Rev. Adm. Saúde (On-line), São Paulo, v. 24, n. 94: e377, jan. – mar. 2024, Epub 28 mar. 2024
http://dx.doi.org/10.23973/ras.94.377
ARTIGO ORIGINAL
Utilização do Lean Six Sigma para avaliação da farmacoeconomia em anestesiologia
Use of Lean Six Sigma to evaluate pharmacoeconomics in anesthesiology
Lucas Alcobaça Gomes Machado1, Patrícia Mitsue Saruhashi Shimabukuro2, Cirilo Haddad Silveira3, Adeli Mariane Vieira Lino Alfano3, Beatriz Gonçalves Miron3, Flavio Martin Conti3, Leonardo José Gabrielli Vanzato3, Guinther Giroldo Badessa4
1. Médico anestesiologista. Filado ao Centro Universitário São Camilo (CUSC), São Paulo SP
2. Enfermeira, mestre em qualidade hospitalar. Filiada ao Hospital São Camilo (HSC), São Paulo SP
3. Médico anestesiologista do HSC, São Paulo SP
4. Médico anestesiologista, professor do CUSC, São Paulo SP
RESUMO
Introdução: Com o surgimento de novas tecnologias e novos modelos de remuneração, a análise de custo promove uma oportunidade de melhoria no processo do manuseio e administração de medicamentos visando otimização de recursos. Objetivo: avaliar custo em relação a otimização do uso do propofol, comparando-se uso na apresentação frasco/ampola, em relação a seringa pré-preenchida. Método: Este estudo observacional é baseado na metodologia Lean Six Sigma. foi elaborado etapa do processo de preparo da medicação envolvendo o propofol utilizando a apresentação frasco/ampola e a seringa pré-preenchida. Resultados e discussão: No total foram realizadas 28 observações, sendo 19 com frasco/ampola e 09 com a seringa pré-preenchida. Foram excluídas 5 observações devido ao aumento da média do tempo de preparo do propofol gerado por situações inusitadas ou inesperadas. Considerações finais: Apesar da seringa pré-preenchida apresentar um valor líquido superior, ela demanda menos tempo para montagem e são utilizados menos materiais para a sua utilização.
Palavras-chave: anestesiologia; farmacoeconomia; gestão em saúde; gestão da qualidade total; serviços de saúde.
ABSTRACT
With the emergence of new technologies and new remuneration models, cost analysis provides an opportunity to improve the process of handling and administering medications with a view to optimizing resources. Objective: to evaluate cost in relation to optimizing the use of propofol, comparing use in the vial/ampoule presentation, in relation to the pre-filled syringe. Method: This observational study is based on the Lean Six Sigma methodology. A step in the medication preparation process involving propofol was created using the vial/ampoule presentation and the pre-filled syringe. Results and discussion: In total, 28 observations were carried out, 19 with a vial/ampoule and 9 with a pre-filled syringe. 5 observations were excluded due to the increase in the average propofol preparation time generated by unusual or unexpected situations. Conclusion: Although the pre-filled syringe has a higher net value, it requires less time to assemble and fewer materials are used for its use.
Keywords: anesthesiology, economics pharmaceutical; health management; health services; total quality management
INTRODUÇÃO
No cenário atual da saúde é necessário a otimização de recursos para realização dos procedimentos cirúrgicos, para isso nota-se a necessidade de se utilizar os materiais e medicamentos de forma consciente com aprimoramento de técnicas, promovendo um atendimento seguro e preciso para o paciente.
O orçamento empresarial é a materialização do planejamento estratégico e dará o formato para a execução das ações necessárias dentro do serviço de saúde. Considerando a necessidade de se maximizar os resultados, observa-se a importância de se garantir a segurança do paciente, qualidade da assistência, eficiência nos processos e o retorno dos investimentos realizados1.
O procedimento anestésico representa um percentual no total dos custos hospitalares dentro do processo perioperatório, com o surgimento de novas tecnologias, novos modelos de remuneração, análise de custo o que nos leva a promover uma oportunidade de melhoria no processo do manuseio e na administração de medicamentos2,3.
Existem vários motivos que os estudos de avaliação econômica devem ser realizados pelos profissionais de saúde, devido à exploração dos recursos tecnológicos atuais em comparação com as novas tecnologias, consequências em relação a custo, efetividade e resultados clínicos obtidos como forma de comparação3,4.
Este trabalho possui o objetivo de avaliar custo em relação a otimização do uso do propofol na ampola, montando-se em bomba de infusão de seringa de uso genérico em relação a seringa pré-preenchida com o medicamento na bomba de infusão específica.
Referencial teórico
Para avaliação do processo envolvendo otimização dos custos podemos utilizar a metodologia Lean Six Sigma que é uma filosofia de negócio, com origem na manufatura, visando a redução de defeitos e desperdícios para proporcionar um pensamento mais enxuto. Para isso, é necessário a redução de erros, buscando variações entre os processos avaliados a uma capacidade mais ou menos de seis desvios padrão (sigma) através de um modelo de desenvolvimento de projeto intitulado DMAIC (Define-Measure-Analyze-Improve-Control)5 conforme Figura 1.
