Rev.
Adm. Saúde Vol. 17, Nº 68, Jul.
– Set. 2017
http://dx.doi.org/10.23973/ras.68.41
ARTIGO
ORIGINAL
Levantamento
dos mecanismos de defesa
dos profissionais de enfermagem frente à
deterioração das condições
de trabalho
Survey
of the defense mechanisms of nursing professionals in the face of
deteriorating
working conditions
Denílson
Aparecida Leite Freire1 , Marisa Aparecida Elias2
1.
Administrador e
Psicólogo. Docente da Faculdade de Gestão e
Negócios da Universidade Federal de
Uberlândia
2.
Psicóloga. Docente
da Faculdade Pitágoras de Uberlândia
RESUMO
O
objetivo desse trabalho foi investigar quais os
principais mecanismos de defesa são utilizados pelos
profissionais de
enfermagem para lidarem com a deterioração das
condições do seu trabalho. Foi realizada
uma pesquisa qualitativa, por meio de entrevistas semiestruturadas, aos
profissionais que atuam em um hospital escola da região do
triângulo mineiro. Observou-se
que a deterioração ocorre principalmente pela
inexistência de equipamentos
adequados, devido à rotina intensa de trabalho e
à excessiva carga horária de
trabalho. Apurou-se, também, que uma das fontes que alimenta
a formação dos
mecanismos de defesa é o caráter de
devoção, abnegação e de
assistência, sendo
uma herança dos tempos iniciais de
formação dessa profissão. O mecanismo
de
defesa mais utilizado é o da negação
que consiste na recusa
consciente para perceber fatos perturbadores. Ela retira
do indivíduo não só a
percepção necessária para lidar com os
desafios externos,
mas também a capacidade de valer-se de
estratégias de sobrevivência adequadas.
Torna-se necessário, assim, que a profissão deixe
de ser vista apenas como um
processo "artístico" para ser vista como uma
profissão qualquer que
valorize seus profissionais. Espera-se que esse estudo possa contribuir
para o
entender como esses profissionais lidam com a
deterioração do trabalho e como
estruturam seus mecanismos de defesa, afim de que eles possam repensar
o
caráter de devoção e
abnegação da profissão, vendo-os como
parte do trabalho,
mas não como um fim, podendo buscar seu empoderamento dentro
das organizações
de saúde.
Palavras-chave:
Ambiente de trabalho.
Profissionais de enfermagem.
Psicologia aplicada.
ABSTRACT
The
objective of this study was to investigate the main defense mechanisms
used by
nursing professionals to deal with the deterioration of the conditions
of their
work. A qualitative research was carried out, through semi structured
interviews to the professionals who work in a school hospital in the
denominated state of "Minas Gerais", Brazil. It was observed that the
deterioration occurs mainly due to the lack of adequate equipment, due
to the
intense work routine and the excessive working hours. It was also found
that
one of the sources that feed the formation of the defense mechanisms is
the
character of devotion, self-denial and assistance, being an inheritance
of the
initial times of formation of this profession. The most commonly used
defense
mechanism is denial consisting of conscious refusal to perceive
disturbing
facts. It removes from the individual not only the insight necessary to
deal
with external challenges, but also the ability to avail themselves of
adequate
survival strategies. It is therefore necessary that the profession is
no longer
seen as an "artistic" process to be seen as any other profession that
values its professionals. It is hoped that this study may contribute
to the
understanding of how these professionals deal with the deterioration of
work
and how they structure their defense mechanisms so that they can
rethink the
character of devotion and self-denial and see it as part of the work
process,
but not as an end and that can seek their empowerment within health
organizations.
Keywords: Work environment. Nursing professionals. Applied
psychology.
INTRODUÇÃO
Autores
como Pitta (1991), Aquino (1996), Silva (1998)
e Lopes (1992) confirmaram o hospital como local privilegiado para o
adoecimento.
O sofrimento psíquico, relata Pitta (1991), inerente ao
trabalho no âmbito
hospitalar, é comum a todos os profissionais que
lá atuam.
Os
profissionais de enfermagem, historicamente, são
caracterizados pela abnegação e devotamento ao
próximo. São preparados a
auxiliar na recuperação dos pacientes, mas
não a se preocupar com seu próprio
cuidar. Aquino et al. (1993), conclui que a saúde deste
grupo ocupacional se
caracteriza por alta prevalência de problemas agudos e
crônicos que podem
refletir na ocorrência de transtornos mentais, tipo ansiedade
e depressão. Os
horários atípicos exigidos pelo hospital, turnos
alternados, plantões, cargas
físicas no constante deslocamento para conduzir pacientes, o
manuseio de cargas
pesadas (pacientes e materiais); a insalubridade, riscos infecciosos,
parasitários e tóxicos decorrentes da pouca
infraestrutura são outros problemas
no trabalho hospitalar. E ainda, varizes, problemas de coluna,
lombalgias,
paralisias, dores, nervosismo, estresse e ansiedade aparecem como
problemas de
saúde comuns.
Para
lidar com toda essa deterioração das
condições de
trabalho, esses profissionais podem desenvolver mecanismos de defesa
capazes de
fazê-los suportar tais situações
adversas. Ignatti (2012) afirma que esse
profissional acaba por desenvolver diversas estratégias de
enfrentamento, sugerindo
uma relação mitológica, da jornada do
herói ora salvador, ora mártir, marcado
pelo histórico de cunho subserviente e religioso da
profissão, gerando
principalmente comportamentos defensivos de isolamento,
negação/despersonalização e
sublimação entre outros, que perturbam as
relações
de trabalho e prejudicam a vida pessoal, familiar e social.
