Rev. Adm. Saúde (On-line), São Paulo, v. 24, n. 95: e384, abr. – jun. 2024, Epub 26 jun. 2024
http://dx.doi.org/10.23973/ras.95.384
RELATO DE CASO
Verticalização de cuidados psiquiátricos de uma operadora de saúde
Verticalization of psychiatric care from a healthcare provider
Marcio Luiz de Oliveira Lima1
1. Médico. Mestrando em gestão para competitividade na Fundação Getúlio Vargas. São Paulo SP
RESUMO
Introdução: Os transtornos mentais, nas últimas décadas, têm sido reconhecidos como uma das principais causas de incapacidade em todo o mundo, acometendo uma a cada quatro pessoas e representando um a cada seis anos de incapacidade. Frente ao despreparo dos sistemas de saúde, públicos e privados, bem como as dificuldades no acompanhamento adequado dos pacientes de saúde mental, o cuidado colaborativo/ integrado mostra-se como importante ferramenta para condução das mudanças assistenciais. A verticalização emerge como uma abordagem promissora para lidar com essa complexa questão, que envolve não apenas a prestação de serviços de saúde mental, mas também a superação do estigma histórico que tem cercado os pacientes de saúde mental. Para que a verticalização, em especial na saúde mental, seja eficaz, é essencial que haja uma mudança cultural dentro das organizações de saúde privadas, bem como na sociedade em geral. Isso requer educação, sensibilização e treinamento adequado, a fim de garantir que todos os pacientes sejam tratados com equidade e compreensão. Objetivos: compreender se a verticalização em psiquiatria gera redução de custos e modifica os desfechos clínicos em pacientes de uma Operadora de Planos de Saúde de São Paulo/SP. Métodos: trata-se de um estudo de caso, de natureza aplicada, com abordagem qualiquantitativa, transversal e exploratória, com dados de pacientes diagnosticados com transtornos mentais, coletados entre 2018 e 2022 de uma operadora de saúde privada de São Paulo/SP. Resultados: o tempo de permanência dos pacientes psiquiátricos diminuiu ao longo dos anos, sendo que os valores medianos maiores foram evidenciados na rede credenciada, bem como a dispersão dos dados. Observou-se uma variabilidade alta na rede credenciada e medianas menores nos anos de 2021 e 2022, com diferença estatística em todos os períodos (P<0.001), exceto para 2020. Na rede credenciada observa-se um custo maior quando comparado a rede própria, sendo diferente estatisticamente entre os tipos de rede ao longo dos anos (p<0.001). Conclusão: O presente estudo mostrou bons indícios que estruturas privadas de saúde podem protagonizar o cuidado de saúde de pacientes de saúde mental, desde que consiga estruturar uma linha de cuidado específica, gerir a carteira desses pacientes, garantir acesso, construir e gerenciar indicadores de qualidade, monitoramento e desfecho.
Palavras-chave: saúde mental, seguro saúde, psiquiatria.
ABSTRACT
Introduction: Mental disorders, in recent decades, have been recognized as one of the main causes of disability worldwide, affecting one in every four people and representing one in every six years of disability. Faced with the lack of preparation of public and private health systems, as well as the difficulties in adequately monitoring mental health patients, collaborative/integrated care appears to be an important tool for driving care changes. Vertical integration emerges as a promising approach to dealing with this complex issue, which involves not only the provision of mental health services, but also overcoming the historical stigma that has surrounded mental health patients. For vertical integration, especially in mental health, to be effective, it is essential that there is a cultural change within private health organizations, as well as in society in general. This requires education, awareness and appropriate training to ensure that all patients are treated with equity and understanding. Objective: To understand whether verticalization in psychiatry generates cost savings and changes clinical outcomes in patients of a Health Plan Operator in São Paulo. Materials and methods: Case study, of an applied nature, with a qualitative and quantitative, cross-sectional and exploratory approach, with data from patients diagnosed with mental disorders, collected between 2018 and 2022 from a private healthcare provider in São Paulo. Results: The length of stay of psychiatric patients has decreased over the years, with higher median values being evident in the accredited network, as well as data dispersion. There is high variability in the accredited network and lower medians in 2021 and 2022, with a statistical difference in all periods (P<0.001), except for 2020. In the accredited network, a higher cost is observed when compared to the own network, being statistically different between the types of networks over the years (p<0.001). Conclusion: The present study showed good evidence that private healthcare structures can provide healthcare for mental health patients, if they can structure a specific line of care, manage these patients' portfolios, guarantee access, build and manage quality indicators, monitoring and outcome.