Figura 1. Representação gráfica do modelo DMAIC (Define-Measure-Analyze-Improve-Control).
Fonte: Lean Six Sigma Brasil 2020.
A aplicação desta metodologia é uma realidade recente, e quando utilizada na área da saúde, apresenta resultados como redução de gastos, a otimização de tempo, a redução de desperdícios de materiais e o aumento da satisfação do paciente e família6.
Neste cenário, é preciso que haja conscientização sobre o desperdício da equipe em relação a quantidade de materiais utilizados em um determinado processo. No caso da anestesiologia, um dos processos envolvidos é a administração de medicamentos. O que significa que o anestesiologista precisa gerenciar os materiais que deveriam ou não ser abertos de acordo com a técnica anestésica escolhida e com isso evitar perdas desnecessárias (abertura antecipada ou inadvertida de materiais)7.
Este estudo justifica-se em comparar o processo da administração de medicamentos pelo médico anestesista como o propofol utilizando uma seringa pré-preenchida e a ampola do produto.
Com isso, nota-se que os estudos de análise econômica não devem somente visar a redução de custos financeiros e sim as vantagens da sua utilização em relação à assistência anestésica prestada ao paciente.
METODOLOGIA
Este estudo foi baseado na metodologia Lean Six Sigma que leva a melhoria do atendimento ao paciente, com redução de custos e promoção da segurança medicamentosa. São poucos os hospitais que utilizam com sucesso essa metodologia5.
Estas análises comparativas são obtidas através da decisão sobre priorização das intervenções e alocação de recursos com avaliação econômica com síntese de estudos para a obtenção das melhores estimativas de desfechos em saúde. Estes conhecimentos necessitam do envolvimento de profissionais da área de epidemiologia, estatística, pesquisa clínica, administração em saúde e economia3,4,5.
Para este estudo foi realizado um levantamento bibliográfico sobre a utilização do Lean Six Sigma na área da saúde. A seguir os autores realizaram a elaboração da etapa do processo de preparo da medicação envolvendo o propofol utilizando a apresentação frasco/ampola e a apresentação em seringa pré-preenchida, conforme demonstrado nas Figuras 2 e 3.
Figura 2. Processo do preparo da medicação na apresentação de frasco/ampola.
Figura 3. Processo do
preparo da medicação na apresentação seringa pré-preenchida.
O momento do desperdício de medicamentos relacionados à anestesia está na diluição e não utilização devido ao mau dimensionamento dos frascos que são fornecidos pelos laboratórios ou até mesmo devido à sobra no término do ato anestésico. Estes medicamentos chegam de 5% a 15% do orçamento da farmácia hospitalar e corresponde a 4% do custo de um procedimento cirúrgico. Dentro deste contexto, há uma pressão para o anestesiologista sobre o uso de determinados agentes bloqueadores neuromusculares, antieméticos e opióides7,8,9.
A seguir, foi elaborado um formulário para coleta de dados, para mensurar o tempo gasto no processo envolvendo o uso do frasco/ampola e da seringa pré preenchida.
Após a avaliação in loco com as devidas observações, foi solicitado um levantamento de custo dos materiais e do medicamento utilizados no processo de avaliação, bem como custo envolvendo a utilização do centro cirúrgico (taxa de sala). Na taxa de sala está incluso espaço físico, móveis, equipamentos permanentes na sala, esterilização e instrumental básico.
Como critérios de inclusão para o estudo foram todas as cirurgias que foram necessárias utilização da técnica anestésica venosa total. E como critérios de exclusão cirurgias foram utilizadas outras técnicas anestésicas.
DISCUSSÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS
As observações foram realizadas em 3 unidades hospitalares distintas, sendo duas unidades de atendimento exclusivamente privado e uma de atendimento especializado em oncologia e misto público e privado. O período da coleta de dados foi realizado de 12 de junho a 27 de julho conforme disponibilidade dos autores e oportunidade do uso do propofol nos procedimentos cirúrgicos.
Os resultados obtidos foram analisados conforme avaliação no custo-efetividade e custo-benefício através da comparação dos custos com a seringa unitarizada e com a preparação do propofol em frasco-ampola.
Utilizando a metodologia Lean Six Sigma (LSS), detalhamos abaixo segue o DMAIC durante o período observacional e métrica do tempo de preparo do propofol.
Tabela 1. Detalhamento do DMAIC (Define-Measure-Analyze-Improve-Control), São Paulo, 2023.
Definir |
Medir |
Analisar |
Melhorar |
Controlar |
Custo do propofol ampola em relação a seringa pré-preenchida do produto |
Tempo de preparo da medicação até a infusão no paciente (seringa pré preenchida x ampola) |
Falta de materiais no carro de medicação do anestesista; Demora na reposição do material faltante; Característica do propofol de marcas de laboratório diferentes; Qualidade da seringa utilizada para aspiração da medicação (frasco/ampola) |
Reposição de materiais para o carro do anestesista; Avaliação do custo.
|
Negociação sobre a comercialização do produto |
Durante a coleta de dados, foi observado que a qualidade do material influenciou diretamente no tempo de preparo do medicamento do propofol para o paciente. Outro fator que impactou diretamente na mensuração do tempo foi falta de material no carro de anestesia, onde a farmácia apresentou “falha” na reposição dos insumos necessários e consequentemente a demora na reposição (devido a localização da farmácia satélite) influenciou no tempo gasto para o preparo.
