Rev. Adm. Saúde (On-line), São Paulo, v. 22, n. 86: e308, jan. – mar. 2022, Epub 04 abr. 2022

http://dx.doi.org/10.23973/ras.86.308

 

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Desigualdade de gênero nos cargos de diretores técnicos nos hospitais do Sul do Brasil

Gender inequality in the positions of technical directors in hospitals in southern Brazil

 

Viviane Viziolli Waskiewicz1, Maria Eduarda Magalhães Barbosa1, Hyngrid Santos Sousa1, Gustavo Piazza Alexandre1, Leticia Oliveira de Menezes2

 

1. Graduando do quinto ano do Curso de Medicina da Universidade Católica de Pelotas, Pelotas RS.

2. Docente do Curso de Medicina da Universidade Católica de Pelotas, Pelotas RS.

 

 

RESUMO

Introdução: As mulheres compõem a maior parte dos profissionais atuantes na área da saúde no Brasil, apesar disso, ainda são minoria nos cargos de liderança nos hospitais nacionais. Isso se deve as desigualdades de gênero construídas historicamente no país, a qual, as mulheres foram colocadas em posições inferiores à dos homens, devido principalmente a costumes sociais de mentalidade misógina e discriminatória. Objetivo: Verificar a prevalência das mulheres na ocupação de cargos de diretores técnicos nos hospitais dos estados do sul do Brasil, com o intuito de comparar informações, observar o grau de paridade entre os gêneros e discutir suas possíveis causas. Método: Para o referente trabalho, foi realizado um estudo transversal, através da captação de dados acerca dos tipos de hospitais presentes nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, número de leitos e sexo de seus diretores técnicos, de forma digital por meio das informações presentes no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), entre os meses de junho e agosto de 2021. Resultados: Foram analisados 965 hospitais de grande e médio porte, destes, apenas 16,37% são administrados por mulheres, com pouca variabilidade desse percentual se levado em consideração o número de leitos. Concomitante a isso, os três estados separadamente possuem estatísticas semelhantes, sendo o número de diretores homens sempre muito superior ao número de mulheres. Conclusão: Esse estudo evidencia uma profunda desigualdade de gênero referente a ocupação de cargos de diretores técnicos nos hospitais da região sul do Brasil. Dessa forma, reforça a necessidade de maiores discussões e questionamentos sobre a disparidade entre os gêneros em cargos reconhecidos e conceituados. Aliado a isso, é necessário a realização de estudos de maior abrangência, perscrutando compreender melhor a relação estrutural/cultural e estabelecer diretrizes buscando fomentar uma maior incidência de pessoas do sexo feminino nesses cargos de alta patente.

Palavras-chave: gênero, desigualdade, cargos, diretores técnicos.

 

ABSTRACT

Introduction: Women make up the majority of professionals working in the health area in Brazil, despite this, they are still a minority in leadership positions in national hospitals. This is due to gender inequalities historically constructed in the country, in which women were placed in lower positions than men, mainly due to social customs of misogynistic and discriminatory mentality. Objective: To verify the prevalence of women occupying positions as technical directors in hospitals in the southern states of Brazil, to compare information, observe the degree of parity between genders and discuss its possible causes. Method: For this work, a cross-sectional study was carried out, through the collection of data about the types of hospitals present in the states of Rio Grande do Sul, Santa Catarina and Paraná, number of beds and gender of their technical directors, in digital form. through the information present in the National Register of Health Establishments (CNES), between the months of June and August 2021. Results: 965 large and medium-sized hospitals were analyzed, of which only 16.37% are managed by women, with little variability in this percentage if the number of beds is considered. Concomitantly, the three states separately have similar statistics, with the number of male directors always much higher than the number of women. Conclusion: This study shows a profound gender inequality regarding the occupation of positions as technical directors in hospitals in southern Brazil. Thus, it reinforces the need for further discussions and questions about the disparity between genders in recognized and respected positions. Allied to this, it is necessary to carry out more comprehensive studies, seeking to better understand the structural/cultural relationship and establish guidelines seeking to foster a greater incidence of females in these high-ranking positions.

Keywords: gender, inequality, positions, technical directors.