Keywords: mental health, insurance health, psychiatric.
INTRODUÇÃO
Os transtornos mentais, nas últimas décadas, têm sido reconhecidos como uma das principais causas de incapacidade no mundo, acometendo uma a cada quatro pessoas, representando um a cada seis anos de incapacidade. Nos Estados Unidos, 8,2 milhões de pessoas convivem com transtornos mentais e abuso de substâncias1.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) apontou que muitos avanços foram realizados após a confecção do Plano de Ação Abrangente para a Saúde Mental 2013-2030, mas os resultados estão aquém do esperado. As desigualdades socioeconômicas, conflitos, emergências públicas, violência e, mais recentemente, a pandemia de covid-19, foram apontadas como as maiores ameaças deste cenário2. A chegada da pandemia representou um ponto de inflexão crítico na evolução dos casos de saúde mental No Brasil e no mundo. O medo da doença, o isolamento social, a perda de entes queridos, o desemprego e a incerteza em relação ao futuro contribuíram para um aumento acentuado nos transtornos mentais, dentre eles, tentativas de suicídio, evidenciando a urgência de intervenções eficazes para proteger a saúde mental da população3.
Simon et al. destacaram a prevalência global de 33% para depressão, 10% para esquizofrenia, 8,4% para transtornos pós-traumáticos, 8% de transtorno bipolar, 8% em abusos de substâncias e 4% para o transtorno de ansiedade. Ainda ressaltou a alta associação de transtornos mentais, principalmente a doença mental grave, com doenças crônicas metabólicas, endocrinológicas e nutricionais, em 62% dos casos, além das doenças do aparelho circulatório, presente em 58% das vezes4. Neste mesmo contexto, Kronenberg et al. destacam o diabetes como uma das principais comorbidades em pacientes de saúde mental, mostrando a necessidade do tratamento integrado desses pacientes5.
A esquizofrenia, depressão maior, bipolaridade e os transtornos psicóticos são considerados formas graves da doença mental, uma das principais causas de morte prematura nos Estados Unidos. Ter uma doença mental na forma grave corresponde a diminuição de até 20 anos na expectativa de vida do indivíduo, inclusive por causas evitáveis5.
Explorando este cenário, cerca de 17% das crianças e adolescentes, isto é, idades compreendidas entre 3 e 17 anos, tem algum distúrbio relacionado à saúde mental e, dentre os mais prevalentes, estão o déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), ansiedade e depressão6. Além disso aproximadamente 50% dessa população não recebe tratamento adequado, mostrando a importância do diagnóstico precoce, de cuidado integrado e multidisciplinar 6. Sarakbi et al. explicam que adultos depressivos tiveram o desenvolvimento da doença na fase da adolescência, com 14% dos homens e 28% das mulheres com sintomas explícitos antes dos 18 anos de idade. O tratamento inadequado, nestas faixas etárias, acarreta transtornos psicossociais graves no decorrer da vida, como consumo de ilícitos e outras substâncias, aumento do risco de suicídio, além de comorbidades físicas7. Liao et al. relaciona a melhoria do acompanhamento desses indivíduos dentro dos cuidados integrados e ambulatoriais8.
No Brasil, os dados apontam que, em 2019, 10,2% dos indivíduos maiores de 18 anos apresentavam diagnóstico de depressão, o que corresponderia a 16,3 milhões de pessoas. Da mesma forma, a depressão foi mais prevalente na faixa etária entre 60 e 64 anos. Referente às tentativas de suicídio, 70% dos casos ocorrem em idades entre 10 e 39 anos, com distribuição igualitária entre homens e mulheres. Quando o assunto é mortalidade por suicídio, houve aumento de 103% entre 5 e 14 anos e 75% entre 15 e 19 anos, com prevalência de quatro vezes para os homens viúvos, solteiros ou divorciados9.
