Rev. Adm. Saúde (On-line), São Paulo, v. 24, n. 97: e400, out. – dez. 2024, Epub 19 dez. 2024
http://dx.doi.org/10.23973/ras.97.400
ARTIGO DE REVISÃO
Recomendações atuais para o manejo anestésico de pacientes que utilizam fitoterápicos: revisão de escopo
Current recommendations for anesthetic management of patients using herbal medicines: a scoping review
Mariana Cricco Bezerra1, Jaise Mylena Passos2, Gilmar Pereira Coan3, Dario Yamashiro4, Emilio Carlos Del Massa5, Juliana Takahashi6, Patrícia Mitsue Saruhashi Shimabukuro7
1. Médica residente em anestesiologia da Casa de Saúde Santa Marcelina. São Paulo SP
2. Médica residente em anestesiologia pela Casa de Saúde Santa Marcelina. São Paulo SP
3. Médico anestesiologista do Hospital Santa Marcelina e Hospital Sepaco. São Paulo SP
4. Médico anestesiologista do Hospital Santa Marcelina. São Paulo SP
5. Médico anestesiologista, coordenador da residência médica em anestesiologia do Hospital Santa Marcelina e Hospital Sepaco. São Paulo SP
6. Bibliotecária da Universidade de São Paulo. São Paulo SP
7. Enfermeira. Doutoranda da Escola Paulista de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo. São Paulo SP
RESUMO
Introdução: Fitoterápicos são medicamentos derivados de plantas medicinais que possuem várias formas de apresentação e que são comercializados para finalidade terapêutica. Dentro do cenário da anestesiologia estes medicamentos podem interferir na hipnose, analgesia, relaxamento muscular, além de influenciar na estabilidade cardiovascular e respiratória. Desta forma justifica-se o estudo para que a avaliação pré-anestésica seja completa e sistematizada, com orientações aos pacientes de acordo com as recomendações atuais sobre suspensão da utilização e reintrodução do uso dessas substâncias, devendo ser realizada de forma clara e objetiva visando evitar desfechos negativos no perioperatório. Objetivo: Realizar um scoping review para instrumentalizar o anestesiologista nesta temática. Método: Para este estudo foi seguido o protocolo Joanna Briggs Institute (JBI), as bases de dados utilizadas foram: Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Medical Literature Analysis and Retrieval System onLine (Medline)/ National Library of Medicine (Pubmed), Literatura Latino-Americana de Ciências da Saúde (LiLACS), Scientific Eletronic Library Online (SciELO) via BVS, Web of Science, Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), EMBASE e Google acadêmico. A busca na literatura cinzenta de materiais não indexados foi conduzida por meio do Google Acadêmico, associados com a definição dos critérios de inclusão e exclusão dos documentos Resultados e discussão: Foram incluídos 8 artigos que responderam o objetivo proposto para o estudo, devido às evidências de interações medicamentosas recomenda-se a suspensão dos medicamentos por uma ou duas semanas antes do procedimento e indicar o retorno do uso do medicamento fitoterápico após uma ou duas semanas após a realização do procedimento cirúrgico. Considerações finais: De modo geral, o consumo de substâncias fitoterápicas deve ser investigado pelo anestesiologista na consulta pré-anestésica e orientar a suspensão segura para o período perioperatório.
Palavras-chave: Anestesiologia; Anestesia; Fitoterapia; Segurança do paciente.
ABSTRACT
Introduction: Phytotherapeutics are medicines derived from medicinal plants that come in various forms and are marketed for therapeutic purposes. In the anesthesiology setting, these medicines can interfere with hypnosis, analgesia, muscle relaxation, and influence cardiovascular and respiratory stability. Thus, the study is justified so that the pre-anesthetic evaluation is complete and systematized, with guidance to patients according to current recommendations on discontinuation of use and reintroduction of the use of these substances and should be carried out in a clear and objective manner to avoid negative outcomes in the perioperative period. Objective: to conduct a scoping review to provide anesthesiologists with tools on this topic. Method: The Joanna Briggs Institute (JBI) protocol was followed for this study. The following databases were used: Virtual Health Library (VHL), Medical Literature Analysis and Retrieval System onLine (Medline)/National Library of Medicine (Pubmed), Latin American Health Sciences Literature (LiLACS), Scientific Electronic Library Online (SciELO) via VHL, Web of Science, Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), EMBASE, and Google Scholar. The search for non-indexed materials in the gray literature was conducted using Google Scholar, associated with the definition of the inclusion and exclusion criteria for the documents. Results and discussion: Eight articles that met the proposed objective of the study were included. Due to evidence of drug interactions, it is recommended to suspend medications for one or two weeks before the procedure and to recommend that the use of the herbal medicine be resumed one or two weeks after the surgical procedure. Final considerations: in general, the consumption of herbal substances should be investigated by the anesthesiologist during the pre-anesthetic consultation and should provide guidance on safe suspension during the perioperative period.