 

 

 

INTRODUÇÃO

A igualdade de gênero e a diversidade no corpo de trabalho são temas cada vez mais discutidos dentro dos setores laborais públicos e privados. Apesar de comporem 65% dos mais de seis milhões de profissionais atuantes na área da saúde no Brasil [1], as mulheres ainda ocupam um percentil baixo nos cargos de liderança dos hospitais nacionais. Essa situação pode ser explicada por todo um pretérito de construção histórica na qual as mulheres foram situadas em posições inferiores a dos homens [2], pautado em uma mentalidade misógina e discricionária que abrangia desde costumes sociais até aspectos jurídicos. Baseado nisso, é importante compreender o percentil de mulheres que ocupam cargos de liderança na saúde do país e o impacto social causado por elas.

Segundo um levantamento do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) a inclusão das mulheres na economia incrementaria o PIB mundial em US$ 28 trilhões até 2025, o que evidencia o impacto da contribuição desse grupo. Todavia, no Brasil, o público feminino representa apenas 40% da população economicamente ativa. [1] Na contemporaneidade, embora o mercado de trabalho esteja mais inclusivo “Algumas áreas ainda são predominantemente masculinas e cargos mais altos, de praticamente todas as áreas, as mulheres são minoria” (ABREU, MEIRELLES; 2012, p.11). De modo que mesmo as mulheres compondo a maior parte dos profissionais de saúde, elas não apenas ocupam menos posições de chefia, como também ganham cerca de 37% do salário dos homens que ocupam tais cargos [3].

O presente estudo busca avaliar a prevalência das mulheres na ocupação dos cargos de diretores técnicos nos hospitais do sul do Brasil. Para tanto, foram levantados dados das direções técnicas dos hospitais dos três estados sulistas com o intuito de comparar informações e observar o grau de paridade entre os gêneros.

 

METODOLOGIA

Foi realizado um estudo transversal, através da captação de dados acerca dos tipos de hospitais presentes no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, número de leitos nestes e sexo de seus diretores técnicos, de forma digital por meio das informações presentes no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). As buscas foram feitas pelos autores, no período compreendido entre junho e agosto de 2021, utilizando – se como critérios de inclusão os hospitais que se caracterizavam por prestar serviços gerais e especializados, independentemente da subespecialidade e, também, considerou-se o total de leitos geral somado ao número de leitos complementares. Os critérios de exclusão foram hospitais situados nos estados da região sul que prestam outro tipo de serviço em saúde. Com isso, processou-se e a analisou-se os dados obtidos compilando-os em quadro tabelas expositivas e comparativas, discorrendo sobre a apresentação das variáveis em cada estado e na perspectiva da região sul. Por se tratar de um estudo realizado com dados secundários disponíveis publicamente através do sistema CNES, sem possibilidade de identificação dos indivíduos envolvidos, não foi necessário o consentimento do comitê de ética.       

 

RESULTADOS

Nas Tabelas 1 e 2 são mostrados os números obtidos que relacionam gênero e algumas características hospitalares.

 

Tabela 1. Relação entre os tipos hospitalares da região Sul do Brasil, o número de leitos destes e o gênero dos diretores técnicos das instituições.

TIPO DE HOSPITAL

TOTAL

MASCULINO

FEMININO

Especializado

92

73 (79,34%)

19 (20,65%)

Geral

873

734 (84,07%)

139 (15,92%)

NÚMERO DE LEITOS

 

Até 50 leitos

440

374 (85%)

66 (15%)

Entre 50 e 100

274

227 (82,84%)

47 (17,15%)

>100 leitos

251

206 (82,07%)

45 (17,92%)

TOTAL

965

807 (83,62%)

158 (16,37%)

 

 

Tabela 2. Discriminação estadual existente nos cargos de diretores técnicos hospitalares conforme o tipo de hospital e o número de leitos nestes.

 

TOTAL

MASCULINO

FEMININO

HOSPITAIS DE SANTA CATARINA

 

 

 

TIPO DE HOSPITAL

 

Especializado

24

19 (79,16%)

5 (20,83%)

Geral

201

171 (85,07%)

30 (14,92%)

NÚMERO DE LEITOS

 

 

 

Até 50 leitos

112

97 (86,6%)

15 (13,39%)

Entre 50 e 100

54

44 (81,48%)

10 (18,51%)

>100 leitos

59

49 (83,05%)

10 (16,94%)

TOTAL

225

190 (84,44%)

35 (15,55%)

HOSPITAIS DO RIO GRANDE DO SUL

 

TIPO DE HOSPITAL

 

