outras organizações, como será evidenciado nos próximos parágrafos.

São fundamentais no atendimento das demandas populacionais, embora não devessem ser a primeira escolha na busca por assistência, principalmente na prevenção de doenças, promoção da saúde e diagnóstico precoce, deixando isto para a atenção primária de saúde. Esta busca de soluções nos hospitais para casos a serem resolvidos nas unidades básicas ou pelas equipes de saúde da família, causam lotação excessiva nos prontos socorros ou atendimentos de urgência/emergência, principalmente nos de grande porte ou nos de ensino, onde a população se sente atendida e seus problemas resolvidos.

Avaliar hospitais se dá por resultados medidos pela tríade, iniciando-se pela qualidade da assistência e do ambiente de trabalho, que promova a cura, sem sequelas, em segundo a produtividade decorrente de produção que atenda o maior número de pessoas de determinada comunidade resultante do melhor rendimento de profissionais, área física e equipamentos, por volume de produção, evitando-se a formação de listas de espera e o atendimento no menor tempo possível, e em terceiro os custos que possibilitem atender a população necessitada com o melhor da tecnologia existente.

O Brasil apresenta uma rede hospitalar constituída na sua maioria por hospitais com menos de 70 leitos, com dificuldades em dar assistência adequada a população, necessitando de infraestrutura complexa.

 

MÉTODOS

Os dados deste estudo estão disponíveis no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde – CNES, do DATASUS e os hospitais classificados de acordo com o porte (até 50 leitos – pequeno, de 51 a 150 – médio, de 151 a 500 – grande, e acima de 501 – especial) e se referem a 2022.

De acordo com a natureza jurídica são classificados como administração pública, entidade empresarial e entidade sem fins lucrativos. Em relação a administração pública as modalidades são: administração direta, administração indireta com autarquia, sendo que as organizações sociais de saúde podem estar em ambas, empresa pública, sociedade de economia mista e fundação de direito público, sendo que podem estar na esfera municipal, estadual e federal. Por vezes, alguns destes hospitais compartilham a execução das atividades com fundações de apoio, normalmente fundações de direito privado, sem fins lucrativos, que lhe proporcionam maior autonomia.

As entidades empresariais são representadas por instituições privadas, visando lucro.

As entidades sem fins lucrativos, também privadas, podem ser filantrópicas ou beneficentes, incorporando aqui associações, serviço social autônomo, fundações privadas sem fins lucrativos e cooperativas.

O número de internações, média de permanência e taxa ocupação dos hospitais brasileiros por porte, constam do DATASUS, no período de julho de 2023 a junho de 2024.

Os dados demográficos são os divulgados pelo IBGE, referentes ao censo de 2022.

 

RESULTADOS

Hospitais

Em outubro de 2022 o Brasil possuía 6.399 hospitais gerais e especializados, Tabela 1, sendo que destes, 2.669 eram públicos, 41,7%, com 197.230 leitos e 3.370 privados com 310.150, totalizando 507.380 leitos dos quais 67,4% em convênio com o Sistema Único de Saúde – SUS.

A distribuição de unidades com procedimentos de média e alta complexidade não é equitativa nas diferentes regiões do País, fato que se deve a vários fatores, entre eles a distribuição e formação dos profissionais de saúde. No Estado de São Paulo, nos hospitais conveniados com o SUS, o percentual de procedimentos de alta complexidade e média complexidade nos dois milhões e meio de pacientes internados anualmente perfazem 11% e 89%, respectivamente. O número de procedimentos de alta complexidade é maior nos hospitais especializados, seguidos dos hospitais de ensino e reduzindo nos hospitais gerais.

 

Tabela 1. Hospitais, leitos existentes e SUS, porte e natureza jurídica. Outubro 2022.