Esse
artigo visou identificar os principais mecanismos
de defesa utilizados por profissionais de enfermagem para lidar com a
dor e
sofrimento inerentes a esta atividade laboral. O ponto de partida foi
pesquisa qualitativa
realizada por Elias (2006), que buscou relacionar o trabalho e a
saúde destes
profissionais, mostrando o uso intensivo de mecanismos de defesa. Sendo
assim,
o presente estudo buscou revisitar o mesmo objeto, transcorridos dez
anos do
primeiro estudo. Visando elencar os principais mecanismos de defesa
utilizados
pelos profissionais de saúde de um hospital escola, foi
realizada uma pesquisa
quantitativa com o intuito de confirmar a frequência,
intensidade e
interferência de tais mecanismos no labor desses
profissionais. Espera-se que
esse artigo traga uma melhor percepção de como
esses mecanismos se estruturam a
fim de contribuir para minimização dos impactos
da deterioração das
condições
de trabalho na saúde desses profissionais.
Referencial
teórico
O
hospital, como instrumento terapêutico, é uma
invenção da modernidade. De acordo com Foucault
(1984), a “consciência de que o
hospital pode e deve ser um instrumento destinado a curar aparece
claramente em
torno de 1780”. Antes dessa
transformação, os hospitais eram locais
destinados
à higienização da sociedade, um lugar
estigmatizado pela exclusão social, onde os
pobres iam morrer. Não existia a presença
médica, cabendo ao pessoal do
hospital o acompanhamento desses sujeitos até a morte. Aos
ricos cabia a visita
e intervenção médica, demarcando o
caráter individualista da classe médica,
destinada ao atendimento domiciliar da classe dominante.
Portanto,
o hospital era essencialmente uma instituição
de assistência aos pobres, para recolhê-lo e
proteger aos outros do perigo que
ele traz à sociedade. O pobre é alguém
que deve ser assistido materialmente e
espiritualmente, cabendo-lhe, apenas, receber os últimos
cuidados. Assim, os
indivíduos que trabalhavam no hospital não tinham
como objetivo a cura, mas
obterem as suas salvações eternas por meio da
caridade (Foucalt, 1984).
Percebe-se
que, historicamente, a enfermagem está
ligada, desde suas origens, a essa noção de
caridade, sendo seus primeiros
executores, pessoas ligadas à igreja ou leigos praticantes
dessa atitude. Esses
primeiros cuidadores estavam, então, marcados pela
abnegação, obediência,
dedicação e devotamento. “Cuidar
de
doentes é como garantir junto a Deus a remissão
dos pecados” (Rodrigues,
2001, p. 78) e essa visão de devotamento por parte
desses profissionais e da sociedade persiste na contemporaneidade.
A
reorganização do hospital para uma
prática de
recuperação se deu pela necessidade capitalista,
ou seja, instrumentalizar os
hospitais militares visando a cura dos soldados, mão de obra
que se tornou
essencialmente cara graças à necessidade de
qualificação desses para manuseio
de armas mais sofisticadas. E essa reorganização
se deu pela disciplina, que
segundo Foucalt (1984, p. 103) “é uma
técnica de
poder que implica uma vigilância perpétua e
constante dos indivíduos.” Os
espaços físicos foram reorganizados, nasceu,
então, a hierarquização de
funções
e o médico passou a ser o principal responsável
pela organização hospitalar e
passou-se a exigir profissionais qualificados. Foram criadas, assim, as
funções
de auxiliares, técnicos e enfermeiros, focando, a partir de
então, a
recuperação dos pacientes.
Apesar
de se
tornar um espaço de recuperação, a
visão do hospital como um espaço de
exclusão
e dor ainda persistiu, uma vez que, a partir do
século XX, as pessoas passaram a
cultuar a felicidade como um bem a ser conquistado a qualquer custo.
Com isso,
era preciso eliminar, do cotidiano, todos os eventos que trouxessem
dor. Assim,
percebe-se que nas diferentes famílias não se
morre mais com elas, mas em
hospitais, assim como o velório deixa os lares para ocorrem
em locais próximos
ao sepultamento, tudo com a intenção de diminuir
essas experiências com a
morte, tornado a morte um tabu nos dias de hoje (Caputo, 2008).
Assim,
o hospital ainda é visto como um espaço de dor e
sofrimento. E nesse ambiente que cabe aos profissionais a tarefa de
cuidar do
corpo e da dor outro, muitas vezes em detrimento das suas
próprias limitações (Caputo,
2008).
O
fato de a profissão ser exercida, principalmente, por
mulheres contribui para aumentar as implicações
econômicas sobre essa categoria
de profissionais, visto que historicamente, as mulheres recebem menores
remunerações que os homens. Fonseca (1996, p.71)
comenta que:
“A
força de trabalho é sexuada,
sendo que o próprio trabalho possui gênero. Tal
enfoque permite perceber que a
estrutura patriarcal de nossa sociedade auxilia na tessitura dos campos
ocupacionais, alocando sujeitos em postos mais ou menos valorizados
socialmente, de acordo com seu gênero. O que determina o
trabalho feminino não
é o trabalho tomado a partir de suas exigências
técnicas e de conhecimento, e
sim, a sua posição no ranking de
(des)valorização ocupacional do mercado.