Historicamente, existe uma importante lacuna e fragmentação no tratamento dos pacientes de saúde mental, seja pelo estigma relacionado a estes pacientes e suas apresentações sintomáticas, seja pelo despreparo dos sistemas de saúde, públicos e privados, em diagnosticar, engajar, tratar e reabilitar esses doentes10. As razões potenciais apontadas incluem: acesso, utilização inadequada de cuidados, tratamentos medicamentosos e seus efeitos colaterais, estilo de vida do paciente e mecanismos genéticos contribuintes4.
Um importante estudo11 mostrou aumento expressivo de 44,1% no número de atendimentos em departamentos de emergência dos Estados Unidos, por questões de saúde mental, acarretando o consumo de US$ 5,6 bilhões, principalmente em pacientes entre 18 e 65 anos. Uma das principais causas de aumento com departamentos de emergência e internação está na dificuldade de acesso 12. Além disso, o consumo de recursos é ainda maior quanto maior é a gravidade da doença, além do aumento dos custos indiretos (redução ou perda da produtividade. Caballer-Tarazona et al. sinalizam que o mesmo paciente de saúde mental, principalmente os mais graves, pode passar por 2,6 a 4 episódios de internação, resultando em tempo de estadia e despesas médicas superior ao esperado13.
Frente ao despreparo dos sistemas de saúde, públicos e privados, bem como as dificuldades no acompanhamento adequado dos pacientes de saúde mental, o cuidado colaborativo/integrado mostra-se como importante ferramenta para condução das mudanças assistenciais. Nesse sentido, a verticalização emerge como uma abordagem promissora para lidar com essa complexa questão, que envolve não apenas a prestação de serviços de saúde mental. Este modelo contrasta com a abordagem fragmentada tradicional.
Diante do exposto o presente estudo teve como objetivo compreender se a verticalização em psiquiatria gera redução de custos e modifica os desfechos clínicos em pacientes de uma operadora de planos de saúde de São Paulo/SP.
MATERIAL E MÉTODOS
Estudo de caso, de natureza aplicada, com abordagem qualiquantitativa, transversal e exploratória, com dados de pacientes diagnosticados com transtornos mentais, coletados entre 2018 e 2022 de uma operadora de saúde privada de São Paulo/SP. O universo de leitos da saúde mental dentro do hospital geral da operadora se resume a 10. Os dados referentes aos prontuários médicos são registrados em software próprio e exclusivo da Operadora e, por questões de confidencialidade, não pode ser revelado. Foram analisados todos os registros ocorridos com pacientes beneficiários da referida operadora entre os anos de 2018 e 2022, em instituições credenciadas e de rede própria, cujos diagnósticos principais, informados no prontuário eletrônico do paciente e identificados segundo os códigos da 10ª Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10), compreendendo todos os transtornos mentais pertencentes ao código F do CID-10. As variáveis incluídas foram: sexo (masculino ou feminino), faixa etária (adolescentes: de 12 a 19 anos; adultos: de 20 a 59 anos; idosos: 60 ou mais anos), ano da intervenção, custo (dados originários de arquivos de controle de software próprio e exclusivo da Operadora), local da intervenção (rede própria ou rede credenciada), tempo médio de permanência (TMP – em número de diárias), número de atendimentos em Pronto Socorro (PS – quantidade de eventos diferentes em regime de urgência/ emergência), números de internações psiquiátricas e reinternações psiquiátricas. Os dados obtidos foram exportados para o software Microsoft Excel, compondo banco de dados em planilha eletrônica. A análise dos custos levou em consideração valores pagos às estruturas pertencentes à rede credenciada pela operadora. Da mesma forma, os custos referentes à rede própria referem-se aos valores repassados às estruturas da rede própria, a partir da alocação em marca ótica do paciente (registro que identifica o paciente nos sistemas da Operadora). Para a mensuração dos custos, as medidas foram expressas em termos unitários, na moeda Real (R$). Foram realizadas análises de acordo com a natureza das variáveis e demonstradas em tabelas e gráficos. Para as qualitativas foram descritas mediante frequências absolutas e relativas (%) e, para as quantitativas foram calculadas medianas, valores mínimos e máximos e distribuição de percentil. A comparação dos dados qualitativos foi realizada pelo teste de qui-quadrado e, para a comparação das medianas o teste de Mann-Whitney, considerando o valor de p<0.05. Todas as análises foram desenvolvidas no pacote estatístico STATA, versão 17.0. Todos os dados utilizados são administrativos e anonimizados, excluindo a necessidade de aprovação em comitê de ética em pesquisa.