Keywords: Anesthesiology; Anesthesia; Phytotherapy; Patient safety.
INTRODUÇÃO
A palavra Fitoterapia tem origem grega e é resultante da junção de phitos que significa planta, e therapia, tratamento. Sendo assim, fitoterápicos são medicamentos derivados de plantas medicinais, que em diferentes formas de apresentação, são comercializados com fins terapêuticos¹.
O uso de medicamentos fitoterápicos ocorre na humanidade há muitos séculos, principalmente nos países em desenvolvimento, devido à grande proporção da população que depende de praticantes tradicionais e da disponibilidade do acesso às plantas medicinais para atender às necessidades de cuidados de saúde2.
Nos Estados Unidos, os medicamentos fitoterápicos e suplementos dietéticos continuam a aumentar com as vendas diretas no varejo aumentando para mais de US$13 bilhões em 2021, um aumento de 10% em relação ao ano de 20203.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tem o papel de regulamentar todos os medicamentos, inclusive os fitoterápicos, através do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS), responsável por fiscalizar as farmácias e indústrias produtoras desses medicamentos1.
A utilização dos fitoterápicos deve ser orientada por profissionais que possuam qualificação para prescrevê-los, conforme resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM). Contudo, a maioria dos produtos derivados de plantas podem ser adquiridos sem prescrição médica em farmácias, os quais são incorporados em práticas de autocuidado e autoadministração não supervisionada4,5.
Neste cenário, o médico anestesiologista é o profissional responsável pelo alívio da dor, assistência ao paciente durante todo o processo perioperatório. É o profissional que realiza avaliações específicas incluindo exame físico, exames laboratoriais e de imagem, tratamentos vigentes, medicações utilizadas de maneira contínua visando à segurança do paciente durante o procedimento cirúrgico6.
Tendo em vista o processo cirúrgico e anestésico, é evidenciado que, o consumo de plantas medicinais, principalmente o uso crônico, intervém na hipnose, analgesia, relaxamento muscular, além de influenciar na estabilidade cardiovascular e respiratória5,7.
Interações medicamentosas entre fitoterápicos e outras drogas podem resultar em aumento de sangramento, depressão excessiva do sistema nervoso central, hipoglicemia, hipotensão, aumento da chance de infecção relacionada a procedimento invasivo, dentre outros4-7,8.
Em decorrência dos fitoterápicos poderem ser simples ou compostos e da ampla quantidade de substâncias, diversos desses medicamentos possuem estudos limitados em relação ao uso seguro mediante a um procedimento cirúrgico. Dessa maneira, alguns estudos buscam caracterizar grupos de plantas medicinais mais consumidas e definir uma margem temporal média de segurança para o consumo, evitando primordialmente, alterações na coagulação sanguínea9,10.
Devido à importância da atenção na avaliação pré-anestésica de maneira completa e sistematizada, com orientações aos pacientes de acordo com as recomendações atuais sobre suspensão da utilização e reintrodução do uso dessas substâncias, deve ser realizada de forma clara e objetiva visando evitar desfechos negativos no perioperatório.
MÉTODOS
Scoping review é importante na sistematização do conhecimento, por sua metodologia permite mapear evidências de temáticas amplas, com desenhos de estudos diversificados, de forma confiável e de qualidade.
A metodologia de scoping review, utilizada para este protocolo, será do Joanna Briggs Institute (JBI), Reviewers Manual 202411, que estabelece cinco etapas:
1) identificação da questão de pesquisa;
2) identificação dos estudos relevantes;
3) seleção dos estudos;
4) análise dos dados; e,
5) agrupamento, síntese e apresentação dos dados.
