Rev. Adm. Saúde (On-line), São Paulo, v. 24, n. 96: e394, jul. – set. 2024, Epub 27 set. 2024

http://dx.doi.org/10.23973/ras.96.394

 

 

RELATO DE CASO

 

SNS 24, a triagem telefónica do Sistema Nacional de Saúde em Portugal. Analisar, validar, melhorar

SNS 24, Telephone Triage and Advice Services in Portuguese Healthcare System. Analyse, validate, improve

 

Miguel Santos1, Carolina Isabel Pereira Gonçalves2, João Luís Oliveira3, Nuno Fernandes4, Ana Raquel Pereira5, João Abreu6

 

 

1. Assistente graduado cardiologia MD, Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca. Sintra, Portugal

2. Assistente graduada pediatria MD, Linha SNS 24, Serviços Partilhados Ministério da Saúde. Porto, Portugal

3. Diretor do Centro Nacional de Telessaúde, Serviços Partilhados do Ministério da Saúde. Lisboa, Portugal

4. Coordenador Linha SNS 24, Serviços Partilhados do Ministério da Saúde. Lisboa, Portugal

5. Gestora do Núcleo de Monitorização Linha SNS 24, Serviços Partilhados do Ministério da Saúde. Lisboa, Portugal

6. Gestor de Produto Linha SNS 24, Serviços Partilhados do Ministério da Saúde. Lisboa, Portugal

 

 

 

RESUMO

As triagens presenciais e telefónicas são componentes fundamentais do atendimento urgente dos cidadãos, na gestão da prioridade clínica do atendimento. A triagem telefónica, que no SNS é realizada através da Linha SNS24, ocorre a montante da triagem presencial em serviço de urgência. Existem diferentes publicações sobre triagem telefónica. À semelhança do SNS24, os algoritmos utilizados são definidos por painéis de peritos. Com vista à atualização dos conteúdos clínicos e científicos dos algoritmos existentes no SNS24 foi criado um grupo de trabalho de peritos. Após a implementação dos novos algoritmos a monitorização contínua de dados impõe-se e será objeto de publicação futura. Paralelamente mantém-se o desenvolvimento para a implementação de modelos híbridos de triagem, digitais e telefónicos.

Palavras-chave: triagem telefónica, algoritmos de suporte à decisão clínica, SNS

 

ABSTRACT

Clinical risk assessment in-person and by telephone are essential to manage clinical priority and provide urgent care for citizens. Telephone triage, which in the Portuguese NHS is carried out through the Linha SNS24, takes place prior to in-person screening in the Emergency Department. There are different publications on telephone triage. As in SNS24, the algorithms used are defined by expert panels. To update clinical and scientific content of the existing algorithms in SNS24, a working group of experts was created. After the implementation of the new algorithms, continuous data monitoring is necessary and will be the subject of a future publication. At the same time, development continues to implement hybrid, digital and telephone screening models.

Keywords: Telephone triage, clinical decision support algorithms, Portuguese National Health System

 

 

 

 

Num cenário de recursos ilimitados, qualquer cidadão com um problema de saúde agudo teria contacto imediato com um médico ou enfermeiro, consoante a necessidade em causa. Este cenário não se verifica em nenhum sistema e o Serviço Nacional de Saúde (SNS) em Portugal não é exceção, pelo que a triagem presencial e telefónica são componentes fundamentais do atendimento urgente dos cidadãos, na gestão da prioridade clínica do atendimento.

A triagem telefónica ocorre a montante da triagem presencial em Serviço de Urgência (SU), com a mesma finalidade - aumento da eficiência, mas com objetivos e capacidades adicionais: 1) melhorar a acessibilidade, através do encaminhamento para as instituições mais adequadas à prestação de cuidados de saúde (Centro de Orientação de Doentes Urgentes - CODU, SU, Cuidados de Saúde Primários - CSP); 2) disciplinar o acesso aos cuidados de saúde, através da recomendação de autocuidados adequados em situações sem necessidade de avaliação urgente. Quando são aconselhados apenas autocuidados, o cidadão pode ser acompanhado através de contacto telefónico de seguimento.

Até ao presente momento, a triagem telefónica em Portugal está disponível através das linhas INEM (Instituto Nacional Emergência Médica), para problemas de saúde emergentes, e Linha SNS 241, (que sucedeu às linhas “Dói, Dói? Trim, Trim!”, Linha de Saúde Pública e Saúde 24), para problemas de saúde agudos não-emergentes. A utilização destas linhas não é mandatória previamente à avaliação presencial em SU (Serviço Urgência) ou atendimento urgente em CSP (Cuidados Saúde Primários). Isto permite que o cidadão opte por decidir a que nível de cuidados deve, ou não, recorrer (autorreferenciação), e resulta anualmente em 6 milhões de episódios de atendimento hospitalar urgentes, com uma taxa de triagem não-urgente (verde, azul e branca) de 40% e uma taxa de internamento de 9-10%2, 3. O recurso a SU é também condicionado pela disponibilidade de existência de consulta em CSP em tempo útil. O objetivo deste artigo é, no entanto, partilhar as perspetivas atuais sobre a triagem telefónica do SNS24.

À semelhança do que acontece em Portugal, a triagem telefónica é utilizada desde a década de 90 em vários países como o Reino Unido, Suécia, Dinamarca, Holanda, Canadá e em vários sistemas baseados em seguros privados dos Estados Unidos da América, com diferentes estruturas e modos de funcionamento. Os triadores são desde médicos (na Dinamarca) até enfermeiros (a solução mais comum) ou operadores telefónicos formados especificamente para o efeito (no Reino Unido) a utilizar protocolos pré-definidos. Nalguns sistemas, o acesso ao SU é condicional a uma triagem telefónica prévia, mesmo que esta tenha de ocorrer na imediação de um SU. Não existem estudos comparativos diretos que indiquem qual o modelo com melhor desempenho clínico ou mais custo-eficaz, pelo que não é expectável uma uniformização a curto ou médio prazo.