Descrição da intervenção
Esses quadros psiquiátricos apresentam-se, em PS geral, como crises agudas, mas trata-se de patologias crônicas que precisam de acompanhamento ambulatorial multiprofissional e, se feitos de modo competente, trazem ao paciente boa qualidade de vida e controle dos sintomas. Houve a percepção no aumento da incidência de casos psiquiátricos no PS de Clínica Médica, nas suas mais variadas apresentações. A maioria dos casos estava atrelada às crises agudas de ansiedade e ideações suicidas, com tentativas de autoextermínio. A partir deste cenário entendeu-se a necessidade de um projeto que gerasse mais segurança aos pacientes psiquiátricos e aos médicos de PS. A partir de reuniões em modelo brainstorm foi pensado um projeto piloto de telemedicina em psiquiatria (ou telepsiquiatria). Com base nos primeiros resultados do projeto piloto, estabeleceu-se uma segunda fase, que constava da ampliação do modelo para outra unidade. Os resultados obtidos a partir do projeto piloto permitiu que o modelo evoluísse para a formação de uma linha de cuidado em saúde mental e assim a instalação de leitos de saúde mental em um dos hospitais gerais da operadora seguindo regulamentação específica, bem como a adequação do quadro de colaboradores e seus respectivos treinamentos ao atendimento dos pacientes psiquiátricos. Com a estrutura adequada, iniciou-se o trabalho de alinhamento de protocolos, regulação, direcionamento junto aos respectivos setores da operadora, coordenando e orientando o cuidado. A partir desse momento foi planejado a instalação de um PS psiquiátrico na mesma estrutura onde já havia sido instalados os leitos de internação psiquiátrica. Desta forma, foi possível estabelecer o cuidado desde o primeiro diagnóstico psiquiátrico do paciente, até o planejamento terapêutico e internação, utilizando um sistema de referência e contrarreferência dentro da rede própria da operadora.
RESULTADOS
Dentre a amostra estudada, 12953 (96 %) indivíduos e 533 (4,0%) eram, respectivamente, da rede credenciada e própria. A Tabela 1 descreve as características da população estudada. Em ambas as redes houve um predomínio do sexo feminino de adultos (p<0.001).
Tabela 1. Característica da amostra segundo tipo de rede, São Paulo, 2018 - 2022.
A Tabela 2 mostra as principais doenças relacionadas aos transtornos mentais diagnosticadas pelo médico mediante CID-10, segundo sexo e faixa etária. Observa-se no sexo masculino uma alta proporção de esquizofrenia (39.51%), doenças relacionadas ao uso de álcool e outras substâncias (25.76%) e ansiedade/TOC (10.96). Para o sexo feminino foram identificados o retardo (22.24%), episódios depressivos (21.17%) e ansiedade/TOC (19.42%) (Tabela 2).
Em relação a faixa etária, os adolescentes apresentaram ansiedade/ TOC (34.54%), retardo (32.13%) e distúrbio de conduta (22.09%); adultos tiveram maiores percentuais de esquizofrenia (26.87%) e ansiedade/TOC (16,20%), enquanto os idosos apresentaram esquizofrenia (37,0%) e episódios depressivos (16.79%) (Tabela 2).