Porte e Natureza Jurídica

Hospitais

Leitos Existentes

Leitos SUS

Pequeno (até 50 leitos)

3.429 (54%)

88.780 (17%)

61.910 (18%)

Administração Pública

1.596 (47%)

41.665 (47%)

40.378 (65%)

Entidades Empresariais

1.160

25.208

4.518

Entidades sem Fins Lucrativos

673

21.907

17.014

Médio (de 51 a 150 leitos)

2.074 (32%)

179.846 (35%)

111.621(33%)

Administração Pública

726 (35%)

61.236 (34%)

57.287 (51%)

Entidades Empresariais

599

53.039

7.290

Entidades sem Fins Lucrativos

749

65.571

47.044

Grande (de 151 a 500 leitos)

846 (13%)

200.948 (40%)

137.996 (40%)

Administração Pública

327 (39%)

81.495 (41%)

76.804 (56%)

Entidades Empresariais

191

41.822

10.455

Entidades sem Fins Lucrativos

328

77.631

50.737

Especial (acima de 500 leitos)

50 (1%)

37.806 (7%)

30.459 (9%)

 Administração Pública

20 (40%)

12.834 (34%)

11.074 (36%)

 Entidades Empresariais

5

4.459

3.854

 Entidades sem Fins Lucrativos

25

20.513

15.531

Total Geral

6.399 (100%)

507.380 (100%)

341.986 (100%)

Fonte: Cadastro Nacional de Estabelecimento-CNES - Base de dados de outubro/2022

Nota: Tipos de estabelecimentos: hospital geral, especializados e centro de parto normal

 

 

A Tabela 1 mostra o número dos hospitais públicos e dos privados que visam e os que não visam lucro, os últimos importantes na provisão de cuidados para a população coberta pelo SUS, sendo seus leitos, na sua maioria (78,0%), ofertados ao SUS, o que é esperado, uma vez que 75% da população utiliza o sistema público e 25% o supletivo.

A definição de hospital como complexos, complicados, disruptivos, de alto custo e alto risco, traz como consequência o conhecimento das características, fatores e variáveis intervenientes e que remetem a diferentes aspectos da administração e da produção, nos campos da assistência, pesquisa e ensino. Pesquisa, desenvolvimento e inovação encontram aqui campo fértil para obtenção de bons resultados.

Os cenários, demográfico, epidemiológico, socioeconômico em transição (1) atingem todos, indistintamente, mas não devem ser empecilhos para a formação de uma rede operacional pública e privada integrada, reforçando a necessidade de políticas que valorizem parcerias, desenho operacional planejado e modelos contratuais que garantam segurança. Novos modelos de gestão realçando a importância da governabilidade, da sustentabilidade ambiental, econômica e social são valorizados.

Nos três grupos a administração pública concentra o maior número de hospitais de pequeno porte, bem como no número de leitos totais e na oferta ao SUS, o mesmo ocorrendo no médio e no porte especial. Observa-se empate nos de grande porte entre os sem fins lucrativos, porém, o número de leitos totais e ofertados ao SUS é superior.

Os hospitais públicos, principalmente os de grande porte e os especiais, por vezes formando grandes complexos hospitalares têm servido a universidades e faculdades para a pesquisa e formação de profissionais de saúde, bem como àqueles que proveem a infraestrutura para as atividades meio e fim. Estes hospitais atraem boa parte da população, mesmo aquelas cobertas por planos de saúde, na busca de atendimento na alta complexidade.

A gestão das unidades públicas é prejudicada pela falta de autonomia gerencial (2), dificultando a admissão e reposição de pessoal, agilidade nas compras, principalmente nas emergências, contratação de serviços de terceiros, inclusive para capacitação, o que leva a desperdícios com leitos desativados, falta de insumos, manutenção inadequada, entre série de perdas. Impede a medição da eficiência, da efetividade e da eficácia da gestão bem como o estabelecimento de metas de produtividade para profissionais (consultas por profissionais por período), salas cirúrgicas (operações por sala cirúrgica por período), equipamentos de imagem (exames por tomógrafo por período).