Joanna Briggs Institute (JBI) é uma organização internacional, com sede na Austrália, cujo objetivo é desenvolver e fornecer informações, software, educação e treinamento sobre saúde baseada em evidência. Para isso, desenvolveu metodologias para a condução de revisão sistemática e vários outros tipos de revisões.
Para o protocolo de revisão de escopo foram seguidas as seguintes etapas.
Etapa 1: Identificação da questão da pesquisa
Para a formulação do elemento população, conceito e contexto foi seguido as seguintes definições como intervenções/fenômenos de interesse e/ou resultados (Quadro 1).
Quadro 1. Elemento PCC e suas respectivas definições.
Elemento PCC |
Definição |
P (População) |
Características importantes, incluindo idade e outros elementos da população. |
C (Conceito) |
O conceito central pela revisão do escopo deve ser claramente articulado para orientar o escopo e a amplitude da investigação, podendo incluir detalhes que seriam pertinentes a uma revisão sistemática como intervenções e/ou fenômenos de interesse e/ou resultados. |
C (Contexto) |
Pode incluir fatores culturais, localização geográfica, raça, gêneros específicos, em alguns casos pode-se incluir aspectos sobre o ambiente em específico. |
Fonte: Adaptado do JBI, 2024.
A pergunta utilizada neste estudo é: Quais são as recomendações atuais para o manejo anestésico de pacientes que utilizam fitoterápicos?
P (População): pacientes que utilizam medicamentos fitoterápicos;
C (Conceito): recomendações atuais para o manejo anestésico;
C (Contexto): efetividade e assistência anestésica.
Os descritores do vocabulário controlado foram selecionados a partir do Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e Medical Subject Headings Section (MeSH). A seleção do vocabulário controlado encontra-se detalhada no Quadro 2.
Quadro 2. Seleção do vocábulo controlado.
DeCS |
Fitoterapia Anestesiologia
Fitoterapia Anestesiologia |
MESH |
Phytotherapy Anesthesiology |
CINAHL |
Anestesia Plantas |
Etapa 2: identificação dos estudos relevantes
A segunda etapa compreende a escolha das bases de dados, elaboração das estratégias de busca com descritores e operadores booleanos (AND e OR), que permitem realizar combinações dos descritores que serão utilizados na busca, sendo AND uma combinação restritiva e OR uma combinação aditiva, associados com a definição dos critérios de inclusão e exclusão dos documentos encontrados.
As bases de dados utilizadas para este estudo foram: Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Medical Literature Analysis and Retrieval System onLine (Medline)/ National Library of Medicine (Pubmed), Literatura Latino-Americana de Ciências da Saúde (LiLACS), Scientific Eletronic Library Online (SciELO) via BVS, Web of Science, Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), EMBASE e Google acadêmico. A busca na literatura cinzenta de materiais não indexados foi conduzida por meio do Google Acadêmico, associados com a definição dos critérios de inclusão e exclusão dos documentos (Quadro 3).
Quadro 3. Estratégias de busca.
BVS/Bireme |
(fitoterapia) AND (fatores de risco) AND (anestesiologia) |
Medline via Pubmed |
((phytotherapy [MeSH Terms]) AND (anesthesiology [MeSH Terms])) |
Web of Science |
Anesthesiology (Web of Science Categories) and Phytotherapy (All Fields) |
EMBASE |
('phytotherapy'/exp OR phytotherapy) AND ('anesthesiology'/exp OR anesthesiology) |
CINAHL |
(phytotherapy) AND (anesthesia) |
Scielo |
(fitoterapia) AND (anestesia) |
Google acadêmico |
fitoterapia and anestesia and anestesiologia |
A consulta foi realizada de forma independente, por três membros deste estudo e por um bibliotecário e os resultados foram discutidos por todos os autores do estudo.
Foram incluídos na revisão de escopo: pesquisas originais, relatos de experiências, ensaios teóricos (ou reflexões teóricas), revisões narrativas e integrativas, dissertações e teses, trabalhos de conclusão de curso de especialização, manuais do Ministério da Saúde publicados na íntegra em inglês, espanhol e português que atendam o objetivo do estudo e respondam à pergunta formulada a partir do ano de 2014 até 2024.
Os critérios de exclusão definidos para essa revisão são: editoriais, resenhas, cartas, estudos de caso, trabalhos de conclusão de curso de graduação, estudos em outro idioma não estabelecido para este estudo e artigos que não estejam disponíveis gratuitamente de maneira online e na íntegra.