Assim, é o próprio trabalho que passa a ser
apreciado e avaliado de acordo com
os valores sociais atribuídos ao ser homem e ao ser mulher,
não sendo assim,
ela que o desvaloriza: a mulher tem acesso a ele e o executa por ter
ele já se
mostrado desvalorizado como mercadoria.”
Finalmente,
completando o quadro, tem-se que dentro da
própria área de enfermagem observa-se a
hierarquização e as desigualdades de
reconhecimento. Os profissionais de enfermagem parcelam suas
atividades,
dividindo-as entre as mais e menos graduadas. Os atos mais
técnicos e
socialmente mais qualificados herdados da prática
médica ficam com os
enfermeiros propriamente ditas, os que têm nível
superior que; além de executar
as tarefas técnicas, chefiam, coordenam e supervisionam o
trabalho da
enfermagem de nível médio e auxiliares, que por
sua vez, executam o trabalho
menos qualificado, expondo-se mais tempo aos enfermos. As tarefas de
auxiliares
e técnicos são ao mesmo tempo mais intensas,
repetitivas, social e
financeiramente menos valorizadas.
Dessa
forma, esses profissionais estão expostos a
condições de trabalho precárias que,
aliadas às suas condições de vida,
potencializam as possibilidades do adoecimento, levando à
reflexão de que
apesar de cuidarem, poucos conseguem cuidar-se (Brito, 2000).
Uma pesquisa realizada por Elias e Navarro
(2006) analisou sete dimensões sobre
o prazer, sofrimento e adoecimento desses profissionais. As
dimensões
investigadas foram: 1) o adoecer; 2) o tratamento de saúde,
afastamentos,
acidentes de trabalho; 3) a saúde Mental; 4) o ambiente de
trabalho; 5) a
rotina; 6) o trabalho e a saúde e; 7) a qualidade de vida.
Os principais
achados estão descritos no Quadro 1.
Quadro 1 –
Investigação sobre condições de saúde e sofrimento dos enfermeiros.
Dimensão |
Achados
mais importantes |
O
adoecimento |
Negaram
ter problemas de saúde, mas no correr das entrevistas,
acabaram relatando episódios de enxaqueca, stress,
irritação, desgaste físico,
depressão, dores nas pernas, varizes, pressão
alta, como se estes não fossem problemas de
saúde. A automedicação é
bastante comum. |
Tratamento
de saúde, afastamentos e acidentes de trabalho. |
Não
fazem tratamento de longo prazo, alegando não conseguirem
atendimento e/ou falta de tempo para o mesmo. O
desamparo no cuidado à própria saúde
é vivenciado no dia a dia pelo descuido dos colegas de
trabalho que atendem mal quando elas necessitam de socorro. Os
acidentes com objetos perfurocortantes são frequentes, sendo
que todos eles ficaram expostos à material contaminado.
Há uma banalização desses acidentes,
ditos comuns, ora negando os mesmos, ora omitindo. |
Saúde
mental |
Houve
relatos de tratamento psicoterápico em algum momento de suas
vidas. As causas da procura remetem a queixas de depressão e
nervosismo. |
Ambiente
de trabalho |
As
relações entre os colegas de trabalho
são referidas como muito boas, com um discurso de trabalho
em equipe, mas referem-se também a disputas internas,
rivalidades, diferenças de tratamento. As
enfermeiras relatam um ambiente melhor apesar do desgaste. As
técnicas e auxiliares se queixam mais do ambiente e da
diferença de tratamento para quem é concursada e
contratada, uma vez que as contratadas têm salário
menor, e sendo regidas pela CLT são mais pressionadas, com
ameaças de demissão e corte no salário
por atrasos ou faltas. A
diferença entre os funcionários contratados e os
servidores federais é grande no âmbito do
hospital, principalmente no que se refere ao salário. O
envolvimento com os pacientes também é citado
como um importante fator de desgaste emocional, as perdas por morte
são consideradas pontos negativos do trabalho. O
prazer do trabalho, em contrapartida, está na melhora do
paciente, na sensação do trabalho cumprido. |
Rotina |
A
rotina de trabalho das entrevistadas é sempre desgastante
restando pouco tempo para o descanso e o máximo
aproveitamento do tempo no trabalho. |
Trabalho,
o melhor e o pior |
Ao
mesmo tempo em que há uma evidente
idealização do trabalho, há
também a frustração pelo trabalho
não reconhecido, não valorizado. O
‘trabalho de enfermagem’ é preservado
pelas suas características históricas de cuidado
ao outro, as causas da frustração e
insatisfação ficam canalizadas para as
condições de realização do
mesmo. O prazer no trabalho, neste caso, está na
execução de algo valorizado e reconhecido
socialmente. |
Saúde
e qualidade de vida |
O
trabalho é o centro da vida da maioria delas e
não tem sido capaz de proporcionar qualidade de vida. O
lazer acaba se resumindo a dormir ou rezar. |
O
que se observa é que, dada a sua característica
de
abnegação e de servir ao próximo,
esses profissionais acabam por criar
mecanismos de defesa para sobreviverem a um ambiente
precário de trabalho.