Iniciado no Estado de São Paulo em 1998 e seguido por outras unidades da federação, foi dada autonomia com a criação das organizações sociais de saúde, evidenciado o bom sucesso delas em pesquisa realizada (3). São entidades filantrópicas, sem fins lucrativos, com autonomia suficiente para cumprir metas qualitativas e quantitativas dos Contratos de Gestão que estabelecem o relacionamento Estado e OSS. Hoje 24 estados, o Distrito Federal e 235 municípios possuem lei referente as OSS existindo 1.455 estruturas públicas administradas por 184 organizações sociais, tendo como entidade representativa o Instituto Brasileiro das Organizações Sociais de Saúde (IBROSS).

Alguns hospitais autárquicos e da administração direta criaram fundações de apoio para busca da autonomia gerencial, embora, neste caso, cria-se mais uma estrutura para viabilizar a solvência da unidade, com custos e complicações gerenciais.

Quanto aos hospitais de pequeno porte, até 50 leitos, tanto públicos como privados, acrescidos daqueles de médio porte, de 51 a 150 leitos, cuja capacidade se aproxima do limite dos primeiros, a sua atuação é de baixíssima complexidade, fazendo com a taxa de ocupação fique em torno dos 30%, restando leitos ociosos, custos fixos desperdiçados e menor eficiência (4). Cria-se oportunidade para internações evitáveis pela atuação da atenção primária. Há uma tendência do fechamento destas unidades em municípios de pequeno e médio porte, haja vista que 70,3% dos 5.570 municípios brasileiros tem menos de 20.000 habitantes, muitos recebendo unicamente recursos do fundo de participação dos municípios, ou seja, não tendo arrecadação suficiente para gerir um hospital. Nestes municípios também existe carência de mão de obra especializada em saúde pública, especialmente em administração de unidades de saúde. Há algumas iniciativas para esta situação (5), como a transformação em unidades de reabilitação física, psicossocial ou ocupacional, atendimento a pacientes com doenças crônicas, atenção primária, cuidados geriátricos, unidades de primeiro atendimento em emergências e até outros fins sociais. Atualmente, com o uso da tecnológica, o apoio da tele saúde, tele consulta, tele ECG, tele imagem, tele oftalmologia, tele dermatologia e a oportunidade da atenção primária, muitas soluções podem ter respaldo com o atendimento virtual com resolubilidade. A integração no processo de regionalização com suporte de hospitais complexos, seguindo-se de logística para transferência dos pacientes, treinamento de pessoal, primeiros socorros nas urgências/emergências, suporte de diferentes especialistas, podem torná-los mais efetivos.

Em relação as dificuldades dos municípios em prover serviços de saúde houve tentativas de racionalização de recursos com a formação de Consórcios Municipais de Saúde, assunto que parece ter sido esquecido.

A obtenção de escala na produção hospitalar pública e privada depende do funcionamento sinérgico de conjunto de áreas e subáreas conforme exposto a seguir.

A estrutura dos hospitais é dividida da seguinte forma: grandes áreas representadas pela infraestrutura (a) dando suporte a todas as outras; área meio (b) representada pelos serviços complementares de diagnóstico e terapêuticas – linha de montagem ampliada com os avanços tecnológicos; área fim a internação clínico cirúrgica (c) e a porta de entrada (d) que são o ambulatório e a emergência. Em alguns ainda acrescentam pesquisa (e), ensino (f) e as gerenciadas externa ou internamente (g), como assistência domiciliar e bioengenharia.

Todas estas grandes áreas se subdividem, criando culturas próprias marcadas por 14 categorias profissionais de saúde com mais de três centenas de especialidades e subespecialidades, acrescidas de outras da infraestrutura como arquitetos, engenheiros, advogados, administradores, economistas, contadores, secretarias, uma diversidade enorme. Isto exige tipos especiais de liderança que entendam não só do global, mas também das especificidades culturais das diferentes áreas e subáreas, da fragmentação vigente, o que não é facilmente encontrado em hospitais sem autonomia gerencial e/ou naquelas cujas receitas não permitem a seleção e contratação de administradores com este perfil, caso mais comum nos públicos e nos privados de pequeno porte e alguns de médio porte. Técnicas e protocolos devem padronizar a assistência num país que tem diferentes faculdades de saúde, em excesso, e variações na qualidade do ensino, já que a migração de profissionais ocorre com frequência e intensidade.

