Rev. Adm. Saúde (On-line), São Paulo, v. 23, n. 92: e353, jul. – set. 2023, Epub 30 set. 2023

http://dx.doi.org/10.23973/ras.92.353

 

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Abordagem da obesidade em programas de saúde laboral de empresas vencedoras do 25º Prêmio Nacional de Qualidade de Vida

Approach to obesity in occupational health programs of companies that won the 25th National Quality of Life Award

 

Katia Cristina Santos1, Alberto José Niituma Ogata2

 

1. Mestranda em gestão da competitividade. Centro de Pesquisa em Administração em Saúde da Fundação Getúlio Vargas, Escola de Administração de São Paulo, São Paulo SP

2. Doutor em saúde coletiva. Professor da Fundação Getúlio Vargas, Escola de Administração de São Paulo, São Paulo SP

 

 

 

 

RESUMO

Introdução: A obesidade é um problema de saúde global com grande impacto social e econômico. Os sistemas de saúde têm buscado alternativas para a abordagem da obesidade e do excesso de peso. Neste contexto, as empresas têm um papel importante para apoiar os trabalhadores em seus esforços para o controle do peso e prevenção das condições crônicas. Objetivo: avaliar programas de saúde organizacional apresentadas pelas empresas vencedoras do 25º Prêmio Nacional de Qualidade de Vida da Associação Brasileira de Qualidade de Vida (PNQV), no que se refere à oferta de atendimento de serviço de saúde para prevenção e enfrentamento da obesidade. Metodologia: Foi realizada entrevista com a coordenadora do Prêmio e foram analisados os materiais apresentados (vídeos) pelas 15 empresas vencedoras. Resultados: Das 15 empresas, 12 citaram a Atenção Primária como condutora dos seus programas de saúde. Onze empresas citaram a oferta de subsídio para práticas de atividades físicas. As empresas que relataram programas específicos para obesidade foram: Fundação Copel, CCR, Greenbier e DASA. As quatro empresas que ofereceram programas de obesidade também têm como condutor de seus programas a Atenção Primária, além de ambulatório de especialidades, programas de doenças crônicas e subsídio para atividades físicas. Conclusão: As empresas laureadas com o 25º PNQV possuem atividades relacionadas ao estilo de vida saudável, particularmente integrado à saúde ocupacional, ainda que careçam de ações mais estruturadas relacionadas à obesidade, incluído o monitoramento de seus desfechos. 

Palavras-chave: Obesidade. Desenvolvimento Sustentável. Saúde ocupacional. Programa de saúde.

 

ABSTRACT

Introduction: Obesity is a global health problem with a major social and economic impact. Health systems have been looking for alternatives to address obesity and overweight. In this context, companies have an important role to play in supporting workers in their efforts to control weight and prevent chronic conditions. Objective: The aim of this study is to evaluate presentations prepared by the winning companies of the 25th National Quality of Life Award of the Brazilian Quality of Life Association (PNQV), with regard to the provision of programs to prevent and tackle obesity. Method: An interview was conducted with the coordinator of the award and the materials (videos) of the 15 winning companies were analyzed. Results: 12 cite primary care as the driver of their health programs. Eleven companies mention offering subsidies for physical activity in their material. The companies that report specific obesity programs are Fundação Copel, CCR, Greenbier and DASA. The four companies that offer obesity programs also have primary care as the core of their programs, as well as specialty outpatient clinics, chronic disease programs and subsidies for physical activity. Conclusion: It can be concluded that the companies awarded the 25th PNQV have activities related to healthy lifestyles, particularly integrated with occupational health, although they lack more structured actions to monitor outcomes

Keywords: Obesity. Sustainable development. Occupational health. Health program.

 

 

 

INTRODUÇÃO

A prevalência de doenças crônicas não transmissíveis vem ascendendo no Brasil, sendo a principal causa de morte em adultos. A obesidade é um dos fatores de maior risco, sendo importantes a prevenção e diagnóstico precoce para reduzir a morbidade e a promoção da saúde1. O excesso de peso e a obesidade são fatores de risco conhecidos para uma variedade de doenças crônicas, como o câncer, o diabetes ou as doenças cardiovasculares, as quais, por sua vez, são os principais fatores de despesas em saúde, incapacidade e morte2.

Condições crônicas (cardiovasculares, oncológicas, respiratórias) podem ser prevenidas com a mudança de estilo de vida, sendo que fatores como tabagismo, alimentação inadequada, inatividade física e consumo excessivo de álcool podem ser abordados em ambiente laboral3.