Dejours
e Abdoucheli (1994) definem estratégias
defensivas como os mecanismos utilizados pelos indivíduos
para negar ou
minimizar a percepção da realidade que os faz
sofrer. Essas estratégias podem
variar de acordo com a organização do trabalho e,
por este motivo, nas
diferentes categorias profissionais.
De
acordo com Mendes (2007), as estratégias de defesa
são construídas em consenso pela
própria equipe de trabalhadores, estabelecendo
um acordo tácito entre os membros para
manutenção da defesa, evitando que ela
se rompa e afete o equilíbrio gerado pela própria
estratégia.
Essas
estratégias defensivas utilizadas pelos grupos
derivam dos mecanismos de defesa do ego proposto por Freud (1978) e que
são:
Repressão: retirada de
idéias, afetos ou desejos
perturbadores da consciência, pressionando-os para o
inconsciente.
Formação
reativa: fixação
de uma
idéia, afeto ou desejo na consciência , opostos ao
impulso inconsciente temido.
Projeção: sentimentos
próprios indesejáveis são
atribuídos a outras pessoas.
Regressão:
retorno
a
forma de gratificação de fases anteriores, devido
aos conflitos que surgem em
estágios posteriores do desenvolvimento.
Racionalização:
substituição
do verdadeiro, porém assustador, motivo do comportamento por
uma explicação
razoável e segura.
Negação:
recusa
consciente para
perceber fatos perturbadores. Retira do indivíduo
não só a percepção
necessária
para lidar com os desafios externos, mas também a capacidade
de valer-se de
estratégias de sobrevivência adequadas.
Deslocamento:
redirecionamento
de um impulso para um alvo substituto.
Anulação:
através
de uma
ação, busca-se o cancelamento da
experiência prévia e desagradável.
Introjeção:
estreitamente
relacionada com a identificação, visa resolver
alguma dificuldade emocional do
indivíduo, ao tomar para a própria personalidade
certas características de
outras pessoas.
Sublimação: parte da energia investida
nos impulsos
sexuais é direcionada à
consecução de realizações
socialmente aceitáveis.
A
elaboração de mecanismos de defesa é
um recurso do psiquismo para lidar com o
mal estar, sendo assim, originalmente uma forma de evitar a patologia,
porém,
seu uso intensivo, ao invés de ser protetivo, pode
levar ao adoecimento desses profissionais.
Por
exemplo, ao negar um risco de contaminação,
podem-se ter
comportamentos de risco e se expor à mesma. Dejours (1987) ao falar sobre a
psicopatologia do trabalho discute o fato de que a saúde
só é possível a partir
da possibilidade real de cuidar de si e de usufruir da vida, este fato
parece
difícil de ser realizado por quem trabalha no hospital.
Ribeiro
et al. (2012) empreendeu uma pesquisa visando
buscar evidências científicas sobre as formas de
adoecimento pelo trabalho da
enfermagem, bem como as formas para o enfrentamento e
prevenção ao adoecimento
e acidentes de trabalho. Utilizou-se a revisão Integrativa e
a pesquisa foi
realizada em bases de dados eletrônicas na área da
saúde. Foi revelado na
pesquisa, que os trabalhadores da enfermagem apresentam dores lombares,
injúrias musculoesqueléticas, sofrem acidentes
com material perfurocortante,
estresse e tensão no trabalho, sofrem com
poluição ambiental e dermatites. Outro
estudo, conduzido por Souza et al (2011) demonstrou que as queixas de
saúde mais
frequentes estavam relacionadas à postura corporal (dor
lombares, pernas) e à
saúde mental. Entretanto, as
intervenções propostas não traziam
impactos na
solução das formas de adoecimento. Foi percebido,
também, que esses
profissionais, na maioria das vezes, evitam o cuidar-se, dificultando,
ainda
mais, a prevenção do adoecimento,
“(...)
alguns autores tentam implementar formas de
prevenção e estratégias de
enfrentamento para o adoecimento, mas que existe uma
dificuldade muito grande de adesão aos treinamentos, cursos
e intervenções
propostas nos estudos, por parte dos trabalhadores da
saúde.” (Ribeiro et al,
2012, p. 504)
Alguns
pesquisadores interpretam erroneamente esta
evitação como ato inseguro ou descuido, quando na
verdade trata-se de uma forma
extrema de lidar com a vulnerabilidade a que estão
submetidos, é a banalização
do risco. Nesta pesquisa
evidencia-se, assim, outro importante
mecanismo de defesa: a racionalização, fazendo com que esses profissionais, por
lidarem com
saúde, acreditem que não podem e/ou
não estarão doentes, negando, assim, uma
possível realidade, demonstrando a importância de
entender com se estabelece a
dialética entre o cuidar e ser cuidado na
percepção desses profissionais.