Esta estrutura é rica em equipamentos sofisticados e caros verificando-se a importância de tecnologias para controle do seu funcionamento quando parâmetros são necessários para certificar o bom funcionamento para não degradação de substâncias ou conforto do paciente e mesmo atuando na manutenção preditiva evitando-se a deterioração ou a falha de funcionamento por meio de tecnologia. Os serviços complementares parecem estar na frente no uso de tecnologia e inovação, como inteligência artificial, embora as outras áreas se apropriam de outras formas de inovação disruptiva, radical e incremental.

Insumos, os mais diversos, desde os mais simples até os mais sofisticados como algumas órteses e próteses exigem logística sofisticada.

Comunicação é crucial para a efetividade gerencial do sistema, a prevenção de eventos adversos, a capacitação dos profissionais, utilizando-se de dados, informações e conhecimento gerado intra e extraunidade.

Quanto a informação uma consulta na Classificação Internacional de Doenças (CID11) (6), constam 55.000 códigos únicos para lesões, doenças e causas de morte e na Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses, Próteses e Materiais Especiais do SUS (SIG TAP) (7) 4.680 itens, dos quais 4.212 são procedimentos de atenção básica, média e alta complexidade. Comparando com a indústria ou outro modelo de negócio é inexistente a possibilidade de diagnosticar e “fabricar” ‘tantos’ produtos, partindo de ‘tantos’ diagnósticos. A qualidade e quantidade de informações necessárias as operações, em grande volume, necessitam serem trabalhadas e prontas para se transformarem em ações de saúde. Em média uma unidade produz um pouco mais de uma centena de produtos, mas, quanto mais diversificado são eles, maiores são os relacionamentos externos, em todos os segmentos do mercado, devendo-se dar ênfase nas negociações. Acresce-se a estes múltiplos processos e insumos a necessidade de informação para planejamento e controle.

O uso efetivo de informações para administração e divulgação podem ser exemplificados em duas experiências de São Paulo, uma da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo com os hospitais de ensino públicos e privados (SAHE – Sistema de Avaliação dos Hospitais de Ensino) onde os hospitais alimentam planilhas mensais de produção e anuais de estrutura via web, e outra a publicação periódica da ANAHP – Associação Nacional de Hospitais Privados, ofertando dados de hospitais privados para comparação e mesmo para pesquisa e ensino de gestão hospitalar.

Na avaliação qualitativa dos hospitais de ensino do Estado de São Paulo os dados do DATASUS permitiram seguir os protocolos da AHRQ – Agency for Healthcare Research and Quality, estudando mortalidade e volume de procedimentos clínicos e invasivos.

Algumas dificuldades são contempladas, como a padronização das informações que cada grupo, instituição ou associação utiliza, a multiplicidade de sistemas informatizados que não se conversam, a falta de uma central de captação, análise de dados e divulgação de indicadores.

A atualização e utilização de tecnologia, do momento encontra-se disponível nos hospitais públicos ligados ao ensino e nos privados nas áreas complementares de diagnóstico e terapêutica, clínicas e cirúrgicas, sendo que a infraestrutura vem atualizando suas técnicas e métodos, também. A rede como um todo tem dificuldades logísticas e quanto mais isoladas geograficamente menores são as oportunidades tecnológicas à disposição.

Programas de qualidade com vistas a acreditação hospitalar contribuem no trabalho dos profissionais de saúde, segurança do paciente em relação a eventos adversos, iatrogenias, tratamento e internações desnecessárias, reinternações, ações judiciais, proporcionando escala na produção e aumento da produtividade, melhorando a logística e redução de custos, principalmente pela diminuição do desperdício e do retrabalho. Atualmente dificuldades como falta de autonomia, edifícios antigos e com dificuldades de manutenção, regularização de licenças como as da vigilância sanitária, AVCB – Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros, fluxos inadequados de insumos, pacientes, visitantes e profissionais, inexistência de comparação de dados e informações com unidades similares em busca de boas práticas, dificultam a obtenção da acreditação. Um sistema complexo exige medições qualitativas e quantitativas constantes, favorecendo inclusão da governança, sustentabilidade ambiental e social (ESG).