No início dos anos 1980, empresas começaram a oferecer atividades para melhorar a qualidade de vida de seus funcionários, visando melhor desempenho e redução de custos médicos4,5. Empresas têm investido em ações no campo da saúde ocupacional para abordar agravos relacionados ao ambiente físico e psicossocial6.

Programas de saúde e bem-estar têm sido oferecidos por empresas com o principal intuito de estimular a adoção de hábitos saudáveis, prevenindo condições crônicas, evitando comprometimento da produtividade e aumento dos custos operacionais. A implantação desses programas segue em geral metodologia proposta por entidades nacionais, como a Associação Brasileira de Qualidade de Vida (ABQV), ou internacionais. Neste contexto, a ABQV outorga o Prêmio Nacional de Qualidade de Vida (PNQV) às empresas que oferecem os programas mais bem estruturados e apresentam desfechos em saúde pareados com resultados financeiros.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Estudo qualitativo, descritivo, retrospectivo. Inicialmente, foi realizada entrevista virtual com a diretora de certificação da Associação Brasileira de Qualidade de Vida (ABQV) e organizadora do Prêmio Nacional de Qualidade de Vida (PNQV). A entrevista seguiu um roteiro semiestruturado com o objetivo de capturar os critérios da premiação, entender as etapas envolvidas e o perfil das empresas participantes.

Em seguida, foram analisados os materiais (vídeos) enviados pelas empresas classificadas para a etapa final do concurso e submetidos à avaliação de uma banca examinadora. Essa avaliação representou a última etapa de pontuação para a composição do escore final das empresas.

A Comissão do Prêmio Nacional de Qualidade de Vida padronizou as regras para o desenvolvimento dos vídeos, assegurando uma avaliação homogênea da exposição e narração. Cada vídeo seguiu um roteiro predefinido, apresentando seus programas de bem-estar, com uma duração média de 20 minutos.

O material analisado foi organizado de acordo com os objetivos deste estudo (Quadro 1), sendo realizada análise descritiva dos resultados.

 

 

Quadro 1. Perfis dos programas de saúde das empresas vencedoras do PNQV.

Fonte: Apresentações das empresas vencedoras do PNQV. Elaborado pela autora, 2023.

 

 

RESULTADOS

Após compilação e análise das informações extraídas da entrevista e do material oferecido pelas empresas, foram obtidos os seguintes resultados:

        Fundação Copel: Possui programa de gerenciamento de doenças crônicas, incentivo à atividade física e atenção primária à saúde. Tratamento e prevenção da obesidade estão entre os focos do programa.

        Secretaria Econômica do Distrito Federal: Possui programa de bem-estar e segurança no trabalho, com atenção primária até quaternária e monitoramento de indicadores de alerta em relação a condições crônicas.

        CCR: O programa "Viva Bem" é dividido em várias áreas e oferece programas para saúde e bem-estar, inclusive prevenção e tratamento da obesidade.

        Disney Brasil: Possui programa denominado "Wellness", focando bem-estar físico, emocional, financeiro e social, incluindo tratamento de condições crônicas de saúde, como a obesidade.

        Greenbier: Oferece programas preventivos, terapêuticos e nutricionais, monitorando doenças crônicas e incentivando hábitos saudáveis.

        Petrobrás: Seu programa "Compromisso Com A Vida" inclui foco em saúde e bem-estar, com ações específicas e comitês de saúde para cuidados assistenciais e preventivos.

        Ifood: O programa denominado “iFOS,1.0" aborda qualidade de vida, flexibilidade e bem-estar, com ações de saúde geral, sem foco específico na obesidade.

        Oracle: Seu projeto "Well being all about you Harmony" enfatiza saúde mental, ações culturais, esportivas e nutrição, com foco na saúde ocupacional.

        Dasa: Possui programas de prevenção e tratamento em várias áreas, incluindo obesidade, com uso de inteligência artificial e monitoramento.

        Cielo: O programa "De bem com a vida" foca em prevenção, autocuidado e gestão integrada de saúde, com acompanhamento de um Comitê de Saúde.

        Grupo Marista: Seu programa "Bem-estar Marista" inclui ações de saúde ocupacional e geral, mas não menciona dados específicos sobre obesidade.