Tabela 2. Distribuição das doenças segundo sexo e faixa etária, São Paulo, 2018-2022.
A Tabela 3 mostra a distribuição das doenças segundo tipo de rede. Observa-se predominância da Esquizofrenia (28,21%), Ansiedade/ TOC (15,05%) e Depressão (15%) na rede credenciada. Já na rede própria predominaram Ansiedade/ TOC (28,02%), Retardo (24,73%) e Delírio (14,01%).
Tabela 3. Distribuição das doenças segundo tipo de rede, São Paulo, 2018-2022.
A Tabela 4 mostra que o tempo de permanência diminuiu ao longo dos anos, sendo que os valores medianos maiores foram evidenciados na rede credenciada, bem como a dispersão dos dados. Observa-se uma variabilidade alta na rede credenciada e medianas menores nos anos de 2021 e 2022, com diferença estatística em todos os períodos (P<0.001), exceto para 2020 (Tabela 4). Observa-se uma diminuição no tempo mediano na rede credenciada, porém, com valores maiores em dias de internação.
Tabela 4. Tempo mediano de permanência (dias) segundo rede de credenciamento, São Paulo, 2018-2022.
Legenda: RP - rede própria; RC - rede credenciada
As Figuras 1 e 2 evidenciam a mediana do custo segundo tipo de rede. Na rede credenciada observa-se um custo maior quando comparado a rede própria, sendo diferente estatisticamente entre os tipos de rede ao longo dos anos (p<0.001).
Figura 1. Medianas do custo para rede credenciada, 2018 – 2022.
Figura 2. Medianas do custo para rede própria, 2018 – 2022.
Na Tabela 5 observa-se que a distribuição das internações aumentou a partir de 2021 em ambas as redes com queda pontual em 2020 (Tabela 4). Já as reinternações diminuíram progressivamente em ambas as redes ao longo do tempo.
Tabela 5. Frequência de internação segundo tipo de rede. São Paulo, 2018 -2022.
A Figura 3 mostra o fluxo de pacientes em visita aos prontos socorros de redes própria e credenciada, observando um aumento expressivo a partir de 2020.
Figura 3. Frequência de visitas em pronto socorro nas redes própria e credenciada, São Paulo, 2019 – 2023.
A Figura 4 mostra o número de pacientes ativos nos Programa de Saúde Mental, com valores de 10395 em 2019, 15869 em 2020, 23243 em 2021 e 29106 em 2022. Já o NPS iniciou seu monitoramento em 2021, com valores iguais em 2021 e 2022 (90) e queda em 2023, com valor de 84.
Figura 4. Número de pacientes ativos nos Programa de Saúde Mental, bem como valores do NPS.
DISCUSSÃO
Na distribuição por sexo, houve predomínio da esquizofrenia, abuso de álcool e outras substâncias e ansiedade nos homens. Já nas mulheres, retardo, depressão e ansiedade. Esses achados compactuam com dados apresentados por Errichetti et al. que apontaram as doenças mentais graves – esquizofrenia (21,3%), depressão (45%) e bipolaridade (31,3%) – como principais causas de morbidades e mortalidade nos Estados Unidos14. Da mesma forma, dados de outros estudos2 sendo a depressão (25% a 47%), ansiedade (32% a 47%) e estresse agudo (29% a 31%) as doenças mais prevalentes na última década, endossadas pelo surgimento da pandemia de COVID, em 2019. Outro estudo15 trouxe um perfil semelhante aos resultados deste estudo, sendo a depressão, ansiedade e abuso de álcool e outras substâncias como mais prevalentes.
Nossos dados, essencialmente na população feminina, trouxeram o diagnóstico de retardo (22,24%) como um dos principais observados. Neste caso, poder-se-ia atribuir à duas possibilidades: preenchimento incorreto do CID-10 de entrada, ou contaminação da amostra por casos direcionados de programas especiais da Operadora de Saúde de pessoas com deficiências e diagnóstico secundário em saúde mental.