MATERIAL
E
MÉTODOS
Tratou-se
de uma pesquisa qualitativa, utilizando-se da
técnica do estudo de caso (Yin, 2005), por meio da
aplicação de entrevistas
semiestruturadas. O formulário de entrevista foi elaborado a
partir da pesquisa
qualitativa realizada por Elias e Navarro (2006) sobre o trabalho dos
enfermeiros
em um hospital escola. O formulário foi dividido em quatro
seções:
- a
primeira, levantando os dados de caracterização
dos entrevistados, propondo um perfil para eles;
- a
segunda, enfocando a percepção dos entrevistados
sobre o ambiente de trabalho;
- a
terceira, levantando a percepção sobre
saúde e qualidade de vida dos profissionais e;
- a
quarta parte constitui-se de um formulário online em que se
buscou avaliar os mecanismos de defesa predominantes na amostra e, para
tal, foram utilizados recursos da estatística descritiva mas
apenas para somatório e médias e que pudessem
balizar as respostas das entrevistas. Foram categorizados oito
possíveis mecanismos de defesa:
negação, anulação,
formação reativa, repressão,
deslocamento, introjeção,
sublimação e
racionalização. O Quadro 2 traz uma breve
descrição das afirmativas que podem constituir
esses mecanismos de defesa dos profissionais de enfermagem e que foram
argumentadas aos profissionais de enfermagem.
Quadro
2 –
Descrição das
afirmativas que se relacionam aos mecanismos de defesa.
Mecanismo |
Variáveis
(afirmativas
retiradas dos depoimentos dos profissionais de enfermagem) |
Negação |
Você
já teve ou tem problemas de saúde que afetaram ou
afetam o seu trabalho. Por
várias vezes, devido a alguma situação
adversa, você já se automedicou. Você
sente que, em alguma situação, evitou demonstrar
que estava doente. Você
sente que não ficará doente tão
facilmente, pois tem uma saúde de ferro. |
Racionalização |
Você
já omitiu pequenos acidentes, como ferir-se com materiais
cortantes, por considerá-los como eventos de pouca
representação. Você
já deixou de oficializar algum acidente que ocorreu durante
o trabalho. Em
várias situações você
preferiu desconsiderar uma situação
desagradável na sua tarefa para evitar um clima negativo de
trabalho. Você
acredita que, por conhecer muito sobre doenças, é
mais cauteloso no exercício da sua
função. |
Introjeção/Alienação |
Você
acredita que para atuar na sua área o perfeccionismo deve
ser uma característica bem valorizada. Você
sente que para atuar na sua área é preciso ter
abnegação e devoção
à causa. Você
acredita que todo profissional de enfermagem deve ter a caridade como
princípio norteador de suas ações. |
Sublimação |
Você
acredita que seu trabalho lhe traz grande
satisfação pessoal, mesmo não tendo
reconhecimento profissional. Você
sente que emprega grande energia para o trabalho e que o resultado lhe
traz paz de espírito e que esse é mais importante
que a remuneração que recebe. Você
sente que é reconhecido, financeiramente e profissionalmente
pela organização. O
prazer do seu trabalho está mais na
recuperação dos pacientes do que na
remuneração percebida. |
Os
dados foram coletados via internet por adesão
espontânea dos profissionais de enfermagem do hospital escola
no período de julho
a agosto de 2015. Foram solicitados que atribuíssem uma nota
de 1 a 5, de
acordo com a escala de Likert, sendo que 1 indicava
discordância total e 5
concordância total. Não se trata aqui de uma
pesquisa quantitativa, mas apenas uma
estratégia para classificar os mecanismos de defesa segundo
a opinião dos
entrevistados. Esses dados serviram para balizar as entrevistas.
RESULTADOS
Foram
pesquisados 14 profissionais de enfermagem. O
Quadro 3 apresenta um breve perfil deles, sendo relevante informar que
todos
são graduados em enfermagem, possuem
remuneração acima de 4,5 salários
mínimos
e trabalham de 36 a 44 horas semanais.
Quadro
3 - Perfil dos pesquisados.
Indivíduo |
Sexo |
Idade |
Estado
civil |
Tempo
de trabalho na área da saúde |
Tempo
de trabalho na empresa atual |
1 |
F |
31 |
Casada |
9
anos |
4
anos |
2 |
F |
62 |
Casada |
43
anos |
33
anos |
3 |
F |
34 |
Casada |
15
anos |
15
anos |
4 |
M |
37 |
Solteiro |
12
anos |
12
anos |
5 |
F |
42
|
Casada |
19
anos |
10
anos |
6 |
F |
32
|
Casada |
11
anos |
9
anos |
7 |
F |
29 |
Casada |
6
anos |
5
anos |
8 |
M |
38 |
Casado |
13
anos |
7
anos |
9 |
F |
55 |
Casada |
33
anos |
6
anos |
10 |
M |
39 |
Casada |
15
anos |
12
anos |
11 |
F |
28 |
Casada |
4
anos |
4
anos |
12 |
F |
34 |
Solteira |
11
anos |
11
anos |
13 |
F |
29 |
Casada |
8
anos |
4
anos |
14 |
F |
41 |
Casada |
16
anos |
11
anos |
Observa-se
que 11 são do sexo feminino e 3 do
masculino, 12 são casados e todos trabalham a mais de 4 anos
na área de saúde,
sendo que há indivíduos com até 43
anos de experiência na área o que contribui
para a consistência das respostas obtidas.
Foi
investigada a opinião dos pesquisados sobre as
condições de trabalho, solicitando que indicassem
se concordam ou não com as
afirmativas, os resultados encontram-se na Tabela 1.
Tabela
1 - Análise da
percepção
das condições de trabalho.