        Hospital Adventista de Manaus: Seu programa denominado HamarH envolve prêmios, atividades e campanhas relacionados à qualidade de vida e sustentabilidade.

        Accenture: O programa "Fique Bem" promove desenvolvimento pessoal, saúde e sustentabilidade, mas não fornece detalhes sobre as ações realizadas.

        Abbott: O programa "Vida Plena" foca em consultas médicas periódicas, prevenção e tratamento por meio de clínica integrada e saúde ocupacional.

 

A maioria das empresas citou a Atenção Primária em Saúde (APS) como condutor de seus programas, com foco na prevenção de doenças crônicas. Além disso, várias empresas mencionaram metas para práticas de ESG (Environmental, Social, and Governance) até 2030, alinhando-se com os ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) da Organização Mundial de Saúde (OMS). Quatro empresas incluíram programas específicos para tratamento da obesidade em seus programas, destacando a relevância da saúde e bem-estar em seus ambientes corporativos.

 

DISCUSSÃO

A questão do excesso de peso, e suas repercussões no campo da saúde, é relevante e deve fazer parte do planejamento estratégico dos programas de saúde e bem-estar no ambiente corporativo. A obesidade é tema estratégico para as organizações, considerando-se que os dados recentes da Vigitel evidenciam prevalência média de excesso de peso de 59,9% em homens e 55% em mulheres7. Adicionalmente, a correlação comorbidade-obesidade é destacada, evidenciando-se as taxas médias de hipertensão de 27,1% em mulheres e 25,4% em homens.

Neste contexto, vale observar uma abordagem da hipertensão notavelmente mais expressiva nos programas das empresas vencedoras do 25ª Prêmio Nacional de Qualidade de Vida (PNQV), assim como ênfase na Atenção Primária em Saúde (APS). Esta prevê a abordagem de condições crônicas, seja na prevenção ou no manejo. A maioria das empresas vencedoras adota a APS como base para seus programas de saúde e bem-estar, embora somente quatro possuam programas específicos para a obesidade. Este é um resultado importante e preocupante, haja vista os múltiplos fatores que contribuem para a obesidade, intrínsecos e extrínsecos, genéticos, emocionais, metabólicos e socioeconômicos8. Estudo recente identificou pesquisadores mais referenciados em promoção de saúde e saúde ocupacional, dentre os quais muitos abordaram temas de hipertensão, diabetes e obesidade9.

O tema também lança luz sobre a relação entre a aplicação de práticas Environmental, Social and Governance (ESG) nas empresas e os impactos financeiros e na saúde dos colaboradores. Apesar do ESG ser reconhecido como uma tendência, sua implantação em programas de saúde ainda carece de um roteiro claro10,11.

 

CONCLUSÃO

Estudos epidemiológicos têm demonstrado a relevância da obesidade como fator de risco para doenças crônicas e a sua prevalência crescente exige esforço integrado de toda a sociedade.

Indicadores, como o índice de massa corpórea, podem ser utilizados no rastreamento do excesso de peso nos exames periódicos de saúde e nas consultas de rotina nos ambulatórios da organização. A abordagem deve ser multiprofissional, envolvendo a nutrição, a psicologia, o serviço social, além da medicina de família e comunidade.

As informações prestadas pela amostra de empresas vencedoras do 25º PNQV demonstraram a necessidade de uma abordagem mais estruturada e integral para o enfrentamento da obesidade nas empresas. Esta abordagem deve ser multissetorial, incluindo a Atenção Primária em Saúde, a saúde ocupacional e os programas de bem-estar. Ela não deve ser restrita à área da saúde, devendo envolver diferentes setores da empresa, como recursos humanos, comunicação, tecnologia, com importante apoio da liderança.

No tocante à adoção de modelos lógicos de programas de saúde e bem-estar, sugere-se a adoção do Modelo de Ambiente de Trabalho Saudável da Organização Mundial da Saúde, que abrange riscos físicos e psicossociais, promoção de comportamentos saudáveis e determinantes sociais e ambientais mais amplos12. Além disso, alinhar as práticas da empresa com os princípios do SUS e implementar estratégias como Atenção Primária, prevenção de doenças relacionadas ao trabalho e promoção da saúde integral são essenciais.

Para finalizar, uma opção de suporte e apoio a indivíduos obesos seria a inclusão da coleta do IMC nos exames periódicos de saúde e o seu monitoramento ao longo do tempo.