Etapa 3: Seleção e avaliação inicial dos estudos
Foi realizada avaliação do título e do resumo de todos os estudos identificados, baseado nos critérios de inclusão e exclusão previamente estabelecidos. A avaliação da pertinência do estudo quanto à pergunta de revisão, foi devidamente selecionada para leitura na íntegra para posterior extração dos dados.
Para a viabilidade da seleção e análise dos estudos disponíveis nas bases de dados foi utilizado o Rayyan Intelligent Systematic Review (RAYYAN SYSTEMS INC, 2021), que é um software para triagem e seleção em estudos e revisão.
A seguir foi elaborado um fluxograma sobre o processo da busca dos estudos, contendo os resultados quantitativos de cada base de dados com a inclusão e exclusão dos documentos indicando o total que foi analisado e sintetizado.
Etapa 4: Análise dos dados
Os dados foram analisados conforme as variáveis apresentadas no Quadro 4.
Quadro 4. Formulário para sistematização dos dados da revisão de escopo.
Variável |
Descrição |
Autor |
Nome dos autores dos documentos selecionados |
Ano de publicação |
Ano da publicação do trabalho |
País |
País de origem do estudo |
Desenho do estudo |
Ensaio clínico, coorte, transversal, caso-controle |
Participantes |
Idosos e/ou adultos que participaram do estudo |
Total de participantes e Idade média |
Total de participantes do estudo e idade média dos pacientes incluídos no estudo |
Resultados |
Resultados obtidos nos estudos selecionados que ajudam a responder a pergunta norteadora proposta na revisão de escopo. |
Desfechos |
Conclusões obtidas com o estudo e recomendações que respondam a pergunta norteadora do estudo. |
Etapa 5: Agrupamento, síntese e apresentação dos dados
Após a compilação das informações na etapa 4, foi realizada uma análise sintética das evidências, com a apresentação dos resultados por meio da estatística descritiva. A etapa 5 foi desenvolvida com base nas recomendações do guia internacional Preferred Reporting Items for Systematic and Meta-Analyses - Extension for Scoping Reviews (PRISMA-SrC), sendo revisado pela equipe de pesquisa e por três avaliadores externos, especialistas em estudos de revisão da literatura e/ou nos instrumentos.
RESULTADOS
Inicialmente, ao utilizar as estratégias de buscas em cada base de dados eletrônicas foram detectados 451 documentos, sendo: PubMed (n=10), Web of Science (n=11), CINAHL (n=02), SciELO (n=01), Google acadêmico (n=324), EMBASE (n=102), BVS/Bireme (n=1). Na sequência foi realizada a avaliação de publicações repetidas nas bases de dados exclusão (n=300), a leitura e a avaliação de todos os títulos e resumos (n=100), conforme os critérios de inclusão e exclusão previamente designados, sendo selecionados 30 artigos para elegibilidade, após a leitura na íntegra para avaliar se respondiam à pergunta da pesquisa e aos critérios estabelecidos, foram avaliados 22 artigos.
Dos 22 artigos avaliados, 14 artigos foram retirados por não responderem à pergunta do estudo, para compor a revisão de escopo foram incluídos 08 artigos. O Quadro 5 caracteriza os estudos selecionados.
Quadro 5. Característica dos estudos incluídos na revisão de escopo, São Paulo, Brasil, 2024.