Em relação a acreditação cabe dizer que dos 6.399, somente 396 são “acreditados”, ou seja, somente 6,2% passaram por processo de avaliação qualitativa por instituição avaliadora isenta, lembrando que este processo se iniciou há mais de duas décadas.

 

Leitos

A Tabela 2 mostra o número de leitos públicos e privados, com os respectivos percentuais, bem como os públicos e privados filantrópicos destinados ao SUS.

 

Tabela 2. Leitos públicos, privados e SUS no Brasil 2022.

 

Leitos Públicos

Leitos Privados Empresa

Leitos Privados Sem lucro

Leitos Total

Leitos SUS

Número

197.230

124.528

185.622**

507.380

341.986*

Percentual

38,9

24,5

36,6

100,0

67,4

 * 185.543 (54,3%) são leitos públicos – federal, estadual e municipal

 ** 144.756 (78,0%) dos leitos privados sem fins lucrativos conveniados ao SUS

 

O total de leitos representa 2,5 leitos por 1.000 habitantes, conforme cálculo de dezembro de 2022, valor próximo da FBH e CNS (5) que trazem, em 2019, representando 1,9 leito por 1.000 habitante, diferença esta possivelmente causada pela diferença na base populacional. Vem ocorrendo o fechamento de alguns hospitais e a diminuição de leitos, principalmente por problemas relacionados ao financiamento. Esta questão, cria polêmicas ao longo do tempo, onde afirmações sobre a necessidade de até 4,5 leitos por 1.000 habitantes surgem, o que é demasiado, podendo o excesso de oferta gerar problemas de qualidade no atendimento e pelo alto custo que representa a ociosidade. Isto evidencia a necessidade de estudos técnico-científicos para estabelecimento de parâmetro ideal.

A Tabela 3 traz os números de internações, a média de permanência e a taxa de ocupação dos hospitais brasileiros, por porte, no período de um ano.

 

Tabela 3. Número internações, média de permanência e taxa ocupação dos hospitais brasileiros por porte, no período de julho de 2023 a junho de 2024 – DATASUS

Evento

Internação

Média Permanência

Taxa Ocupação

Hospitais por Porte

 

 

 

Até 50 leitos

1.980.983

3,7

23,9

51 a 150 leitos

5.108.692

5,4

51,7

151 a 500 leitos

5.205.634

7,5

71,0

Acima 500 leitos

913.471

7,7

75,9

Total / média

13.208.780

4,7

38,7

Obs.: total de leitos igual a 327.634

 

Observa-se que o percentual de ocupação é mínimo nos de pequeno porte, melhorando um pouco nos de médio porte, mas em quantidade inferior a conferir economia de escala na produção e outras consequências resultantes destes indicadores. É uma amostra global da situação no País, tornando oportuno estudos que possibilitem a visão regional e a promoção de um sistema eficiente.

White e cols. (9) em 1961 publicaram um estudo sobre a organização dos cuidados de saúde, pesquisa e ensino. O resultado deste estudo foi que para uma população de 1.000 adultos, em um determinado mês, 750 apresentaram algum problema de saúde, 250 consultam um médico, nove foram hospitalizadas e um encaminhado a um centro médico universitário. Este estudo, repetido por Green et cols. (10) em 1996, publicado em 2001, mostrou que de 1.000 adultos e crianças, 800 reportaram algum sintoma, 327 procuraram cuidados de saúde, oito foram internados e um encaminhado a um centro médico acadêmico. Vale a pena analisar ambos os estudos e incluir outras variáveis, observando-se indicadores regionais no Brasil, que permitam estimar técnica e cientificamente a quantidade de leitos necessários para assistência, pesquisa e ensino.

