Rev. Adm. Saúde (On-line), São Paulo, v. 24, n. 96: e396, jul. – set. 2024, Epub 27 set. 2024

http://dx.doi.org/10.23973/ras.96.396

 

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Retorno do investimento na montagem de salas ambulatoriais no Sistema Único de Saúde

Study of the payback time in setting up outpatient rooms in The Unified Health System

 

Claudia Garcia Azevedo Soares1, Luiz Antonio Vane2, Paulo Nascimento Junior3, José Mariano Soares Moraes4, Lucas Fachini Vane5, Leandro Gobbo Braz6, Matheus Fachini Vane7

 

 

1. Pós-graduanda do Curso de Pós-graduação em Anestesiologia da Faculdade de Medicina de Botucatu da UNESP. Diretora administrativa e financeira da Faculdade de Ciências Médicas de São José dos Campos – Humanitas. Botucatu SP

2. Professor titular aposentado do Departamento de Anestesiologia da Faculdade de Medicina de Botucatu da UNESP. Botucatu SP

3. Professor titular aposentado do Departamento de Anestesiologia da Faculdade de Medicina de Botucatu da UNESP. Botucatu SP

4. Professor doutor da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora MG

5. Professor doutor de bioestatística da Faculdade de Ciências Médicas de São José dos Campos SP

6. Professor titular do Departamento de Anestesiologia da Faculdade de Medicina de Botucatu da UNESP. Botucatu SP

7. Doutor pela Universidade de São Paulo e médico assistente da disciplina de anestesiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, São Paulo SP

 

 

 

 

 

RESUMO

Introdução: O Sistema Único de Saúde (SUS) é o sistema de saúde com financiamento governamental. No entanto, a medicina passa por revoluções tecnológicas e os valores repassados pelo SUS podem inviabilizar este modelo de negócios. Objetivo: Estudou-se o tempo de retorno do investimento (ROI) para composição de uma sala cirúrgica ambulatorial e de recuperação pós-anestésica (RPA), tomando como referência a tabela de remuneração utilizada SUS. Métodos: Pesquisa exploratória que considerou um complexo cirúrgico ambulatorial composto por uma sala cirúrgica (tipos II e III) e uma RPA, em regime tipo hospital-dia (4 procedimentos/dia, 25 dias úteis por mês) para realização dos procedimentos cirúrgicos ambulatoriais das especialidades mais frequentemente realizadas pelo SUS. Resultados: Estimou-se o valor de R$ 1.054.715,07 para a montagem do complexo. Considerando o valor total da tabela SUS, encontrou-se faturamento mensal de R$ 33.940,26, o que resulta no ROI de 3 anos. Quando descontado o valor do serviço profissional, este valor foi de R$ 20.066,63, o que resulta o ROI em 4 anos. Quando excluídos os valores dos serviços profissionais e dos itens de consumo, o faturamento bruto diminuiu para R$ 4.294,30, estimando um ROI de 20 anos. No entanto, se considerado a taxa de inflação do período (410 %), o ROI foi estimado em 104 anos. Se considerada a variação cambial (241% em 20 anos), o ROI estimado foi de 70 anos. Conclusão: O modelo atual de financiamento do SUS não viabiliza um modelo de negócios autossustentável em especial quando consideramos a variação do valor da moeda americana e a inflação acumulada no período estudado.

Palavras-chave: Cirurgia ambulatorial; Hospital-dia; Sistema Único de Saúde

 