Autor, país, ano da publicação |
Desenho do estudo |
Participantes |
Total de participantes |
Resultados |
Desfechos |
Lazo e cols, Estados Unidos, 2024.4 |
Revisão de literatura |
Documentos que retratam eventos adversos relacionadas à utilização de 33 plantas
|
Não é mencionado o total de documentos analisados. |
Há plantas que interferem no sistema cardiovascular, outras podem estimular ou deprimir o sistema nervoso central, sistema endócrino, gastrointestinal e função pulmonar. |
Suspensão de medicamentos fitoterápicos de 1 a 3 semanas antes do procedimento cirúrgico e reintroduzir após 1 a 2 semanas após o procedimento. |
Leite e cols, Brasil, 202212 |
Experimental |
Peixes |
11 tratamentos envolvendo plantas Acrimella olerácea e Piper alatabaccum |
O extrato de folhas de P. alatabaccum, inicialmente,também parecia anestesiar animais de peixe-zebra, mas houve letalidade de todos na recuperação anestésica. A. oleracea e possui potencial uso como anestésico para peixes. |
Importância de se conhecer plantas que o paciente possa estar utilizando e que comprometa o ato anestésico durante um procedimento cirúrgico. |
Woroy, Siwek, Polônia, 201813 |
Coorte prospectivo |
Adultos |
147 pacientes (94 mulheres e 53 homens), média de idade homens: 53 anos, mulheres: 52 anos. |
Observados interações de fitoterápicos como ginseng, rhodiola rosea, ginkgo biloba ou extrato de cardo leiteiro com medicamentos antidepressivos gerando complicações e eventos adversos importantes. |
Importância de se conhecer os medicamentos fitoterápicos utilizados pelos pacientes durante a avaliação pré-anestésica e orientação sobre o manejo para procedimentos cirúrgicos. |
Levy e cols, Israel, 201614 |
Coorte transversal |
Adultos |
230 pacientes, idade média 57,6 anos. |
É comum o uso de medicamentos dietéticos e fitoterápicos na população em geral, importante atentar com as interações anestésicas e trombolíticas para minimizar complicações. |
Importância do anestesiologista saber sobre os principais medicamentos fitoterápicos que podem gerar eventos adversos como aumento do risco de sangramento, hipoglicemia, distúrbios eletrolíticos, hepatotoxicidade e anemia |
Arruda e cols, Brasil, 201915 |
Revisão de literatura |
11 estudos com adultos acima de 18 anos |
693 pacientes |
Rosa damascena e Zingiber officinale são mais eficazes que o placebo na redução da necessidade de medicação de resgate para a dor em cirurgias laparoscópicas e obstétricas/ginecológicas |
Não ficar somente na dependência do uso de medicamentos fitoterápicos no pré-operatório como prevenção de dor, náuseas e vômitos no pós-operatório. |
Soós e cols, Hungria, 201516 |
Prospectivo e transversal |
390 pacientes |
idade variada de 40 a 79 anos |
Aplicação de questionário onde 28 pacientes afirmaram ter utilizado fitoterápicos 2 semanas antes do procedimento cirúrgico, maior prevalência entre as mulheres e prevalência de utilização de fitoterapia no pré-operatório foi de 3,6%. |
Importância do anestesiologista avaliar no pré-operatório utilização da fitoterapia para evitar complicações anestésicas e manter a segurança do paciente. |
Kasprzyk, Fahmi, Weng, Estados Unidos, 202317 |
Experimental |
04 participantes (02 homens e 02 mulheres) |
Adultos (idade entre 25 a 73 anos) |
Os resultados experimentais realizados pela FDA indicam que o salidrosídeo de alta pureza pode ser aplicado com segurança como ingrediente em suplementos dietéticos, mas que deve ser mencionado em consultas médicas para avaliação de interações medicamentosas. |
Reforço para que o anestesiologista precise atentar ao nome comercial do medicamento fitoterápico bem como sua composição para avaliação de possíveis interações. |
Gonçalves e cols, Brasil, 202218 |
Prospectivo e observacional |
31 famílias |
Adultos acima de 18 anos (idade média 51 anos) |
80,65% das famílias utilizavam plantas in natura para tratamentos terapêuticos, porém 58,33% apresentaram riscos de interações, riscos ou toxicidades e 35,83% apresentaram potenciais interações com outros medicamentos o que gera eventos adversos envolvendo a segurança medicamentosa. |
Importância da elaboração de um protocolo sobre uso de plantas medicinais e avaliação da suspensão durante o período perioperatório. |
De acordo com a avaliação crítica metodológica através do instrumento JBI, revelou que os estudos experimentais apesar de atenderem a maioria dos critérios indicados para a avaliação de qualidade, não atendiam itens importantes relacionados à alocação e ao cegamento dos participantes, do pesquisador e dos responsáveis, por fornecer o tratamento e dos avaliadores de resultados. Constatou-se que estudos quase-experimentais atenderam a maioria dos quesitos da avaliação da qualidade apontados pelo instrumento, sendo considerados de boa qualidade. Os principais pontos não atendidos foram relativos à presença de grupo controle e/ou à realização de múltiplas medições.