O dimensionamento de parâmetros para este indicador, leitos por 1.000 habitantes, deve partir da observação de fatores como demográficos, epidemiológicos, geográficos, tecnológicos, oferta de programas e serviços de saúde existentes e complementares, locais e regionais, inclusive leitos gerais e especializados.

Há queda no número de nascimentos, aumenta da população de idosos com necessidades maiores de assistência, aumento das lesões por causas externas, necessidade de leitos de retaguarda para pacientes com doenças crônicas e àqueles em recuperação clínica ou cirúrgica, bem como mudanças no tratamento de portadores de doenças mentais, possibilidades de novas epidemias. Em relação a leitos de psiquiatria, o planejamento deve prever áreas de lazer, uma vez que é impossível manter confinados os portadores de algumas doenças mentais, adictos, entre quatro paredes, sem atividades sociais e lúdicas.

A maior resolubilidade dos casos no ambulatório e nos serviços complementares de diagnóstico e terapêutica, graças aos avanços tecnológicos, com novas drogas e equipamentos menos invasivos, colaboram para reduzir as internações e tempo de permanência, diminuindo a necessidade de leitos.

A resolubilidade da atenção primária tem prioridade na decisão do número de leitos, uma vez que estudo realizado por Mendes (11) revelou que 15% das internações por condições sensíveis à atenção primária poderiam ser evitadas. Transportado, com as devidas limitações, para a média anual no Brasil, de 12.000.000 de internações, algo como 1.800.000 poderiam ter sido evitadas, diminuindo a necessidade de leitos e logicamente os gastos, recursos que poderiam ser empregados em outras atividades sanitárias.

Atenção deve ser com situações que interferem na logística de transporte de pacientes, a efetividade da regulação da oferta de programas e serviços, o volume de demanda por determinadas especialidades, a disponibilidade de profissionais de saúde para atendimento da atenção primária, média e alta complexidade, oportunidade de unidades especiais para atendimento a pacientes em recuperação de traumas ou outros sequelas de determinadas doenças ou procedimentos, a retaguarda para pacientes crônicos que boa parte das vezes se encontram em hospitais terciários aumentando os custos dos tratamentos e as listas de espera. A média de permanência dos pacientes internados tem papel importante no dimensionamento dos leitos, variando de acordo com doenças, procedimentos, tecnologia e formação e cultura dos profissionais de saúde e da comunidade.

Com os resultados de White e Green, a inclusão de outros estudos com variáveis que interferem na produção hospitalar e na saúde da população, prevê-se que a necessidade deve estar próxima de um leito por 1.000 habitantes.

Estudos podem ser facilitados com o uso de ferramentas como matemática, atuária, estatística, ajudado pela inteligência artificial, possibilitando cálculos precisos incluindo-se a distribuição de leitos por especialidades.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Há a necessidade de política(s) hospitalar(res) para o País como ponto de partida, formando uma rede modular que garanta a todas as regiões assistência à saúde hierarquizada e integral. Os hospitais devem ter porte adequado para atender regionalmente, atingir escala de produção, e cobrir a população com número ideal de leitos por 1.000 habitantes, aqui sugeridos como sendo de um leito por 1.000 habitantes.

Esta política deve ser seguida de (1) planejamento, com metas claras, (2) organização, valorizando componentes operacionais internos das instituições e a regionalização modular onde rede básica e hospitais públicos e privados se complementam, (3) direção com ênfase na coordenação interna e externa, regulação da oferta e da demanda, contratos bem elaborados atualizados com o conhecimento e tecnologia atual, e, (4) avaliação em todas as suas formas, controle, monitoramento, fiscalização e auditoria.

A avaliação hospitalar baseia-se no binômio qualidade e quantidade, onde vidas salvas, ativas e sem ou com o mínimo de sequelas físicas, mentais e ocupacionais, devam ser os principais requisitos, seguidos de medidas de produção, produtividade e custos que viabilizem o sistema para a maioria dos brasileiros. Informação é básica neste quesito, também, medindo-se com o uso de indicadores contínuos, periódicos ou ocasionais.