ABSTRACT

Introduction: The Unified Health System (SUS) has full, universal, and free access with government funding. However, medicine goes through technological revolutions and the values ​​passed on by the SUS can make this business model unfeasible. Objective: To calculate the time of return on investment (ROI) for the composition of an outpatient operating room and post-anesthetic recovery (PAR), taking as a reference the remuneration table used by SUS. Methods: An exploratory research was carried out, which considered an outpatient surgical complex composed of a surgical room (types II and III) and an RPA, in a day-hospital operating regime (4 procedures/day, 25 working days per month) to perform of outpatient surgical procedures of the specialties most frequently performed by the SUS. Results: The value of R$ 1,054,715.07 was estimated for the assembly of the complex. Considering the total value of the SUS table, a monthly billing of R$ 33,940.26 was found, which results in a 3-year ROI. When discounting the value of the professional service, this value was R$ 20,066.63, which results in the ROI in 4 years. When professional services and consumer items are excluded, gross revenue dropped to R$ 4,294.30, estimating an ROI of 20 years. However, considering the inflation rate for the period (410%), the ROI was estimated at 104 years. If the exchange rate variation is considered (241% in 20 years), the estimated ROI was 70 years. Conclusion: The current Unified Health System (SUS) financing model does not enable a self-sustainable business model, especially when we consider the variation in the value of the American currency and the accumulated inflation in the period studied.

Keywords: Outpatient surgery; Day hospital; Brazilian Unified Nacional Health System

 

 

 

INTRODUÇÃO

No Brasil contamos com o Sistema Único de Saúde (SUS) que é um dos maiores sistemas de saúde pública do mundo, abrangendo desde atendimentos simples até os mais complexos de alto custo, com o objetivo de garantir acesso integral, universal e gratuito a toda população brasileira aos diversos tratamentos, e que mostra ser constantemente defasado a atender uma população de mais de 210 milhões de habitantes e representa um esforço gigantesco de financiamento e gestão para a União, os estados e municípios 1.

Sabemos que a questão do financiamento do SUS e histórica. Ao longo dos anos, o sistema de faturamento e informações vem sendo aprimorados para serem efetivamente um sistema que gere informações referentes aos atendimentos e que possam subsidiar os gestores no monitoramento dos processos de planejamento, programação, regulação, avaliação e controle dos serviços de saúde.

A constante evolução da medicina, tanto em equipamentos como em fármacos, possibilitou que muitos procedimentos anestésicos-cirúrgicos pudessem ser realizados sob regime ambulatorial com internação e alta no mesmo dia, o que diminuiu muito o custo e as complicações. Dentre os procedimentos cirúrgicos realizados no Brasil, pelo menos 58,5% são feitos sob regime ambulatorial. No entanto, apesar de menores taxas de morbimortalidade, a tecnologia necessária tem um alto impacto financeiro e o equilíbrio dessa equação deve ser vantajoso para o paciente e viável para a instituição 2,3,4.

Atualmente, algumas das exigências para o funcionamento de uma unidade ambulatorial cirúrgica são regidas pelas resoluções CFM Nº 1.886/2008 5 e 2.174/2017 6, as quais transcorrem sobre as “Normas Mínimas para o Funcionamento de consultórios médicos e dos complexos cirúrgicos para procedimentos com internação de curta permanência” e da “prática do ato anestésico”, respectivamente. Estas exigências legais propiciam um aumento na qualidade da assistência e uma maior segurança dos pacientes, mas também acarretam na obrigatoriedade da realização de investimentos, os quais a instituição deve absorver e equacionar, para continuar funcionando de forma sustentável 5

Segundo Alemi et al7, os hospitais não conhecem os custos reais dos serviços prestados, o que complica sua gestão financeira, não fazendo uso de um sistema de custos que oriente e ofereça parâmetros para o cálculo do custo 8. Também, Raimundini 9 e Struett 10 enfocam que a ausência de um sistema de custos pode dificultar o cálculo do custo hospitalar e seu possível lucro.

Levando em consideração a lacuna de estudos realizados neste campo, bem como a importância da aplicação de princípios de gestão no setor de saúde, esse estudo analisou o processo de cirurgias eletivas de um centro cirúrgico de referência com base na desospitalização, tornando-se o hospital dia, com cirurgias ambulatoriais uma excelente ferramenta para barateamento dos custos hospitalares.

Este estudo tem, portanto, como objetivo analisar e calcular o tempo de retorno sobre o investimento (ROI) realizado na montagem de complexos anestésico-cirúrgicos, com internação de curta permanência (ambulatorial), com base na tabela de faturamento SUS.

 

MÉTODOS

O presente trabalho foi realizado por meio de uma pesquisa exploratória, realizada após definição dos parâmetros balizadores, com o uso de instrumentos oficiais de faturamentos de contas hospitalares.