Na distribuição das doenças por faixa etária, a esquizofrenia é mais frequente nos adultos e idosos (26,87% e 37%, respectivamente). Já nos adolescentes, a ansiedade foi mais frequente, com 34,54% das ocorrências. Os dados apresentados por Liao et al 8 diferiram dos obtidos deste estudo, visto que apontaram a depressão com uma das doenças mais frequentes em adultos acima de 60 anos de idade (5,7%). Uma possibilidade para estes achados pode estar no diagnóstico de doenças mentais graves como principal diagnóstico, denotando que a identificação destes pacientes só acontece nos casos mais agravados, isto é, quando a manifestações sintomáticas e a repercussão da doença é mais explícita, bem como a necessidade de atendimento mais emergencial. Por outro lado, pode indicar que o diagnóstico da depressão, patologia mais frequente de acordo com a literatura, esta subdiagnosticada, principalmente porque os sintomas podem não ter a mesma intensidade em comparação com as doenças mentais graves.
Quando analisamos a literatura referente à distribuição dos diagnósticos, especificamente em regime de internação, bem como a distribuição por sexo, houve corroboração pelo trabalho de Dias et al., porém este comportamento só foi observado nas internações ocorridas na rede credenciada3.
No evento internação, o número foi superior na rede credenciada. No ano de 2020 houve queda nas internações da rede credenciada, muito provavelmente, pela pandemia de COVID-19. A rede própria, em 2020, estava iniciando a estruturação do cuidado com pacientes de saúde mental, bem como a captação de internações. Já em 2021, a rede credenciada retomou e aumentou o volume de internações, já com casos oriundos da pandemia. A rede própria também se comportou da mesma forma, mas em escala muito inferior. Esse comportamento manteve relação com o início da linha de cuidado em saúde mental, com ações iniciais em telepsiquiatria, matriciamento dos pacientes de saúde mental, gestão de crônicos, reforço dos atendimentos ambulatoriais e aumento da captação para o Programa de Saúde Mental. Cabe ressaltar a importância da telepsiquiatria como importante ferramenta de ampliação do acesso, bem como na melhoria dos resultados em pacientes mais complexos. Ainda referem que esta modalidade tem equivalência à avaliação presencial16-17.
O modelo de internação iniciado na referida Operadora foi o de leitos de psiquiatria em hospital geral, modelo já reconhecido, onde se esperava concentrar internações com períodos de até 7 dias. Os pacientes que, anteriormente, eram atendidos nos Pronto Socorros gerais da rede própria eram encaminhados quase que exclusivamente para parceiros de rede credenciada e, por falta de gerenciamento de indicadores de qualidade clínicos dos pacientes de saúde mental destes parceiros, eles passavam longos períodos sob internação.
Referente aos CIDs de internação, comparando rede própria da operadora e a rede credenciada, há convergência da literatura com o comportamento de internação da rede credencia, colocando a esquizofrenia, depressão e abuso de álcool e outras substâncias nos principais diagnósticos de internação. Já na rede própria internaram, mais frequentemente, casos de ansiedade, delírio e retardo. A explicação mais plausível para o comportamento da rede própria pode estar na incipiência do cuidado do paciente de saúde mental na rede própria, bem como a modalidade de leitos de internação em psiquiatria dentro de um hospital geral (até 7 dias de internação).
As intervenções raramente são implementadas da mesma forma que planejadas caso não haja participação dos gestores e lideranças, lembrando a importância do acompanhamento pós-implantação17. Dados de uma extensa revisão sistemática apontando principais barreiras e facilitadores para a implantação de cuidados coordenados e colaborativos em saúde mental 18. Das principais barreiras, destacaram-se a incapacidade de diagnóstico de doenças mentais, treinamento inadequado, falta de apoio de rede ambulatorial, falta de conhecimento de sistemas de saúde, desigualdades no financiamento e estigma da doença. Já dentre os facilitadores, destacaram-se confiança e acolhimento por parte das equipes ambulatoriais, conveniência na conglomeração de serviços em saúde mental com demais serviços e modelo de cuidado escalonado e hierarquizado.