Um avanço a ser introduzido é a remuneração dos hospitais valorizando com maior peso a qualidade da assistência do que a quantidade de produção, para isso, exigindo melhores sistemas de informação e equipes especializadas em análise de dados, tópico estes que merece outro estudo.

Um parágrafo pode ser incluído, que quando se fala em financiamento logo vem a propositura do aumento de recursos financeiros, mas, antes desta ação outras devem ser decididas, como a avaliação do custo-benefício dos programas em andamento, da formação dos profissionais de saúde, da rede hierarquizada e regionalizada, e, se existe a falta de recursos financeiros, qual o valor em reais (R$), para determinados resultados esperados, face a comum omissão do tamanho do valor dito faltante.

A revisão da utilidade dos hospitais de pequeno porte e alguns de médio porte é crucial para evitar desperdícios e otimizar a operação do sistema.

A criação nos órgãos gestores de uma área técnica hospitalar, multiprofissional, visando orientação em aspectos ligados a edificações, equipamentos, insumos, informações, tecnologia, legislação, técnicas administrativas aplicadas a hospitais e redes, será de grande auxilio para a rede pública como privada, lembrando que a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo já possuiu área semelhante no passado, com grande utilidade, o Departamento de Técnica Hospitalar da extinta Coordenadoria de Assistência Hospitalar.

Pesquisa, inovação nas áreas meio e fim e em infraestrutura de saúde, especialmente em formas gerencias com uso intensivo de tecnologia, para os hospitais públicos e privados, podem levar a uma nova era de eficiência e qualidade no atendimento à população enfatizando a associação com empresas de tecnologia, universidades e startups, como as healthtechs (saúde), logtechs (logística), cybertechs (cibersegurança).

 

AGRADECIMENTOS

À Vera Osiano da Coordenadoria de Planejamento da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo e a Gabriel Lambert Borges da área de faturamento da Fundação Adib Jatene, Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia.

 

 

REFERÊNCIAS

1.    Bittar OJNV. Saúde e cenários em transição. Bol. Epidemiológico Paulista – BEPA. Junho 2018; 15(174):1-3. https://periodicos.saude.sp.gov.br/BEPA182/article/view/37750

2.    Bittar OJNV. Saúde e Autonomia (Opinião). Jornal Valor Econômico. 29/07/2014, p. A12.

3.    Bittar OJNV. Consequências da crise 2013 – 2016 em serviços na Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Bol. Epidemiológico Paulista – BEPA 2019; 16(189):1-15.

4.    Monteiro S. Terapia Intensiva. Conjuntura Econômica. Outubro 2019.

5.    Bittar OJNV. Oportunidades de negócios para hospitais de pequeno porte. Voz da Saúde. FEMIPA. Nov./dez. 2010; (58):7.

6.    Organização Mundial da Saúde. Classificação Internacional de Doenças (CID 11). 2022.

7.    Ministério da Saúde. DATASUS. Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses, Próteses e Materiais Especiais do SUS (SIG TAP). 2021.

8.    Federação Brasileira de Hospitais – FBH & Confederação Nacional de Saúde – CNS. Cenário dos Hospitais no Brasil. Maio 2019.

9.    White K et al. Ecology of Medical Care. N Engl J Med. Nov. 2, 1961.

10. Green LA et al. The Ecology of Medical Care Revised. N Engl J Med. June 28, 2001; 44(26)

11. Mendes JDV. Internações por Condições Sensíveis à Atenção Básica – ICSAB no SUS/SP – Atualização 2018 (Editorial). Boletim Eletrônico GAIS. Mar. 2019; 83.

 

 

 

Recebido: 07 de novembro de 2024. Aceito: 18 de dezembro de 2024

Correspondência: Olímpio Bittar. E-mail: olimpiobittar@gmail.com

Conflito de Interesses: o autor declara não haver conflito de interesses

 

 

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Revista de Administração em Saúde
ISSN 2526-3528 (online)

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