 

Definição dos procedimentos

A definição dos procedimentos foi realizada por meio de uma pesquisa no site Datasus 11, considerando as autorizações de internação hospitalar (AIH) e o tipo de procedimento cirúrgico realizados nos anos de 2018 a 2019. Foram considerados como procedimentos cirúrgicos qualquer ato que disponha de equipe anestésica no intraoperatório e na sala de recuperação pós-operatória (SRPA).

Foram selecionados os 4 primeiros procedimentos por ordem de prevalência em 5 especialidades distintas de forma a finalizarmos uma relação total amostral de 20 procedimentos realizáveis em ambiente ambulatorial.

 

Quantitativo de procedimentos

Para o presente estudo, usamos a capacidade máxima instalada de uma sala cirúrgica ambulatorial, assim consideramos a realização dos procedimentos elencados de segunda a sábado, das 7hs às 19hs, totalizando 12 horas por dia, seis dias por semana.

O turnover no ambulatório, tempo decorrido desde a saída de um paciente até a entrada do próximo, consideramos os tempos de 30 e 60 minutos, classificado como turnover de média e elevada duração, respectivamente, segundo Macario 12 e Avila et al. 13.

O tempo médio de duração total de cada procedimento foi considerado de 120 minutos (procedimentos cirúrgicos Porte I e II – com tempo de duração de até 2 horas e de 2 a 4 horas, respectivamente) 13.

 

Valoração dos procedimentos

Como definição dos valores de cada procedimento, adotamos como referência a Tabela SUS Unificada - SigTap, por meio do site oficial Datasus 11.

Para a definição do faturamento mensal da unidade, foram considerados três cenários: o primeiro critério adotado para definição do faturamento mensal de cada procedimento realizado foi feito considerando ao valor Total Hospitalar apresentado na Tabela SUS Unificada; o segundo cenário foi considerando o valor da tabela SUS, excluindo o serviço profissional; e o último cenário, considerando o valor Tabela SUS, excluindo os serviços profissionais e itens de consumo.

A Tabela SUS, ao apresentar os códigos dos procedimentos, apresenta uma separação entre serviço hospitalar e serviço profissional, que somados resultam no Total Hospitalar. Sob esta ótica, ao entendermos que o valor do serviço profissional é destinado exclusivamente como pagamento do profissional que irá realizar o procedimento. Assim, consideramos que o valor do serviço profissional não iria compor o lucro da operação, visto que será repassado ao profissional.

Visto que a prática de faturamento das contas hospitalares segmenta as faturas em tópicos. Esses tópicos são as diárias, as taxas de serviços e utilização de equipamentos, os materiais e medicamentos, os gases medicinais, os honorários profissionais, os exames complementares e os hemoderivados.

Segundo um levantamento prévio de 31 contas hospitalares, foi estratificado um gasto médio % por cada item que compõe o custo hospitalar, designando os mesmos percentuais observados no estudo nos grupos de composição das contas hospitalares, observamos a proporcionalidade final da como apresentado Tabela 1.

 

Tabela 1. Composição percentual das contas hospitalares.

Grupo

%

1.

Diárias

15%

2.

Taxas de serviços e utilização de equipamentos

2%

3.

Materiais e medicamentos

63%

4.

Gases medicinais

4%

5.

Honorários profissionais

9%

6.

Exames complementares

3%

7.

Hemoderivados

4%

TOTAL

100%

 

Dos grupos apresentados na Tabela 1, consideramos que o item 5, Honorários Profissionais, também foi devidamente separado na tabela do faturamento SUS- Sigtap. Porém os itens 3, materiais e medicamentos, 4, gases medicinais, 6, exames complementares e 7, hemoderivados, que também são materiais de consumo e somados perfazem um total de 74% da conta hospitalar, precisam ser repassados aos custos institucionais.

Desta forma, aplicamos a mesma proporcionalidade nas contas faturadas via tabela SUS, respeitando a prática percentual de desconto dos itens de consumo. Assim, do valor do serviço hospitalar da fatura SUS descontamos 74%, no sentido de cobrir as despesas materiais e medicamentos, gases medicinais, exames e hemoderivados.