 

LIMITES DO ESTUDO

Destacam-se duas limitações deste estudo: (1) seria necessário entrevistar os responsáveis pelos programas de cuidado dos colaboradores obesos nas quatro empresas vencedoras do Prêmio que informaram possuir programa voltado ao tema. Isto permitiria analisar com maior profundidade tais programas; (2) seria importante mensurar o engajamento do próprio colaborador neste tipo de iniciativa e os resultados obtidos. Novos estudos poderão oferecer essas contribuições.

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

1.    Brasil, Ministério da Saúde. Cadernos de Atenção Básica: obesidade. 2006, nº 12, p. 1-110.

2.    Polednak AP. Estimating the number of U.S. incident cancers attributable to obesity and the impact on temporal trends in incidence rates for obesity-related cancers. Cancer Detect Prev. 2008; 32(3):190–199. Disponível em:  https://doi.org/10.1016/j.cdp.2008.08.004. Acesso em 11 de abril de 2023.

3.    Goetzel RZ, Pei X, Tabrizi MJ, Henke RM, Kowlessar N, Nelson CF, Metz RD. Ten modifiable health risk factors are linked to more than one-fifth of employer-employee health care spending. Health Aff (Millwood). 2012 Nov; 31(11):2474-84. https://doi.org/10.1377/hlthaff.2011.0819. PMID: 23129678. Acesso em 11 de abril de 2023.

4.    Cruz DKA, Nóbrega AA. Montenegro MMS, Pereira VOM. The Sustainable Development Goals and data sources for monitoring goals in Brazil. RESS. 2022; 31:1-8. Disponível em:   https://www.scielo.br/j/ress/a/X6fCx5KZxNwsx69xttRBpPy/?format=pdf&lang=en. Acesso em 11 de abril de 2023.

5.    Dias EC, Almeida IM. Doenças relacionadas ao trabalho: manual de procedimentos para os serviços de saúde. Ministério da Saúde; Organização Pan-Americana da Saúde no Brasil. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2001.

6.    National Center for Disease Control and Prevention - National Center for Health Statistic. Disponível em: www.cdc.gov/nchs/products/nhsr.htm. Acesso em 11 de abril de 2023.

7.    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis. Vigitel Brasil 2021: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico: estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2021. Brasília: Ministério da Saúde; 2021. Dispon128. : il. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/svsa/vigitel/vigitel-brasil-2021-estimativas-sobre-frequencia-e-distribuicao-sociodemografica-de-fatores-de-risco-e-protecao-para-doencas-cronicas . Acesso em: 11 de abril de 2023.

8.    Fernandes NG, Costa FN. Impact of the growing number of cases of obesity on public health: a review. Res., Soc. Dev. 2022; 11(3):e173111638085, 2022. DOI: 10.33448/rsd-v11i16.38085. Disponível em: https://rsdjournal.org/index.php/rsd/article/view/38085.  Acesso em 11 de abril de 2023.

9.    Terry PE. The "Best of 2021 List" of Health Promotion Researchers. Am J Health Promot. 2022 Feb; 36(2):232-235. https://doi.org/10.1177/08901171211073204. Epub 2021 Dec 28. PMID: 34963340.  Acesso em 11 de abril de 2023.

10. Abate G, Basile I, Ferrari P. The level of sustainability and mutual fund performance in Europe: An empirical analysis using ESG ratings. Corp. Soc. Responsib. Environ. 2021; 28(5):1446– 1455. Disponível em:  https://doi.org/10.1002/csr.2175 . Acesso em 11 de abril de 2023.

11. Billio M, Costola M, Hristova I,.Latino C, Pelizzon L. Inside the ESG ratings: (Dis)agreement and performance. Corp. Soc. Responsib. Environ. 2021; 28(5): 1426-1445, 2021. Disponível em:  https://doi.org/10.1002/csr.2177. Acesso em 11 de abril de 2023.

12. WHO (Word Health Organization). Healthy workplaces: a model for action for employers, workers, policy makers and practitioners. WHO Library Cataloguing-in-Publication Data. 2010. Disponível em:  https://www.who.int/publications/i/item/9789241599313. Acesso em 11 de abril de 2023.

 

 

 

 

Recebido: 25 de agosto de 2023. Aceito: 30 de setembro de 2023

Correspondência: Alberto José Niituma Ogata.  E-mail: albertoogata@gmail.com

Conflito de Interesses: o autor declarara não haver conflito de interesses

 

 

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