Afirmativas |
Discordam |
Concordam |
Total |
Há
equipamentos adequados para o desempenho das suas atividades |
12 |
2 |
14 |
O
clima de trabalho é adequado para o desempenho das suas
funções |
6 |
8 |
14 |
A
distribuição de tarefas pela chefia é
justa e adequada |
8 |
6 |
14 |
A
carga horária de trabalho é justa e adequada
às suas atividades |
10 |
4 |
14 |
O
relacionamento do líder com os liderados é
satisfatório |
5 |
9 |
14 |
O
relacionamento entre os membros da equipe é
satisfatório |
7 |
7 |
14 |
A
rotina e a intensidade do trabalho são
satisfatórias |
11 |
3 |
14 |
Existe
autonomia para o desempenho das suas atividades |
8 |
6 |
14 |
Observou-se
que os itens de maiores discordância são em
relação à inexistência de
equipamentos adequados (12), à rotina intensa de
trabalho (11) e à carga horária de trabalho (10).
Esses podem ser os principais
estressores no desempenho da atividade desses profissionais,
contribuindo para
a deterioração do trabalho. Para se confirmar
tais resultados, foram feitas
perguntas abertas aos entrevistados sobre as principais desvantagens da
profissão. As principais falas estão resumidas no
Quadro 4.
Quadro
4 - Desvantagem em
ser enfermeiro.
"Condições
inadequadas de trabalho, superlotação dos
serviços de saúde e carga horária
elevada" (Indivíduo 3).
"Pouco
ou
nenhum retorno da equipe" (Indivíduo 5)
"Nenhuma
no momento. gosto do meu trabalho, e depois de anos de
profissão, a experiência
conta muito em todos os aspectos, técnicos, profissionais,
das relações
interpessoais e no próprio cuidado que dispenso aos
pacientes. a assistência de
enfermagem é mais qualificada, pela experiência e
pelo prazer do trabalho de se
fazer o que se ama fazer." (Indivíduo 2)
"Falta
de
reconhecimento profissional, baixos salários e
péssimas condições de trabalho.
(Indivíduo 8)
"Trabalhar
em um ambiente totalmente insalubre e aceitar isso sem protestar."
(Indivíduo
14)
"Falta
de
recursos para implementar medidas que valorizariam as
ações em meu
serviço" (Indivíduo 10).
Em
relação às essas desvantagens,
observa-se que o foco
não está nas pessoas, mas fora, na falta de
reconhecimento e apoio pela organização.
Percebe-se
que as condições de trabalho destacam-se
pelo seu efeito negativo. Porém, as afirmativas que
impactaram positivamente no
trabalho foram o relacionamento com os líderes (9) e com o
clima de trabalho
(8), revelando que as relações entre os pares
podem minimizar as questões de
estruturas e rotinas organizacionais.
Foi
investigada também, a percepção sobre
a saúde e
qualidade de vida. Foi utilizada a mesma estratégia de
indicação de
concordância ou não com os itens pesquisados. Os
resultados encontram-se na
Tabela 2.
Tabela
2 -
Percepção
sobre saúde e qualidade de vida.
Afirmativa |
Discordância |
Concordância |
Total |
Sinto
que o ambiente de trabalho não interfere na minha qualidade
de vida; não é estressante a esse ponto |
13 |
1 |
14 |
Percebo
que sinto prazer na realização das minhas
atividades |
5 |
9 |
14 |
Sinto
que o trabalho interfere diretamente na minha saúde |
5 |
9 |
14 |
Já
adoeci por causa do meu trabalho |
7 |
7 |
14 |
Pode-se
verificar que a maioria concorda em afirmar que
o ambiente interfere na qualidade de vida (13). Por outro lado, sentem
prazer
na atividade. Evidencia-se aqui a primeira
contradição. Diferentemente da
pesquisa realizada em 2003 (Elias, 2003) e publicada em 2006 (Elias e
Navarro,
2006), há percepção de que o trabalho
interfere na saúde mostrando um
reconhecimento do agravo das condições de
trabalho na atualidade. A fim de
verificar quais seriam esses possíveis impactos sobre o
trabalho, foi
questionado aos profissionais de saúde quais eram os
principais problemas de
saúde decorrentes das suas atividades. Os resultados foram
tabulados em números
absolutos, admitindo mais de uma resposta, como pode ser visto na
Tabela 3.
Tabela
3 - Principais sintomas
decorrentes do trabalho.
Sintomas |
Quantidade |
Dor
nas pernas |
10 |
Ansiedade
e irritabilidade |
10 |
Alteração
de humor |
9 |
Insônia |
7 |
Tonturas |
6 |
Enxaquecas
constantes |
4 |
Pressão
alta |
3 |
Queda
de pressão |
2 |
Depressão |
1 |
Desmaios |
0 |
Outros |
3 |
Percebe-se
que a dor nas pernas é um sintoma físico
natural da atividade já que trabalham em pé e
transitando pelos corredores do
hospital. Entretanto, dos três principais sintomas, dois
impactam diretamente
na estrutura psíquica e mental dos entrevistados, que
são a ansiedade e
irritabilidade (10) e alteração do humor (9) que
irão refletir no físico desses
profissionais, principalmente ocasionando insônia (7) e
tonturas (6).
Contudo,
apesar da interferência do trabalho na saúde
dos enfermeiros, 9 dos 14 pesquisados afirmaram que sentem prazer na
realização
das suas atividades. A reflexão é: como pode
esses profissionais afirmar que há
impacto do trabalho sobre sua saúde e ainda assim sentirem
prazer nas suas
atividades? Haverá mecanismos de defesa que diminuam os
impactos da deterioração
das condições de trabalho nesses profissionais?