Dos 08 artigos, em relação ao ano de publicação temos em 2015 (n=01), 2016 (n=01), 2018 (n=01), 2019 (n=01), 2022 (n=02), 2023 (n=01) e 2024 (n=01). Quando avaliamos o país de origem do estudo temos Brasil (n=03), Estados Unidos (n=02), Hungria (n=01), Israel (n=01) e Polônia (n=01), se analisarmos por continente temos o continente americano com maior número de publicações (n=05) correspondendo a 62,5%, seguido do Europeu (n=03) corresponde a 37,5% dos artigos incluídos neste estudo.
Quanto ao desenho dos estudos, temos prospectivos (n=02), experimentais (n=02), revisão (n=02), coorte (n=02). Dentre os prospectivos tivemos um transversal e um observacional, não houve estudos multicêntricos.
Em relação aos participantes dos estudos (n=05) foram adultos e idosos, quando avaliamos a totalidade amostral, tivemos 1.464 participantes, com idade média variando entre 18 e 79 anos, com idade média entre 53 e 57,6 anos.
No tocante a pergunta formulada para este estudo, observamos que (n=04) 50% dos estudos relatam importância do conhecimento do anestesiologista sobre fitoterapia utilizada pelo paciente para avaliação de possíveis interações medicamentosas durante o período perioperatório, (n=02) 25% relataram sobre uma avaliação minuciosa na avaliação pré-anestésica sobre o questionamento ao paciente sobre utilização da fitoterapia e sobre manejo propriamente dito (n=02) 25% relataram que é importante o conhecimento sobre fitoterapia para avaliação de interação medicamentosa na indução anestésica e também um deles sugere elaboração de protocolo para orientação da equipe numa avaliação pré-anestésica.
Em relação aos desfechos dos estudos, notou-se a existência de interações medicamentosas possíveis no ato anestésico que podem comprometer a segurança do paciente não somente durante à indução anestésica, mas também o procedimento cirúrgico como um todo, tais como alterações cardiológicas, de sistema nervoso central e de vascularização podendo comprometer a recuperação pós anestésica4,12,13,14,16,18.
DISCUSSÃO
Sabe-se que o uso de produtos naturais como terapêutica é antigo, seu uso foi consolidado através de saberes e práticas populares devido ao uso tradicional no decorrer dos anos, sendo considerados equivocadamente como medicamentos seguros pela população e gerou um crescimento em sua utilização. O uso inadequado de um fitoterápico pode levar a graves distúrbios, além de interação com outros medicamentos podendo comprometer a vida da pessoa 19,20.
Desta forma, reitera-se à importância do conhecimento sobre utilização de fitoterapia em uma avaliação pré-anestésica, é preciso que haja uma empatia e sinceridade por parte do paciente no fornecimento das informações, visando não somente à segurança do ato anestésico, mas também as possíveis interações medicamentosas que poderão ocorrer durante este procedimento4,12,13,16,17.
Considerando que as interações medicamentosas são uma das causas mais comuns de reações adversas a medicamentos (RAMs) e que o risco dessas interações medicamentosas aumenta proporcionalmente com a idade e o número de medicamentos utilizados, isso resulta no desenvolvimento de eventos adversos14,17,18.
Devido às evidências de interações medicamentosas recomenda-se a suspensão dos medicamentos por uma ou duas semanas antes do procedimento e indicar o retorno do uso do medicamento fitoterápico após uma ou duas semanas após a realização do procedimento cirúrgico4.
Visando à segurança do paciente no processo perioperatório, o anestesiologista precisa entender a complexidade de uma avaliação adequada, planejada e desenvolver habilidades de convencimento do paciente sobre as consequências de uma omissão de medicamentos durante a avaliação pré-anestésica,20,21.
Existem tendências que no manejo anestésico na prevenção da dor possa ser utilizado medicamentos fitoterápicos no pré-operatório para minimizar dor pós-operatória, porém esta prática deve ser melhor estudada para viabilidade clínica15.
Uma sugestão para orientar tanto pacientes como os médicos cirurgiões e anestesiologistas é a elaboração de um protocolo sobre o uso de plantas medicinais no período perioperatório como forma de orientação para cirurgias eletivas independente do porte ou classificação com o objetivo de evitar ou minimizar complicações pós anestésicas4,14,16,18,22.
Essa preocupação tem alertado os profissionais de saúde devido à alteração do metabolismo e à eliminação dos medicamentos que podem sofrer alterações no período perioperatório. A absorção gastrointestinal de medicamentos orais pode ser acometida devido à alteração do fluxo sanguíneo20,21,23.
