Rev. Adm. Saúde (On-line), São Paulo, v. 23, n. 91: e346, abr. – jun. 2023, Epub 28 jun. 2023

http://dx.doi.org/10.23973/ras.91.346

 

 

PERSPECTIVA

 

A liderança digital: competência do líder moderno

Digital leadership: competence of the modern leader

 

Raimundo Nonato Diniz Rodrigues Filho1, Lídia Guimaraes Morais2, Evandro Tinoco Mesquita3

 

1. Médico. Diretor de Práticas Assistências do Hospital do Coração Anis Rassi, Goiânia GO

2. Enfermeira. UNIALFA, Goiânia GO

3. Médico. Docente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Administração da UNIALFA, Goiânia GO

 

 

 

 

 

INTRODUÇÃO

O modelo clássico de um chefe focado no comando-controle, atuando recompensando ou punindo os seus comandados, tem gerado uma experiência anacrônica de gestão do capital humano e de construção de um ambiente de segurança psicológica, colaborativa e de inovação, hoje fundamentais na área da saúde.

No passado, líderes da saúde, frequentemente eram médicos, exemplos de lideranças carismáticas e empreendedoras, enquanto no setor público, sanitaristas e médicos assistenciais experientes lideravam as instituições. Nas últimas 5 décadas, a saúde tem sido uma área em que, custos crescentes, aceleradas mudanças demográficas e epidemiológicas e a atração de investidores privados têm promovido imensas transformações, além disso, o paciente se deslocou de uma posição “passiva” para o papel central e proativo ¹. O papel das lideranças executivas, assistenciais e dos setores de “apoio” ao cuidado clínico, passou a se tornar prioritário nas instituições de saúde que, também direcionaram o foco principal para a segurança do paciente.

No ano de 2010, foi discutido na ANAHP (Associação Nacional dos Hospitais Privados), a importância do desenvolvimento de lideranças médicas e de gestão do corpo clínico, como indispensáveis para entrega de resultados assistenciais de excelência e de entrega de valor para o paciente e para o sistema de saúde. Ao longo de uma década sabe-se que é indispensável a integração entre modelos de liderança como:

(i)            liderança transformacional;

(ii)          liderança servidora na saúde (modelo de dupla camada);

(iii)         liderança digital, para o enfrentamento dos atuais cenários de saúde, o que foi acelerado na pandemia do covid-19 ³.

A pandemia impulsionou a importância do novo líder, horizontalizando os processos de governança, a relevância das boas práticas de segurança assistencial, o cuidar da saúde física e mental dos membros das suas equipes, o gerenciar e tomar decisões embasados em dados e de tolerar ambientes de grandes incertezas características do Líder Digital 4.

As escolas tradicionais de negócios e administração, em seus cursos de M.B.A., sempre olharam para o líder executivo da saúde como os outros líderes do mercado - empreendedores, ou seja, com grande ênfase nas competências gerenciais, na implementação do planejamento estratégico, maximizando o lucro e direcionados à eficiência operacional e à cultura da satisfação do cliente. No entanto, a assistência à saúde tem assistido uma profunda mudança de prioridades desse líder para entregar um cuidado de alto valor, a partir da formação e desenvolvimento de suas equipes de alto desempenho 5, 6.

Esse novo cenário promoveu a mudança da governança das organizações com conselhos de administração, profissionalização e da priorização de desenvolver seus líderes a partir de programas institucionais para formação de melhores lideranças para os “novos tempos” (Figura 1). O sistema de saúde inglês (NHS) é um excelente exemplo disso e está implementando uma plena capacitação da sua força de trabalho para transformação digital 7.

 

Diagrama

Descrição gerada automaticamente

Figura 1. Novos e atuais desafios da liderança nas organizações de saúde.

 

Apesar desse movimento e necessidade, a saúde no Brasil é um setor que continua, predominantemente, ANALÓGICO e com inúmeras dificuldades, no dia a dia. Implantar o prontuário eletrônico e troca eletrônica das informações dos pacientes, por exemplo, mesmo diante de tão intensas e rápidas mudanças promovidas pela transformação digital.