 

Composição da sala cirúrgica

Para o cálculo do valor do investimento a ser realizado hipotetizamos uma unidade cirúrgica ambulatorial tipo III, com 1 sala cirúrgica e 1 RPA. Importante salientar que as necessidades da unidade tipo III englobam a unidade tipo II.

Esclarecemos ainda que as unidades tipo I e IV foram excluídas do presente estudo devido a unidade tipo I ser destinada a procedimento somente com anestesia local e sem sedação e a unidade de tipo IV ser destinada a atendimento de procedimentos de maior complexidade, as quais necessitam ser obrigatoriamente realizados em ambiente hospitalar, deixando de serem objetos deste estudo. 

A definição da composição de equipamentos e utensílios hospitalares para complexos II e III foi baseada em legislação específica 5.

 

Valor de investimento

Para a definição de valores de aquisição dos equipamentos e utensílios necessários para calcular o valor total de investimento foi realizada uma tomada direta de preço (orçamentos) em diferentes fornecedores, além da comparação com uma lista de referência de uma reconhecida organização social de serviço de saúde. A pesquisa de preços foi realizada com equipamentos de marcas distintas, porém de mesma descrição técnica, garantindo que equipamentos similares sejam comparáveis. Foi realizada a tomada de preço em, pelo menos, dois fornecedores distintos.

O valor total do investimento foi definido como a somatória das médias dos valores obtidos dos orçamentos acima definidos, multiplicado pela quantidade necessária de cada item.

 

Cálculo do tempo de retorno do investimento (ROI)

Com base na Tabela Referência de Faturamento Pública – SUS, o valor do investimento calculado foi aplicado a fórmula de cálculo do retorno sobre o investimento (ROI):

 

ROI = valor do investimento da empresa / lucro do exercício

 

 

RESULTADOS

Definição dos procedimentos

Após aplicação do critério de seleção, o resultado da pesquisa apresentou uma relação dos procedimentos quantitativa realizados de forma comparativa nos últimos 2 anos disponíveis na literatura.

Selecionamos somente os procedimentos por ordem de prevalência nas seguintes especialidades: ginecologia/obstetrícia, cirurgia geral, otorrinolaringologia, urologia e ortopedia (primeiras cinco especialidades que apresentaram quatro procedimentos realizáveis em ambiente ambulatorial, respeitando a prevalência).

Os primeiros 20 procedimentos elegíveis realizados, por ordem de prevalência e respeitando as especialidades pré-definidas, foram elencados e considerados para análise do presente estudo, sendo resultado final apresentado na Tabela 2.

 

Tabela 2. Procedimentos selecionados.

Código

Procedimento

0411020013

Curetagem pós-abortamento / puerperal **

0407040102

Hernioplastia inguinal / crural (unilateral)***

0407040129

Hernioplastia umbilical

0409050083

Postectomia

0409060186

Laqueadura tubaria

0406020566

Tratamento cirúrgico de varizes (bilateral)

0404010032

Amigdalectomia c/ adenoidectomia

0406020574

Tratamento cirúrgico de varizes (unilateral)

0407020284

Hemorroidectomia

0408060379

Retirada de placa e/ou parafusos

0408050497

Tratamento cirúrgico de fratura bimaleolar / trimaleolar / da fratura-luxação do tornozelo

0409070050

Colpoperineoplastia anterior e posterior

0408050578

Tratamento cirúrgico de fratura do tornozelo unimaleolar

0408020431

Tratamento cirúrgico de fratura diafisária única do rádio / da ulna

0409010170

Instalação endoscópica de cateter duplo j

0407040099

Hernioplastia inguinal (bilateral)***

0408020423

Tratamento cirúrgico de fratura diafisária de ambos os ossos do antebraço (c/ síntese)

0410010111

Setorectomia / quadrantectomia

0409060070

Esvaziamento de útero pós-aborto por aspiração manual intra-uterina (amiu) **

0407020276

Fistulectomia / fistulotomia anal

0408060450

Tenomiorrafia

0409040215

Tratamento cirúrgico de hidrocele

**/*** - Procedimentos de grande similaridade, contabilizados de forma única

 

Quantitativo de procedimentos

Com os parâmetros definidos, entendemos ser possível a realização de quatro procedimentos por dia, 25 dias úteis no mês, o que resulta nos seguintes quantitativos de procedimentos mensais: considerando um turnover de 1 hora, a capacidade do serviço consegue realizar o total de 100 cirurgias por mês, e quando consideramos o mesmo rol de procedimentos com o turnover de 30 minutos, esta capacidade sobe para o total de 120 cirurgias por mês.