Para responder a essa pergunta
foi solicitado aos participantes que atribuíssem uma nota de
1 a 5 para as
afirmativas que compõe os possíveis mecanismos de
defesa. Para facilitar o
entendimento da análise utilizaram-se os seguintes grupos:
-
1,0 a 2,4: baixa influência
-
2,5 a 3,4: média influência
-
3,5 a 5,0: alta influência
Em
seguida foi calculada a média das afirmativas por
mecanismos, resultando nos valores expressos na Tabela 4.
Tabela
4 - Média das
afirmativas por mecanismo de defesa.
Mecanismo |
Média |
Negação |
3,81 |
Sublimação |
3,36 |
Introjeção |
3,21 |
Racionalização |
2,86 |
O
principal mecanismo de defesa apurado foi o da
negação
(3,81). Como citado no referencial teórico, a
negação consiste na recusa
consciente para perceber
fatos perturbadores. Ela retira do indivíduo não
só a percepção necessária
para
lidar com os desafios externos, mas também a capacidade de
valer-se de
estratégias de sobrevivência adequadas.
Outro
achado importante é que nenhum dos mecanismos de
defesa pesquisado obteve um valor menor que 2,5, revelando que todos
eles têm
certa influência (forte ou média) sobre esses
profissionais e que devem ser
considerados na pesquisa. Dessa forma, analisando as afirmativas dos
profissionais de enfermagem identificados no Quadro 3, pode-se
relacioná-las
com esses mecanismos de defesa e que estão expressos no
Quadro 5.
Assim,
tem-se que em relação à
negação, ficou
evidenciado, na pesquisa que os profissionais negaram terem problemas
de saúde,
apesar de demonstraram sinais de adoecimento e de recorrerem
à automedicação.
Esta ‘banalização’
é explicada por Pitta (1991) ao afirmar que o adoecer na
sociedade capitalista é vergonhoso, devendo ser
excluído e ocultado, porque
dificulta a produção. Ainda em
relação ao mecanismo de defesa
negação, alguns
pesquisados afirmaram que omitiram acidentes de trabalho,
principalmente com
materiais perfurantes e passaram a agir como se tais acidentes jamais
ocorreram. Para Dejours (1988), nas situações
onde o trabalhador está exposto
constantemente a riscos concretos, a própria coletividade
cria mecanismos de
defesa para evitar a angústia e o medo.
Em
relação ao mecanismo denominado
alienação,
percebeu-se que os profissionais aceitam diferenças de
remuneração e de
trabalho em função da
hierarquização entre auxiliares,
técnicos e graduados em
enfermagem, bem como aceitam (apesar de não concordarem)
pacificamente as
diferenças entre os concursados e contratados. Aceitam tais
diferenças não por
estarem alienados, mas por que temem represálias pela
organização. Outra
característica marcante na alienação
foi que os profissionais pesquisados
demonstraram introjetar na sua rotina, a característica de
perfeccionismo. O
perfeccionismo é uma característica pessoal,
bastante útil num trabalhador para
quem o emprega. Aquino (1996) aponta que no caso do trabalho em
enfermagem, a
organização do tempo caracteriza-se por uma
extrema rigidez, determinada pelo
caráter imprescindível da continuidade da
atenção hospitalar ao paciente, o que
implica a necessidade, mais do que em muitas outras
ocupações, de pontualidade
na troca dos plantões, além do trabalho noturno e
por turno.
Percebeu-se
uma tentativa de sublimação no
comportamento dos pesquisados quando foi revelado que os profissionais
possuem
consciência de que o trabalho pode influenciar sua
saúde, entretanto, sentem-se
realizados com o mesmo, sublimando os aspectos negativos em detrimento
da
valorização pessoal. Porém, quando
há ganho secundário, não é
sublimação, é
apenas uma forma de sentir-se narcisicamente satisfeito. O termo
sublimação já
foi usado por Pitta (1991) e Ferraz e Volich (1998) e afirmam que a
relação
entre o trabalho duro e penoso do hospital e o fato dele ser ao mesmo
tempo
fonte de prazer e realização se justifica pela
possibilidade de realizar atos
valorizados socialmente, dando ao trabalhador uma
sensação de prazer que pode
compensar as frustrações, mesmo que
momentaneamente.
No
trabalho de enfermagem, a sublimação como
estratégia
defensiva é uma tentativa de associar a atividade com as
características de
benevolência da profissão. No entanto, tal
tentativa é fracassada em função das
condições de trabalho e
deterioração das atividades, tornando-se muito
mais um
ato de alienação. Durante as entrevistas, essas
características ficaram
evidenciadas nas falas de alguns participantes, quando questionados
sobre quais
eram as vantagens em se trabalhar como enfermeiro. O Quadro 5 traz
algumas
dessas falas.
Quadro
5 - Vantagens em
ser enfermeiro.
"Reconhecimento
e gratidão dos pacientes" (Indivíduo 4)
"Sinceramente
a vantagem é poder fazer o que gosta, mais infelizmente
não é possível elencar
aqui vantagens em atuar na área da saúde"
(Indivíduo 12).
"Primeiramente
poder ajudar o próximo e pesquisar as várias
patologias para que sejam
erradicadas ou prevenidas precocemente para que os
indivíduos utilizem cada vez
menos o ambiente hospitalar." (Indivíduo 6).