 

 

Especializado

20

 14(70%)

6 (30%)

Geral

289

237 (82%)

52 (18%)

NÚMERO DE LEITOS

 

Até 50 leitos

87

71 (81,60%)

16 (18,39%)

Entre 50 e 100

121

101 (83,47%)

20 (16,52%)

>100 leitos

101

79 (78,21%)

22 (21,78%)

TOTAL

309

251 (81,22%)

58 (18,77%)

HOSPITAIS DO PARANÁ

 

 

 

TIPO DE HOSPITAL

 

Especializado

48

40 (83,33%)

8 (16,66%)

Geral

383

326 (85,11%)

57 (14,88%)

NÚMERO DE LEITOS

 

 

 

Até 50 leitos

241

206 (85,47%)

35 (14,52%)

Entre 50 e 100

99

82 (82,82%)

17 (17,92%)

>100 leitos

91

78 (85,71%)

13 (14,28%)

TOTAL

431

366 (84,91%)

65 (15,08%)

 

 

De acordo com os dados, dos 225 hospitais catarinenses analisados, 190 destes, ou seja, 84,44% são administrados por homens e apenas 35 (15,55%) possuem mulheres como diretoras técnicas. Independentemente da quantidade de leitos dos hospitais, os homens permanecem com uma maioria sempre superior a 80%. Nos hospitais especializados as mulheres compõem 20,83% dos cargos de diretoras técnicas e 14,92% dos cargos nos hospitais gerais. No Rio Grande do Sul os dados são igualmente expressivos, dos 309 hospitais estudados 251 (81,22%) são dirigidos por homens e 58 (18,77%) por mulheres. Quanto ao tipo de hospital, os homens dirigem 14(70%) dos hospitais especializados e 237 (82%) dos hospitais gerais, também são maioria expressiva nos hospitais a despeito do número de leitos. Corroborando com os demais estados sulistas, o Paraná é o estado com maior disparidade de cargos de chefia entre os gêneros. Dos 431 hospitais analisado, 366 (84,91%) são dirigidos por homens. Independentemente do número de leitos hospitalares as mulheres permanecem sendo minoria, não chegando a 20% dos cargos. Já quanto ao tipo de hospital, elas são minorias tanto nos especializados (20,65%) quanto nos gerais (15,08%). Em suma, quando se pesa a região sul como um todo nota-se que 807 (83,62%) dos 965 hospitais analisados possuem homens como diretores técnicos, havendo pouca variabilidade desse percentil conforme o número de leitos. Embora as mulheres estejam mais presentes como diretores nos hospitais especializados do que nos hospitais gerais, elas só ocupam 20,65% desses cargos. Tais números evidenciam que a desigualdade de gênero em cargos de liderança hospitalar é uma realidade no sul do Brasil, e que apesar da mulher ter ganhado espaço no mercado de trabalho e na área da saúde, a gerência dos serviços médicos continua a ser majoritariamente masculina. 

 

DISCUSSÃO

No ambiente laboral, as desigualdades sociais são estruturadas não apenas a partir da divisão entre proprietários dos meios de produção e detentores da força de trabalho, mas também entre os gêneros, as ocupações, as qualificações, os setores produtivos e os mercados formais e informais de trabalho. Estas divisões têm contribuído para configurar uma classe trabalhadora extremamente desigual, complexa, fragmentada e heterogênea [4].

Ao longo dos anos, as mulheres vêm acumulando conquistas importantes no mercado de trabalho. Por outro lado, as desigualdades históricas de gênero em termos ocupacionais persistem, sobretudo se mencionarmos que as mulheres ainda constituem minoria nas ocupações de maior status laboral e econômico [5]. Para Eagly e Carli (2007), o que está por trás da discriminação contra as mulheres são as associações mentais feitas sobre mulheres, homens e líderes. As mulheres são culturalmente consideradas mais comunais, portando traços como empatia e bondade, enquanto os homens são mais agentivos, manifestando confiança, agressividade e autonomia (EAGLY, 2007; HEILMAN, 2001) [5]. Essas associações, que não apenas destoam da realidade como também refletem um pensamento patriarcal e misógino, justificam a maior resistência às mulheres nos cargos de liderança.