Um estudo avaliou alguns sistemas de saúde e a tratativa com pacientes de saúde mental. Os resultados compararam algumas cidades brasileiras, destacando São Paulo e Porto Alegre com excelentes taxas de diagnóstico de doenças de saúde mental em nível ambulatorial, 54,3% e 37%, respectivamente. Esse achado contrastou com outras cidades – Fortaleza com 36,7% dos diagnósticos em hospital psiquiátrico e Campinas com 25,5% dos diagnósticos no CAPS (Centro de Apoio Psicossocial)19.
A reinternação, neste estudo, foi considerada como indicador de qualidade assistencial, essencialmente, da eficácia do cuidado ambulatorial, isto é, uma menor frequência de reinternações corresponderia a um melhor manejo do paciente dentro da linha de cuidado. Ambas as redes tiveram comportamento similar, com quedas sequenciais de reinternação ao longo do tempo. Em relação à rede credenciada, pudemos inferir: o evento reinternação não é interessante do ponto de vista financeiro; parecer regulatório da Operadora frente à novo evento em curto espaço de tempo e início da linha de cuidado em saúde mental. Logicamente, os números não mostram a substituição da rede credenciada pela rede própria, mas as medidas iniciais para o cuidado em rede própria já haviam iniciado bem como a fiscalização de indicadores e desfechos na rede credenciada. Em média, a cada paciente de saúde mental foi readmitido 2,6 vezes, seguindo o mesmo perfil epidemiológico da literatura, isto é, esquizofrenia (52,6%) e depressão (14,2%). Além disso, esses mesmos pacientes consumiam até 40% mais recursos e permaneciam por longo tempo sob regime de internação constatado em um estudo observacional e retrospectivo20.
Os resultados do presente estudo mostraram uma curva expressiva de captações de pacientes para o programa de saúde mental da Operadora, com início em 2019 e, praticamente, o triplo de captados em 2022. Esse movimento também se mostrou valoroso para usuário que, por meio do NPS (Net Promoter Score), avaliou muito bem o serviço da rede própria, com valores variando de 84 a 90 (o valor máximo do método é 100). Bruce et al. citam o modelo IMPACT que embasava o cuidado em jovens depressivos. O modelo era focado em cuidado colaborativo, registro fiel dos atendimentos, tratamento baseados em evidência e medição, bem como pagamento dos prestadores por desfecho. Assim, alcançaram índices 3,5 vezes maior de responder ao tratamento, com redução de 50% dos sintomas depressivos21.
Os atendimentos do PS podem ter relação próxima com eventos de internação (captação). Nossos números mostraram aumento importante de volume de pacientes de saúde mental de 2020 em diante, com pico em 2021 e leve queda em 2022. Claramente, esse comportamento teve influência direta da pandemia de COVID-19. O índice de retorno ao PS também pode ser utilizado como marcador de qualidade de acompanhamento dos pacientes de saúde mental, isto é, quanto mais retornos ao PS, menos eficaz o controle do paciente em nível ambulatorial. Em uma coorte retrospectiva com 77.178 pacientes, mostraram que 49,9% tiveram atendimentos de PS (atendimento de saúde mental), sendo 26% com diagnóstico de depressão maior. Destes últimos, aproximadamente 50% foram internados22. Michel et al. em um estudo observacional, relatou que pacientes de saúde mental eram frequentemente admitidos pelo PS, em condições mais graves, no entanto, chama atenção para inúmeras internações que poderiam ser evitadas desde que o acompanhamento ambulatorial fosse estruturado. Além disso, esses pacientes ficavam mais tempo internados e eram mais custosos23.