Valoração dos procedimentos

Considerando o valor total da Tabela SUS

O primeiro critério adotado para definição do faturamento mensal de cada procedimento realizado foi feito considerando ao valor Total Hospitalar apresentado na Tabela SUS Unificada.

Ao realizarmos a totalização do faturamento mensal dos procedimentos cirúrgicos ambulatoriais pré-definidos realizados, com valor Total Hospitalar apresentado na Tabela SUS, encontramos um valor mensal de faturamento igual à R$ 33.940,26 considerando turnover de 1 hora e faturamento igual à R$ 40.728,31 para turnover de 30 minutos.

 

Considerando o valor da Tabela SUS, excluindo o serviço profissional

Ao considerarmos somente Serviço Hospitalar para todos os procedimentos, e realizarmos a totalização do faturamento mensal dos procedimentos cirúrgicos ambulatoriais pré-definidos realizados, com valor Serviço Hospitalar apresentado na Tabela SUS, encontramos um valor total mensal de R$ 20.066,63 considerando turnover de 1 hora e faturamento igual à R$ 24.080,19 para turnover de 30 minutos.

 

Considerando o valor da Tabela SUS, excluindo os serviços profissionais e demais itens de consumo

Prosseguindo com a análise, ao considerarmos somente Serviço Hospitalar para todos os procedimentos descontando 74% do valor para os itens de consumo, sendo eles as diárias e taxas hospitalares, materiais e medicamentos, exames e hemocomponentes, e multiplicando os respectivos valores resultantes pelos quantitativos de cada procedimento, e realizarmos a totalização do faturamento mensal dos procedimentos cirúrgicos ambulatoriais pré-definidos realizados, com valor Serviço Hospitalar descontando os itens de consumo, encontramos um valor total mensal de R$ 4.294,30, considerando turnover de 1 hora e faturamento igual à R$ 5.153,16 para turnover de 30 minutos.

 

Valor de investimento

Após a realização de uma tomada direta de preço (orçamentos) em diferentes fornecedores, além da comparação com uma lista referência de uma reconhecida Organização Social de Serviço de Saúde, o valor total do investimento foi igual a R$ 1.054.715,07 para composição de uma sala cirúrgica ambulatorial e 1 SRPA.

 

Cálculo do tempo de ROI

Após aplicação da fórmula de cálculo do ROI, com os valores apresentados anteriormente, observamos os seguintes tempos de retornos sobre investimento, considerando os 3 tipos de faturamento e turnover de 1 hora (Tabela 3).

 

Tabela 3. Cálculo ROI para turnover de 1 hora.

 

Para um turnover de menor duração, ou seja, 30 minutos, os resultados, considerando os 3 tipos de faturamento são apresentados abaixo (Tabela 4).

 

Tabela 4. Cálculo ROI para turnover 30 minutos.

 

Cálculo do ROI, considerando a inflação do período

Quando utilizamos a ferramenta Calculadora do Cidadão, ferramenta oficial para cálculo de inflação (base IGPM) do Banco Central do Brasil 14, ao inserirmos o valor do investimento total R$ 1.054.715,07 em um prazo de 20 anos, retroativamente, o valor presente de investimento fica equivalente a R$ 5.383.910,04. O que aumentaria o ROI para 104 anos.

 

Cálculo do ROI, considerando a variação cambial

Se considerarmos a evolução do dólar também em um período de 20 anos retroativamente observamos uma valorização total na ordem de 241%. Se aplicarmos o mesmo % na valorização do investimento, o valor presente de investimento fica equivalente a R$ 3.596.578,38, o que aumentaria o ROI para 70 anos.