Um fator a ser considerado em relação ao propofol, é a marca do fabricante, pois devido a sua composição (que varia de acordo com cada fabricante conforme consta na bula), de uma marca foi observado um produto mais líquido que gera “espuma” no processo de aspiração do produto do frasco para a seringa.
Tabela 2. Apresentação do tempo médio obtido no processo de observação durante o processo de preparo do propofol até a administração no paciente, São Paulo, 2023.
Item avaliado |
Frasco/ampola |
Seringa pré-preenchida |
Tempo médio (minutos) utilizado no processo do preparo da medicação até a infusão no paciente. |
03:13 |
01:57 |
Tempo médio (minutos) para o preparo do propofol (excluindo programação de bomba) |
01:20 |
00:33 |
Tempo médio (minutos) utilizado para programação da bomba de infusão. |
01:13 |
01:00 |
A mensuração foi realizada por um único observador, com experiência na metodologia LSS, de acordo com as oportunidades para observação, os dados foram obtidos através da mensuração do tempo utilizando um cronômetro para a avaliação do tempo gasto no processo do preparo da medicação até a administração no paciente. No total foram realizadas 28 observações, sendo 19 com frasco/ampola e 09 com a seringa pré-preenchida.
Como critérios de exclusão para elaboração da média do tempo do processo de preparo do propofol houve a exclusão de 5 observações devido à falta de material que acabou impactando na necessidade de reposição de materiais e contratempos relacionados ao preparo da medicação relacionados à qualidade da seringa utilizada pelo serviço.
Foram observados profissionais diferentes em ambas as situações, o que possibilitou uma análise precisa.
Na Tabela 3 apresentamos a análise de custo.
Tabela 3. Comparativo na utilização do frasco/ampola e a seringa pré preenchida.
Itens analisados |
Frasco/ampola * |
Seringa pré-preenchida |
Material/medicamentos |
R$ 119,17 |
R$ 154,50 |
Recursos (taxa de sala, extensor, álcool gel, swab de álcool) |
R$ 98,81 |
R$ 40,31 |
Total |
R$ 217,98 |
R$ 194,81 |
* Considerar o custo de 08 ml de descarte pela capacidade da seringa (50 ml)
Mediante o apresentado na tabela 3, os autores consideram os materiais necessários para o preparo do medicamento conforme o processo mencionado utilizando o frasco/ampola e a seringa pré preenchida. Para o frasco/ampola deve ser considerado o descarte de 10 ml em virtude da capacidade da seringa de bomba que é de 50 ml. Em relação ao descarte, foi considerado o valor o coletor de resíduo químico e o pó utilizado para não deixar a substância líquida neste coletor.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir dos dados obtidos podemos perceber uma economia financeira diante da utilização de seringa pré-preenchida em comparação com a utilização do frasco. Esse impacto financeiro é ampliado com o aumento do número de procedimentos analisados.
Apesar da seringa pré-preenchida apresentar um valor líquido superior, ela demanda menos tempo para montagem e são utilizados menos materiais para a sua utilização.
Em um cenário de otimização de recursos financeiros e planejamentos estratégicos para otimização de resultados, pesquisas como essas, apesar de raras, ganham cada vez mais importância.
O anestesiologista tem papel fundamental nesse cenário devido a capacidade de gerenciamento da utilização dos materiais a serem utilizados durante o procedimento cirúrgico, evitando o desperdício.
REFERÊNCIAS
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3. SOUSA-PINTO B, AZEVEDO L. Avaliação Crítica de um Estudo de Avaliação Económica (Parte II): estudos de custo efetividade e custo utilidade. Revista da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia. 2020; 29(1):18-21
4. Yang Y, Rivera AJ, Fortier CR, Abernathy JH 3rd. A Human Factors Engineering Study of the Medication Delivery Process during an Anesthetic: Self-filled Syrin-ges versus Prefilled Syringes. Anesthesiology. 2016; 124(4):795-803.
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6. Wannemuehler TJ, Elghouche AN, Kokoska MS, Deig CR, Matt BH. Impact of Lean on surgical instrument reduction: less is more. Laryngoscope. 2015; 125(12):2810-5. https://doi.org/10.1002/lary.25407.
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8. Atcheson CLH, Spivack J, Williams R, et al. Preventable drug waste among anesthesia providers: opportunities for efficiency. J Clin Anesth. 2016; 30:24-32. https://doi.org/10.1016/j.jclinane.2015.12.005
9. Rinehardt EK, Sivarajan M. Costs and wastes in anesthesia care. Curr Opin Anesthesiol. 2012; 25:5-221. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/22157199/
Recebido: 24 de janeiro de 2024. Aceito: 28 de março de 2024
Correspondência: Lucas Alcobaça Gomes Machado. E-mail: lucasagmachado@hotmail.com
Conflito de Interesses: os autores declararam não haver conflito de interesses
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