A pesquisa do Colégio Brasileiro de Executivos da Saúde (CBEXs) identificou em 2021 que para 74% dos líderes, a pandemia acelerou as transformações digitais em suas organizações. Esse novo modelo de liderança, ainda em construção, tem em suas missões fomentar a discussão sobre a potente combinação entre o protagonismo e a influência de gestores e líderes, os ativos digitais das organizações e o desenvolvimento de pessoas como estratégia para alcançar mais rapidamente eficiência, sustentabilidade e o impacto econômico desejados nas organizações de saúde, no contexto da transformação e melhoria. A gestão desses ativos gera valor para o paciente ao trabalhar com dados, construindo novas informações e conhecimentos para a instituição e para a cadeia da Saúde 4. Portanto, o líder digital também deve interagir e aprender com a cultura, entender e se relacionar com as startups e utilizar metodologias ágeis, aprendendo a reagir rápido às mudanças presentes no ambiente da saúde.

O “novo paciente” tem acesso às informações, o paciente 4.0 vai também acelerando as mudanças no caminho da transformação dos serviços de saúde. Entender essas novas e crescentes demandas, torna-se crítico para adquirir e reter seus clientes. A jornada digital do paciente passa a ser construída e monitorada, removendo retrabalho pelos profissionais da instituição e a sensação de perda de tempo e desorganização pelo paciente 4.

A liderança digital, portanto, é um modelo em desenvolvimento para formação de novos líderes, representa um conjunto de competências ou capacidades que busca acelerar as transformações desejáveis com apoio dos novos atributos ou ativos digitais das pessoas e organizações, buscando melhores desfechos, redução de eventos, menores custos, oferta de uma experiência única e uma melhor jornada do paciente, facilitando acesso e ampliando a comunicação entre os diferentes profissionais. Isso tudo compõe o que chamamos de ativo digital.

Entende-se por ativos digitais todo componente digital de uma organização que gera valor para clientes e colaboradores e lucratividade para acionistas, como por exemplo, sua estratégia de relacionamento, conteúdo, geração de dados e informações, serviços e produtos a partir ou através das tecnologias digitais. Nutrir e gerenciar adequadamente estes ativos amplia os pontos de contato entre organização, colaboradores e clientes, consolida a marca e extrapola o alcance geográfico e variedade de oferta de serviços e produtos, que agora podem ser digitais em parte ou no todo.

Ao lado disso, metodologias ágeis de gestão e solução de problemas serão cada vez mais empregadas para melhorar os projetos e dar velocidade as transformações e a tomada de decisão dos líderes. Este modelo também passa por apoiar a inovação no contexto do trabalho, desenvolvendo um ambiente em direção ao mindset de crescimento exponencial, oferecer práticas de mentoria e estímulo às pessoas na ponta, captando soluções criativas de forma aberta e colaborativa 4.

Nesse sentido, torna-se mandatório ao líder atual conduzir pessoas (ou ele mesmo transitar) pela linguagem do mundo da tecnologia da informação e da comunicação, da internet, das inovações e dos aplicativos, entendendo e conhecendo como extrair e aplicar o melhor uso destas ferramentas tecnológicas no cotidiano da instituição, visando à melhoria da performance e produtividade, eficiência nas decisões e ao alinhamento estratégico das atividades cotidianas aos objetivos do negócio 7. É necessário desenvolvimento de novas habilidades e competências.

Um conjunto de habilidades e competências são muito importantes para o líder digital na saúde, as quais vêm sendo consolidadas em diferentes publicações 4:

  1. Visionário com mentalidade de crescimento exponencial – O líder digital, a partir de um propósito bem definido e diligente, tem a capacidade de antever cenários em evolução, avistar novas possibilidades de negócio e elencar soluções para problemas complexos com o modo digital e exponencial de pensar.
  2. Aprendiz conectado – Líderes digitais têm sede por aprender e reaprender o que traz resultado e impacta a vida das pessoas neste cenário digital. Investe seu tempo em conectar-se com mentores, comunidades inovadoras, é um usuário ativo de ferramentas digitais que lhe permitem desenvolver a destreza necessária.
  3. Facilitador e mentor – Horizontalizar a relação a partir do entendimento de que o conhecimento e as informações estão distribuídos pela organização, necessitando de regência e facilitação para que sejam estruturados numa direção comum.
  4. Criativo e designer – As lideranças digitais percebem que podem desenhar e criar novos projetos nunca antes imaginados, por conta das limitações do mundo analógico e presencial. Investe seu tempo pensando e desenhando a entrega de um futuro possível na era digital.
  5. Eficiente e guiado por dados – Entender que na era digital a eficiência anda ao lado do uso de dados é o primeiro passo. A liderança digital baseia sua atuação em dados e fatos concretos, gerados pela estruturação de sua operação. No entanto, em nenhum momento deixa de lado a experiência e intuição humanas.
  6. Incorpora metodologias ágeis para a inovação – O líder digital impacta em como as novas ideias são desenvolvidas, validadas, então, em protótipos de viabilidade mínima e lançadas no mercado. A experimentação rápida e menos custosa, com base no aprendizado contínuo, permite que a inovação seja vista de forma mais leve e atrativa.
  7. Focado nas necessidades, comportamentos e “dores” de pacientes e suas redes – Na era digital, são as redes de clientes que direcionam as mudanças e não mais os mercados de massa. Clientes se conectam e interagem dinamicamente, mudando as relações entre si e com as empresas: descobrem, avaliam, comentam, usam os produtos e serviços a partir de ferramentas digitais.
  8. Obsessão pela segurança dos dados e privacidade – A maneira como empresas geram, armazenam e processam informações é outra na era digital. Ferramentas de big data e inteligência artificial fornecem condições para que as companhias façam previsões e antecipações de cenários e padrões indesejados. Com isso, a obsessão pela manutenção ampla da segurança destas informações pessoais e/ou sensíveis surge como algo nunca visto, pela possibilidade de vazamentos, roubos e uso inadequado em larga escala.

Desta forma, a saúde do nosso país apresenta uma grande oportunidade para transformação digital e um novo modelo de líder. Aquele que utiliza de ciências de dados e inteligência artificial para melhorias de processos, ampliação da capacidade preditiva e incorporação de metodologias ágeis nos projetos e na busca da solução de problemas organizacionais. Essas são características fundamentais desse novo mindset digital, um elemento fundamental, a estar presente nas referências organizacionais compondo a chamada liderança digital.

 

 

REFERÊNCIAS

 

1.    Patrnchak JM. Implementing servant leadership at Cleveland Clinic: a case study in organizational change. Servant Leadership: Theory & Practice, 2015; 2(1): 36-48.

2.    U.S, News Best Hospitals. Cleveland Clinic. Published 2018. Available online at: http://health.usnews.com/best-hospitals/area/oh/cleveland-clinic-6410670/rankings. Accessed January 18, 2019.

3.    Trastek VF, Hamilton NW, Niles EE. Leadership models in health care — a case for servant leadership. Mayo Clinic Proceedings. 2014; 89(3): 374-381.

4.    Constancio TI. Siqueira I. Balestrin F.  Manual do Gestor Hospitalar - Federação Brasileira de Hospitais. Capítulo 6 - Liderança Digital na Saúde. Pag.98-109. Brasília, 2021.

5.    Cosgrove, T. The Cleveland Clinic Way: Lessons in Excellence from One of the World's Leading Health Care Organizations. Ed. McGraw Hill; 1ª edição 2014.

6.    Fraher EP, Fried Bi. Health-care workforce. In: Chronic Illness Care: Principles and Practice. New York, NY: Springer International Publishing; 2018: 527-536. https://doi.org/10.1007/978-3-319-71812-5_43. Accessed January 21, 2019.

7.    Topol E. Preparing the healthcare workforce to deliver the digital future Internet. NHS Health Education England. 2019 Feb. https://topol.hee.nhs.uk/wp-content/uploads/HEE-Topol-Review-2019.pdf [accessed 2019-06-22].

 

 

 

Recebido: 11 de abril de 2023. Aceito: 28 de junho de 2023

Correspondência: Raimundo Nonato Diniz Rodrigues Filho.  E-mail: nonatofilho@yahoo.com.br

Conflito de Interesses: o autor declarara não haver conflito de interesses

 

 

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