"Cuidar
das
pessoas" (Indivíduo 9).
"Há
pessoal qualificado, que tem vontade de ajudar as pessoas e que venham
dispostas a trabalhar e não estarem na área de
saúde pela remuneração."
(indivíduo 13).
Todas
as vantagens apontadas pelos participantes se
referiam ao cuidado com o outro. Em nenhuma fala foi apontada, como
vantagem, o
sucesso na carreira, ou o retorno financeiro, nada que demonstrasse um
caráter
mais individualista. Isto demonstra o caráter benevolente e
de abnegação, uma
herança secular da profissão, que pode ser
evidenciada pelas falas dos
pesquisados quando questionados sobre quais as principais
características
pessoais para se trabalhar na área de saúde. E
esse trabalho, visto dessa
forma, pode estar influenciando a manutenção de
mecanismos de defesa que,
apesar de terem como função proteger e trazer
equilíbrio mental para os
profissionais de saúde, podem também minimizar a
luta de classes e submete-los
às condições precárias do
trabalho hospitalar. As principais afirmativas estão
descritas no Quadro 6.
Quadro
6 -
Características pessoais para se trabalhar na
área da saúde.
"Impessoalidade,
paciência, poder de escuta, saber gerir conflitos, interesse
e força de
vontade." (Indivíduo 2)
"Dedicação,
responsabilidade, pontualidade e estudar continuamente."
(Indivíduo 7)
"Profissionalismo
e humanização" (Indivíduo 1)
"Amor
ao próximo, dedicação,
compreensão e ter equilíbrio emocional"
(Indivíduo
3)
"humildade
e vontade de novos conhecimentos" (Indivíduo 14)
"conhecimento
técnico e cientifico e cordialidade" (Indivíduo
11)
Neste
quadro, pode-se ressaltar o caráter alienado dos
depoimentos. Presos no discurso ideológico da
profissão, vemos repetir
elementos da pesquisa anterior que ressalta a
manutenção de uma visão
messiânica da atividade laboral, que ata o profissional a
condições precárias e
o responsabiliza pelo trabalho realizado. Percebe-se, assim, que a
profissão é
mais vista como uma arte, no sentido do cuidado no fazer, do que uma
ciência, incomodando
apenas um dos entrevistados:
"Nosso
trabalho deveria ser
visto realmente como uma profissão como qualquer outra. Me
irrita esta história
de arte, quem faz arte é artista. Enfermagem deveria ser
vista como uma
profissão, uma ciência e assim por adiante. O fato
de ser vista como arte
desvaloriza o seu papel." (Indivíduo 5).
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
O
objetivo desse trabalho foi levantar a percepção
dos
profissionais que atuam como enfermeiros sobre as
condições de trabalho e quais
os principais mecanismos de defesa desenvolvidos por esses para lidar
com a deterioração
da atividade.
Observou-se
que a deterioração ocorre principalmente,
na percepção do grupo investigado, pela
inexistência de equipamentos adequados,
devido à rotina intensa de trabalho e à excessiva
carga horária de trabalho.
Apesar disso, eles consideraram como pontos positivos o relacionamento
com os
líderes e um bom clima de trabalho em geral, revelando que
estes elementos
podem minimizar os efeitos dessa deterioração.
Isso pode ser comprovado pela
dicotomia apresentada nas respostas sobre qualidade de vida, em que
eles
afirmaram que o trabalho influencia negativamente sua qualidade de
vida,
entretanto sentem prazer na sua profissão. Essa dicotomia
pode ser explicada
pelos mecanismos de defesa que são gerados para enfrentar
essa deterioração,
destacando-se o de negação e o de
sublimação. Revela a tentativa de preservar o
bem estar profissional.
Observou-se,
também, que uma das fontes que alimentam a
formação de tais mecanismos é o
caráter de devoção,
abnegação e de assistência,
sendo uma herança dos tempos iniciais de
formação dessa profissão. Isso
é
evidenciado pela excessiva preocupação desses
profissionais para cuidar do
outro e para não cuidar de si mesmo, procurando um melhor
posicionamento de
mercado. Assim, torna-se necessário que a
profissão deixe de ser vista apenas
como uma prática cuidadora, como a de um "artista" para ser
vista
como uma profissão qualquer que valorize seus profissionais.
Esse
estudo possui, entretanto, algumas limitações. A
pequena amostra dificulta a generalização das
questões aqui levantadas, ampliando-as
para um público maior, porém, é
coerente com estudos anteriores. Outra
limitação diz respeito ao estudo ter sido
realizado em um hospital escola, cuja
cultura pode se diferir de outros tipos de hospitais.
Contudo,
tais limitações abrem novas oportunidades de
estudo, como, por exemplo, efetuando-se uma pesquisa em um
público maior e de
outros segmentos, efetuando-se uma comparação de
resultados. E, por fim, sugerem-se
estudos longitudinais para verificar se tais mecanismos perpetuam nas
organizações.
Espera-se
que esse estudo possa contribuir para o
entendimento de como esses profissionais lidam com a
deterioração do trabalho e
estruturam seus mecanismos de defesa, afim de que eles possam repensar
o
caráter de devoção e
abnegação da profissão, vendo-o como
parte do trabalho, e
não como um fim, podendo buscar seu empoderamento dentro das
organizações de
saúde.
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Recebido: 17 junho 2017. Publicado: 12 julho 2017
Correspondência:
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