A partir da análise dos resultados, há notória desigualdade de gênero nos cargos de liderança dos hospitais gerais e especializados da região sul do Brasil, onde a grande maioria dos seus líderes são homens.  O Paraná é o estado que apresenta menor porcentagem de mulheres ocupando os cargos de chefia dos hospitais. No entanto, os números se assemelham aos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, aos quais as mulheres ocupam menos de 20% dos cargos de diretoria. Além disso, em geral, as mulheres ocupam apenas 17,92% das lideranças de hospitais, gerais ou especializados, com mais de 100 leitos.

Desse modo, os resultados apresentam que apesar das mulheres estarem gradativamente ocupando cargos de maior valorização, que requerem maior escolaridade e qualificação, ainda há desigualdade de gênero. Inclusive quando ocupam cargos de maior responsabilidade e mais elevados hierarquicamente [5].

Assim, apesar do aumento da presença das mulheres na Medicina, os cargos mais elevados na hierarquia profissional, nas instituições prestadoras de serviços de saúde e nas entidades representativas da categoria, continuam sendo ocupados, na sua grande maioria, por homens, estando concentradas nestes as principais decisões relativas ao exercício da profissão [6]. Sob essa perspectiva, ainda existem muitas barreiras a serem rompidas para que se ultrapasse as desigualdades de gênero.

 

CONCLUSÃO

O estudo evidencia uma problemática de cunho social, a qual permite ratificar a falácia sobre a igualdade de gênero em relação à ocupação de cargos de alta patente. Tal quadro de segregação profissional por gênero na ocupação dos cargos de diretores técnicos nos hospitais da região sul do Brasil elucidado no presente estudo, reforça a necessidade de maiores discussões e abordagens sobre a falta de paridade entre os gêneros no mercado de trabalho, bem como planejamento institucional acerca da resistência em habilitar mulheres a assumirem cargos reconhecidos e conceituados. Não obstante, ainda faltam registros na literatura que busquem compreender a relação estrutural/cultural existente entre a igualdade de gênero e a ocupação de cargos de alta patente. Com isso, aliada a alta prevalência desta problemática em âmbito nacional e o escasso registro na literatura médica, é essencial o desenvolvimento de pesquisas que tragam informações que corroborem com os dados apresentados e auxiliem a estabelecer diretrizes especificas para o fomento da ocupação dos cargos de diretores técnicos nos hospitais por parte da população de sexo feminino.  

 

 

REFERÊNCIAS

1.    Indicadores sociais das mulheres no brasil [página na internet]. [acesso em 15 de outubro de 2021]. Disponível em: https://educa.ibge.gov.br/jovens/materias-especiais/materias-especiais/20453-estatisticas-de-genero-indicadores-sociais-das-mulheres-no-brasil.html

2.    De Paula BA. A participação de mulheres em cargos de chefia. Porto Alegre. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2013. Trabalho de conclusão de curso em Filosofia.

3.    O Globo [página na internet]. Apesar de serem a maioria no setor de saúde mulheres em cargos de cheia ganham 37% do salário dos homens. [acesso em 15 de outubro de 2021]. Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/apesar-de-serem-maioria-no-setor-de-saude-mulheres-em-cargos-de-chefia-ganham-37-do-salario-dos-homens-24986675

4.    Mincato R, Dorneles Filho AA, Soares CPML, Desigualdades de gênero: disparidade salarial e segregação ocupacional. Caxias do Sul, 2013. XII Encontro sobre os aspectos econômicos e sociais da região nordeste do RS.  

5.    Hryniewicz CGL, Vianna AM. Mulheres em posição de liderança: obstáculos e expectativas de gênero em cargos gerenciais. Cad. EBAPE.BR. 2018; 16(38):331-344.

6.    Santos ST. Gênero e carreira profissional na Medicina. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

7.    Teixeira OM. Desigualdades salariais entre homens e mulheres a partir de uma bordagem de economistas feministas. Revista Gênero. 2008; 9(1):31-45.

8.    Fernandez MPB. Teto de vidro, piso pegajoso e desigualdade de gênero no mercado de trabalho brasileiro à luz da economia feminista: por que as iniquidades persistem? Rev. Cadernos de Campo. 2019; 26:79-103.

 

 

 

 

Recebido: 15 de fevereiro de 2022. Aceito: 04 de abril de 2022

Correspondência: Viviane Viziolli Waskiewicz.  E-mail: viviwaskys@gmail.com

Conflito de Interesses: o autor declarara não haver conflito de interesses

 

 

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