No tocante à elaboração de protocolos, o profissional da saúde possui responsabilidade na educação e orientação do paciente quanto às possíveis interações medicamentosas e desta forma a utilização de cartilhas é bem recomendado como prática educacional e acaba servindo de um guia de consulta rápida na orientação para os profissionais18,22,23.
No cenário atual, observamos o interesse governamental e dos profissionais de saúde sobre o avanço tecnológico e desenvolvimento de práticas sustentáveis visando uma assistência de saúde eficaz, segura, abrangente e humanizada3,22,23.
Cerca de 50% dos pacientes submetidos à cirurgia tomam medicamentos regularmente, os médicos frequentemente devem decidir se os medicamentos crônicos devem ser continuados no período perioperatório, e isso deve ter os mesmos precedentes para os medicamentos fitoterápicos5,7,23.
Considerando que a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que a medicina tradicional incluindo os fitoterápicos possui uma representatividade de 80% dos cuidados de saúde na saúde primária de países asiáticos e africanos. Esta afirmação nos remete que a população está buscando tratamentos inovadores, naturais e que possam contribuir de maneira objetiva no tratamento de doenças consideradas crônicas. Diante deste cenário, faz-se necessário à realização da educação do paciente promovendo uma conscientização sobre o uso correto e seguro destas medicações para evitar problemas no período perioperatório1,3,4,19,22,23,25.
Limitações do estudo
Este estudo fornece informações valiosas sobre o uso de fitoterápicos no contexto da prática anestésica, porém apresenta algumas limitações significativas que devem ser consideradas ao interpretar seus resultados.
Considerando uma ampla gama de plantas, cada uma com diferentes mecanismos de ação e perfis de segurança. Essa variedade torna difícil estabelecer recomendações específicas e pode diluir a clareza dos achados gerais, o tamanho amostral limita a generalização dos resultados e podem não refletir a variabilidade da população geral.
Os estudos foram conduzidos em diferentes países com variações culturais e de práticas de uso de fitoterápicos. Essas diferenças podem influenciar os resultados e a aplicabilidade das conclusões em contextos diferentes.
Contribuições para a ciência
Este estudo oferece contribuições significativas para a ciência e prática clínica, destacando a importância de conhecer as interações entre fitoterápicos e medicamentos anestésicos. Ao fornecer recomendações práticas, como a suspensão de fitoterápicos antes de procedimentos cirúrgicos, o estudo auxilia anestesiologistas e outros profissionais de saúde na preparação de pacientes, visando minimizar riscos e garantir uma prática anestésica mais segura. Além disso, enfatiza a necessidade de protocolos de avaliação pré-operatória que investiguem o uso de fitoterápicos, o que pode reduzir eventos adversos e melhorar os desfechos cirúrgicos.
O estudo também serve como base para futuras pesquisas, identificando lacunas no conhecimento e sugerindo a necessidade de estudos com amostras maiores e métodos mais homogêneos. Isso pode guiar investigações futuras e aprimorar a compreensão do uso de fitoterápicos na anestesiologia. Além disso, reforça a importância da educação contínua dos profissionais de saúde sobre o uso e possíveis interações dos fitoterápicos, promovendo uma melhor gestão desses medicamentos e maior segurança para os pacientes.
CONCLUSÃO
Mediante a sistematização realizada, conclui-se que, com o aumento do uso de fitoterápicos e a busca por produtos de origem natural mais evidente na mídia, há atribuição também, de maiores estudos que evidenciem de forma específicas os cuidados necessários no uso desses medicamentos mediante programação cirúrgica. De modo geral, o consumo de substâncias fitoterápicas deve ser investigado pelo anestesiologista na consulta pré-anestésica e orientar a suspensão segura para o período perioperatório. A cooperação por parte dos pacientes também é imprescindível tanto na comunicação de automedicação quanto na suspensão durante o período adequado pré-operatório. Por conseguinte, podem ser evitadas interações medicamentosas e efeitos adversos indesejados bem como ameaçadores à vida.
REFERÊNCIAS
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Recebido: 21 de novembro de 2024. Aceito: 19 de dezembro de 2024
Correspondência: Patrícia Mitsue Saruhashi Shimabukuro. E-mail: ccihitaim@gmail.com
Conflito de Interesses: os autores declararam não haver conflito de interesses
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