Jacobs et al. realizaram um estudo observacional retrospectivo onde puderam identificar três vertentes que fortaleceram os cuidados à pacientes de saúde mental, em nível ambulatorial: plano de cuidado, revisões anuais e continuidade com clínico geral. Em relação ao plano de cuidado, observou-se diminuição de 26% de atendimentos no PS; 33% de diminuição de admissões por doença mental grave (DMG) e 27% de admissões evitáveis. Já em relação as revisões anuais, observou-se 20% menos atendimentos de emergência, 25% menos internações por DMG e queda de 24% nas admissões evitáveis. Finalmente, em relação ao atendimento com médicos clínicos gerais, constatou-se queda de 11% nos atendimentos de emergência e 23% nas admissões evitáveis. Neste quesito, não houve diferença estatisticamente significante com as admissões por DMG. Esse último achado corrobora com este trabalho, onde as internações em rede credenciada acontecerem, principalmente, por DMG24.
O tempo médio de internação também é um importante indicador gerencial de performance e eficácia clínica, norteando as boas práticas dentro das instituições de saúde. Este indicador foi favorável a rede própria nos anos de 2018 e 2019, indiferente em 2020, e desfavorável em relação aos demais anos. Os dados mostraram variabilidade na quantidade de dias de internação. Os pacientes, que eram internalizados na rede credenciada em psiquiatria, mostravam muitas internações, principalmente com menor tempo de estadia.
Ao avaliar os custos totais relacionados à saúde mental, observamos queda importante no montante pago pela referida operadora à rede credenciada. Houve, em contrapartida, aumento dos custos da rede própria ao longo do tempo, mas ainda muito inferior ao da rede credenciada. Algumas possibilidades podem ser discutidas em relação a queda na rede credenciada: possíveis glosas por parte da operadora; diminuição do tempo médio de internação – como mostrado em nossos resultados; vinculação ascendente dos pacientes no Programa de Saúde Mental da operadora, bem como a diminuição nas reinternações. Já o aumento do custo na rede própria, provavelmente está atrelado a uma maior frequência de utilização de serviços na rede própria, incluindo o programa de saúde mental e internações em leitos de hospital geral. Dias et al. em um estudo ecológico descritivo, comparam as internações em saúde mental de 2014 e 2019. Constataram queda nas internações eletivas (43,3% na frequência e 46,15% no custo); queda nas internações de urgência (22,9% na frequência e 40,21% no custo); queda de 43,88% no tempo médio de permanência (de 20,03 dias para 16,38 dias). Esses resultados foram atribuídos ao direcionamento do tratamento em rede ambulatorial com cuidado coordenado3.
De forma ampla, os sistemas e cuidados verticalizados, podem reduzir custos (5,8%) quando comparados aos não verticalizados (3,5%), entregando valor ao paciente e melhores desfechos25.
São reconhecidos como limitações dificuldade desta intervenção: (a) fidedignidade nos CIDs utilizados no atendimento, tanto em regime de PS como de internação; (b) a estruturação da linha de cuidado durante a prestação do cuidado em saúde mental; (c) a falta de indicadores robustos estabelecidos para mensuração dos resultados ao longo de toda a linha de cuidado; (d) a pressão por resultados financeiros e operacionais por parte da Operadora; (e) a dificuldade relacionado ao estigma da doença mental; (f) a estruturação dos dados e a visibilidade desta intervenção como uma quebra de paradigma; (g) estruturação, registro e compartilhamento de informações frente à equipe multidisciplinar. Este estudo abre importante reflexão a respeito do cuidado a pacientes de saúde mental na assistência médica privada, algo disruptivo.
CONCLUSÃO
O presente estudo mostrou indícios que estruturas privadas de saúde podem protagonizar o cuidado de saúde de pacientes de saúde mental, desde que consiga estruturar uma linha de cuidado específica, gerir a carteira desses pacientes, garantir acesso, construir e gerenciar indicadores de qualidade, monitoramento e desfecho. Todos esses fatores somam-se aos cuidados coordenados que vão além do acompanhamento com o médico especialista (psiquiatra). Ainda mostrou ser possível racionalizar o consumo de recurso de maneira geral. Mais estudos se mostram necessários testando o modelo.
REFERÊNCIAS
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Recebido: 03 de junho de 2024. Aceito: 26 de junho de 2024
Correspondência: Marcio Luiz de Oliveira Lima. E-mail: lima.mlo@gmail.com
Conflito de Interesses: os autores declararam não haver conflito de interesses
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