 

DISCUSSÃO

O principal achado deste estudo foi o tempo de retorno sobre investimento observado quando utilizado o total hospitalar na tabela SUS que foi aparentemente de três anos. Porém ao aprofundarmos as análises, considerando as despesas envolvidas nos procedimentos analisados, chegamos a um tempo de retorno sobre investimento de 20 anos, e ainda, ao consideramos a inflação de um período de 20 anos, ou a variação cambial do dólar americano, também, no intervalo de 20 anos, estes ROI chegam a 104 e 70 anos, respectivamente.

Historicamente, o financiamento da saúde pública no Brasil sempre foi precário. Apesar de seus avanços, a construção do SUS encontra vários entraves, entre os quais destacamos seu subfinanciamento, isto é, os recursos destinados à operacionalização e ao financiamento do SUS, ficam muito aquém de suas necessidades.

A questão do financiamento do Sistema Único de Saúde é histórica. A Constituição de 1988 em seu artigo 198 estabelecia que o SUS seria financiado com os recursos do Orçamento da Seguridade Social, além de outras fontes. Porém, em decorrência de diversos motivos, entre eles o crescimento dos gastos com aposentadorias e pensões, obrigou a previdência a utilizar parcelas crescentes do Orçamento da Seguridade Social, impondo ao Ministério da Saúde o endividamento para pagar as despesas de custeio 15.

Diante deste cenário, algumas medidas foram tomadas para financiar a saúde, e viabilizar a sustentabilidade financeira do SUS. Como em 1997, foi aprovada a CPMF (Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira) e a Emenda Constitucional 29 que foram criadas com o objetivo de superar os problemas de financiamento do Sistema Único de Saúde 15.

Além disso, a atualização do financiamento federal segundo a variação nominal do PIB não vem sequer acompanhado o crescimento populacional, a inflação na saúde e a incorporação de tecnologias. O financiamento público anual per capita do Brasil fica abaixo do investido no Uruguai, Argentina, Chile e Costa Rica e por volta de 15 vezes menor que a média do praticado no Canadá, países europeus, Austrália e outros 16.

Quando avaliamos os resultados do presente estudo, observamos que a forma de remuneração do SUS fica muito distante e diversa da forma aplicada no Sistema de Saúde Suplementar, o que dificulta inclusive bases comparativas.

Assim, este estudo é pioneiro ao realizar uma avaliação aprofundada do ROI de uma sala cirúrgica que funciona exclusivamente para o atendimento do SUS. Incialmente, ao avaliar o ROI na montagem de complexos anestésico-cirúrgicos ambulatoriais, no sentido de incorporação das novas tecnologias, observamos em uma primeira análise, um tempo de três anos. Este seria o melhor cenário possível, onde os gastos inexistiram, ou seja, todo o valor seria destinado para o investimento inicial, o que não reflete o cenário atual. Isso se mostra mais próxima a realidade quando tiramos o pagamento do profissional, que aumenta o ROI para 4 anos.

No entanto, sabe-se que materiais consumíveis e gases medicinais compõe um importante parcela da conta hospitalar e não poderiam ser desprezadas. Assim, no sentido de alinhar os cálculos a uma realidade, ou seja, colocarmos na mesma forma comparativa de faturamento, excluindo os itens de custeio do procedimento, identificando o que entendemos ser o lucro do procedimento, observamos um tempo de retorno de investimento realizado total de 20 anos.

Ao acrescentarmos tanto a inflação acumulada como a variação cambial no período, nota-se que o subfinanciamento torna-se ainda mais evidente, elevando o ROI para 104 e 70 anos, respectivamente. Assim, evidencia-se que o SUS, como um modelo de negócios, é inviável. Portanto, em um sistema sem a autossustentabilidade, o serviço de saúde está fadado a déficit tecnológico e com acúmulos de dívidas. Esta evidencia mostra o cenário atual do SUS.