No SNS 24, a triagem é realizada por enfermeiros treinados, que utilizam de algoritmos pré-definidos. Os algoritmos são habitualmente designados pelo sintoma que avaliam, e têm como função minimizar a omissão de perguntas importantes e definir um encaminhamento correto e não estabelecer um diagnóstico. Após questões demográficas e abertas, a sequência de perguntas torna-se mais fechada com um intuito de exclusão sequencial das situações mais graves para as menos graves. A utilização de algoritmos possibilita também que a decisão sobre o encaminhamento seja definida por um painel de peritos médicos e de enfermagem, e menos dependente do triador. A este conhecimento técnico, é necessário acrescentar informação sobre a rede de prestação de cuidados presenciais que está disponível na área geográfica, no preciso momento. A decisão final de encaminhamento é, portanto, do triador, tantos por motivos clínicos ou administrativos (por exemplo quando não estão disponíveis os CSP na janela temporal definida pelo algoritmo). Por motivos clínicos e médico-legais, é desejável a maior concordância possível entre triador e algoritmos.

Existem diferentes publicações sobre triagem telefónica 4, 5. À semelhança do SNS24, estes algoritmos são definidos por painéis de peritos; não existe um conjunto de algoritmos que tenha um desempenho comprovadamente superior aos outros. As métricas que têm sido medidas, mas sempre sem comparador randomizado, têm sido a adequação do nível de cuidados, adesão do cidadão ao nível de cuidados aconselhado, acesso aos cuidados de saúde, eficiência do sistema, impacto nos CSP ou no SU, satisfação do utente, eventos adversos ou resultados clínicos. Não há consenso sobre a superioridade de uma métrica face a outra, nem qual o modelo de organização que aumenta o ganho potencial do sistema de triagem telefónica. A salientar, não estão publicados dados sobre o desempenho da triagem telefónica num ecossistema como o do SNS, em que cada cidadão tem um número de identificação do SNS que é único e pode ser rastreado, com data e hora, desde o SNS 24 até aos CSP, SU, internamento ou óbito.

Com vista à atualização dos conteúdos clínicos e científicos dos algoritmos existentes no SNS24 foi criado um grupo de trabalho de peritos envolvendo médicos e enfermeiros de várias especialidades e estruturas hospitalares, comunitárias, emergência (INEM) e centros decisores (Direção Geral Saúde, Direção Executiva SNS, Serviços Partilhados Ministério Saúde). As premissas fundamentais foram: 1) partir da análise dos resultados obtidos pelos algoritmos prévios, para cada questão e para cada grupo demográfico, em termos de triagem de Manchester obtida e percentagem de internamento e mortalidade, por ser essa a peça que não tinha ainda sido possível obter nas revisões prévias dos algoritmos; 2) implementar a possibilidade de monitorização continuada após a atual revisão, para permitir a análise ágil e objetiva dos inputs recebidos das diferentes SU e CSP do SNS (Serviço Nacional Saúde). Estes dados serão de enorme utilidade na alocação de recursos, por exemplo ajudando a definir para cada SU qual a dimensão da resposta em CSP da respetiva Unidade Local de Saúde, 7 dias por semana, no período diurno.

Este processo foi iniciado, e já estão implementados alguns dos algoritmos com mais impacto em número de chamadas e referenciações. Adicionalmente, a implementação de modelos-piloto como o projeto “Ligue Antes, Salve Vidas” (LASV) em que o acesso a cuidados presenciais está limitado a triagem telefónica prévia, pode dar suporte a uma melhor estratégia a adotar para a gestão da doença aguda no SNS. Não obstante, a análise, ainda que numa fase precoce, mostra que os algoritmos revistos têm um melhor desempenho clínico, com maior concordância entre triador e algoritmo e maior sensibilidade para situações potencialmente graves. Tal é constatado pela maior percentagem de utentes com prioridade “Muito Urgente” previamente encaminhados para SU e maior percentagem de utentes internados, que tinham encaminhamento para SU e INEM, pelo algoritmo.

Parece haver um efeito cumulativo da revisão de algoritmos e do projeto LASV com aumento expectável do número de utentes triados e referenciados mantendo-se, no entanto, sobreponível a conversão de episódio de triagem SNS 24 em SU. Com a introdução do projeto houve redução do encaminhamento por motivo administrativo para o SU por maior disponibilidade de CSP. A monitorização contínua de dados impõe-se e será objeto de publicação futura. Paralelamente mantém-se o desenvolvimento para a implementação de modelos híbridos de triagem, digitais e telefónicos.

 

REFERÊNCIAS

1.    Decreto-Lei nº 69/2017 de 16 de junho

2.    https://www.sns.gov.pt/monitorizacao-do-sns/servicos-de-urgencia/; monitorização mensal

3.    Relatório Anual de Acesso a Cuidados de Saúde nos Estabelecimentos do SNS e Entidades Convencionadas em 2021. ACSS. Pág. 168-170.

4.    Telephone triage protocols for nurses. Julie K. Briggs. Sixth edition. Wolters Kluwer Health, 2020.

5.    Schmitt-Thompson Clinical Content. www.stcc-triage.com.

 

 

 

 

Recebido: 27 de agosto de 2024. Aceito: 27 de setembro de 2024

Correspondência: Carolina Goncalves   E-mail: carolina.pereira@spms.min-saude.pt

Conflito de Interesses: os autores declararam não haver conflito de interesses

 

 

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