Diante do tempo de ROI observado, deve-se destacar o período de depreciação dos equipamentos. A depreciação de um ativo inicia quando ele começa a operar e acaba quando este é baixado ou transferido. As taxas de depreciação são fixadas através da Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal IN 1700/17 – Anexo III 17 e variam conforme a natureza do bem e para que foi utilizado durante sua vida útil. Entre elas, podemos citar: edificações (4%), instalações (10%), móveis e utensílios (10%), máquinas e equipamentos (10%), ferramentas (15%), veículos (20%), caminhões (20 a 25%), equipamentos de informática (20%) e equipamentos de comunicação (20%).

O percentual de depreciação de um bem é estimado em decorrência do tempo de sua utilização, sendo o limite de desvalorização o seu próprio valor. Este controle deve ser individualizado e estipulado por item, porém quando consideramos o percentual definido para máquinas e equipamentos igual à 10%, entendemos que o prazo final da depreciação dos equipamentos adquiridos para a montagem da sala cirúrgica é de 10 anos, ou seja, os equipamentos adquiridos são depreciados em um prazo inferior ao tempo do ROI. Assim, antes mesmo do término do pagamento do investimento, este já pode estar precisando de reparos ou troca.

Importante ressaltar que o presente trabalho tem algumas limitações. Primeira: trata-se de um estudo observacional e que assim, parte de diversas premissas o torna limitado frente às grandes oscilações da vida real. Exemplificando tal afirmação, podemos citar que não contemplamos o impacto de catástrofes ambientais e pandemias, não consideramos que diversos serviços, mesmo que públicos, operam de forma híbrida, com faturamento SUS e convênios, de forma a equilibrar tais discrepâncias observadas, e assim viabilizar investimentos, reduzindo o ROI. Assim, como algumas leis de incentivo, criadas ao longo dos anos, no sentido de minimizar tais impactos, como criação do Hospital de Ensino, que incrementa um valor de faturamento significativo nas contas hospitalares. Segunda: não foi contemplada a hipótese de custo de mão de obra levando-se em conta o piso salarial, versus a prática de mercado salarial, bem como normativas regulamentadoras que definem quadro mínimo de técnicos no serviço observado. Terceira: não contemplamos os custos de construção do prédio, e de investimentos em itens de uso comum e de coletividade, e de áreas administrativas e de apoio, estes por entendermos que estariam presentes, independentemente da transformação do ambulatório em unidade de realização de procedimentos cirúrgicos ambulatoriais. Quarta:  não consideramos a amplificação da realização destes procedimentos em um largo grau de escala, considerando a montagem e operação de mais de uma sala de forma concomitante, no qual provavelmente observaríamos um ganho em grau de magnitude. Quinta limitação: não foram contempladas tributações intrínsecas ao funcionamento do sistema de saúde.

 

CONCLUSÃO

Após a análise de investimentos em um ambiente ambulatorial, verifica-se a necessidade de R$ 1.054.715,07 na montagem de 1 sala cirúrgica ambulatorial e 1 SRPA.

O modelo atual de financiamento do SUS, quando devidamente ajustado ao padrão do sistema de faturamento adotado pelo mercado de saúde suplementar resulta em um ROI de 20 anos para uma sala cirúrgica, tempo este que supera a expectativa de depreciação do item e pode estar subestimada se considerarmos variações complementares do mercado como a inflação e a variação do dólar no mesmo período, que pode elevar este tempo respectivamente para 104 ou 70 anos.

Precisamos reavaliar a forma de financiar o SUS, e estudar como torná-lo mais sustentável e apto a acolher as novas tecnologias e principalmente atender a necessidade de saúde do ser humano.

 

 

REFERÊNCIAS

1.    Cechin J, 20 anos de transformações e desafios em um setor de evolução contínua. Saúde suplementar. Midiograf, 2020.

2.    Bain J, et al. Day surgery in Scotland: patient satisfaction and outcomes. Qual. Health Care, 1999;8(2):86-91.

3.    Stocche RM, et al. Influence of intravenous clonidine in the cost of sevoflurane anesthesia for outpatient middle ear procedures. Rev. Bras. Anestesiol. 2004; 54(1):91-98.

4.    Omling E, et al. Population-based incidence rate of inpatient and outpatient surgical procedures in a high-income country. Br. J. Surg. 2018; 105(1):86-95.

5.    Brasil. Conselho Federal de Medicina. Resolução 1886/2008. Dispõe sobre as "Normas Mínimas para o Funcionamento de consultórios médicos e dos complexos cirúrgicos para procedimentos com internação de curta permanência". Diário Oficial da União 2008; seção 1: 271.

6.    Brasil. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM n. 2174 de 14 de dezembro de 2017. Dispõe sobre a prática do ato anestésico e revoga a Resolução CFM 1802/2006. Diário Oficial da União. 2018; seção 1: 75-84.

7.    Alemi F, Sulivan T. An example of activity-based costing of treatment programs. Am. J. Drug Alcohol Abuse. 2007; 33(1): 89-99.

8.    Abbas K Gestão de custos em organizações hospitalares. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) – Universidade Federal de Santa Catarina. 2001.

9.    Raimundini S L Aplicabilidade do sistema ABC e análise de custos: estudo de casos em hospitais públicos. Dissertação (Mestrado em Administração – Universidade Estadual de Maringá. 2003.

10. Struett MAM. Custeio baseado em atividades em laboratórios de análises clínicas: estudo de caso em um hospital filantrópico. 2005. Dissertação (Mestrado em Administração) - Universidade Estadual de Maringá; Universidade Estadual de Londrina. 2005.

11. Brasil. Ministério da Saúde. Informações em Saúde. Brasília: DATASUS, 2021. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sih/cnv/qiuf.def. Acesso em: 17 mar. 2022.

12. Macario A. Are your hospital operating rooms "efficient"? A scoring system with eight performance indicators. Anesthesiology.2006;105(2):237-240.

13. Avila MAG, et al. Tempo de limpeza e preparo de sala: relação com o porte cirúrgico e perspectivas profissionais. Rev. Gaúch. Enferm. 2014;35(2):131-139.

14. Banco Central do Brasil. Calculadora do cidadão. Brasília: Banco Central, 2022. Disponível em: https://www3.bcb.gov.br/CALCIDADAO/publico/corrigirPorIndice.do?method=corrigirPorIndice. Acesso em: 17 mar. 2022.

15. Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Emenda Constitucional nº 29, de 13 de setembro de 2000. Altera os arts. 34, 35, 156, 160, 167 e 198 da Constituição Federal e acrescenta artigo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para assegurar os recursos mínimos para o financiamento das ações e serviços públicos de saúde. Brasília, 2000. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc29.htm. Acesso em: 28 mar. 2022.

16. Reis D, Araújo E, Cecílio L. Sistema Único de Saúde: histórico, diretrizes e princípios. São Paulo: Unifesp, 2021.  Disponível em: https://www.unasus.unifesp.br/biblioteca_virtual/pab/6/unidades_conteudos/unidade02/p_03.html. Acesso em: 28 mar. 2022.

17. Brasil. Receita Federal. Instrução Normativa nº 1.700, de 14 de março de 2017. Dispõe sobre a determinação e o pagamento do imposto sobre a renda e da contribuição social sobre o lucro líquido das pessoas jurídicas e disciplina o tratamento tributário da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins no que se refere às alterações introduzidas pela Lei nº 12.973, de 13 de maio de 2014. Diário Oficial da União. 2017;1:23.

 

 

 

 

 

Recebido: 16 de setembro de 2024. Aceito: 27 de setembro de 2024

Correspondência: Claudia Garcia Azevedo Soares.  E-mail: clausoares78@hotmail.com

Conflito de Interesses: os autores declararam não haver conflito de interesses

 

 

© This is an Open Access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License, which permits unrestricted use, distribution, and reproduction in any medium, provided the original work is properly cited

Apontamentos

  • Não há apontamentos.


_______________________________________________

Revista de Administração em Saúde
ISSN 2526-3528 (online)

Associação Brasileira de Medicina Preventiva e Administração em Saúde
Avenida Brigadeiro Luis Antonio, 278 - 7o andar
CEP 01318-901 - São Paulo-SP
Telefone: (11) 3188-4213 - E-mail: ras@apm.org.br