Rev. Adm. Saúde (On-line), São Paulo, v. 21, n. 83: e292, abr. – jun. 2021, Epub 28 mai. 2021

http://dx.doi.org/10.23973/ras.83.292

 

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Oferta assistencial de leitos de referência à covid-19 nas regiões de saúde de Pernambuco

The offer of reference hospital beds to treatment of covid-19 in the health regions of Pernambuco

 

Juliana Leão Pontes1, Ana Claúdia Cardoso2, Daiane Cordeiro dos Santos3, Pollyana Ribas de Oliveira4, Anna Renata Pinto de Lemos5, Aristides Vitorino de Oliveira Neto6, Giliate Cardoso Coelho Neto7

 

1. Gerente de Informações em Saúde da Secretaria Executiva de Regulação em Saúde da Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco (PES/PE), Recife PE

2. Analista em Saúde - Sanitarista da Secretaria Executiva de Regulação em Saúde da PES/PE, Recife PE

3. Coordenadora de Acompanhamento da Gestão Municipal da Secretaria Executiva de Regulação em Saúde da PES/PE, Recife PE

4. Coordenadora de Informações em Saúde da Secretaria Executiva de Regulação em Saúde da PES/PE, Recife PE

5. Superintendente de Regionalização da Saúde da Secretaria Executiva de Regulação em Saúde da PES/PE, Recife PE

6. Secretário Executivo Adjunto da Secretaria Executiva de Regulação em Saúde da PES/PE, Recife PE

7. Secretário Executivo de Regulação da Secretaria Executiva de Regulação em Saúde da PES/PE, Recife PE

 

 

 

RESUMO

Trata-se de um estudo descritivo que utilizou documentos e dados oficiais com objetivo de analisar a distribuição da oferta de leitos SUS para tratamento da infecção pelo covid-19 em Pernambuco, por região de saúde. Observa-se interiorização da doença com registro em todas as regiões de saúde, o que ocasionou diminuição da proporção de casos em residentes da Região Metropolitana do Recife, passando de 90,0% para 47,1%. Destaca-se ocorrência de SRAG em 22% dos casos. Quanto à oferta dos leitos, identificou-se crescimento de 1,29 para 4,74 leitos/10.000 habitantes, havendo distribuição homogênea entre as macrorregiões de saúde, condição relevante no enfrentamento à pandemia. Os registros de Autorização de Internação Hospitalar revelaram uma média de 7,05 dias de permanência no leito, aumentando para 9,97 dias nos internamentos em UTI. Por fim, destaca-se o importante legado deixado pela covid-19: o urgente e indispensável fortalecimento da saúde pública brasileira.

Palavras-chave: Infecções por Coronavírus, Assistência à Saúde, Regionalização, Planos de Contingência

 

ABSTRACT

This is a descriptive study that used official documents and data in order to analyze the distribution of the supply of SUS hospital beds for the treatment of covid-19 infection in Pernambuco by health region. It been observed an internalization of the disease registrated in all health regions, which caused a decrease from 90.0% to 47.1% in the proportion of cases in residents of the metropolitan region of Recife. The occurrence of SARS stands out in 22% of cases. As for the supply of hospital beds, there was a growth from 1.29 to 4.74 beds per 10,000 inhabitants, with a homogeneous distribution among the health macro-regions, a relevant condition in facing the pandemic. Records of hospitalization authorization revealed an average of 7.05 days in bed, increasing to 9.97 days in ICU admissions. Finally, we highlight the important legacy left by covid-19: the urgent and indispensable strengthening of Brazilian public health.

Keywords: Coronavirus Infections, Delivery of Health Care, Regional Health Planning, Contingency Plans

 

 

 

INTRODUÇÃO

No final de 2019, uma série de casos de pneumonia com origem desconhecida foi identificada na cidade de Wuhan, localizada na província de Hubei, na China. Um novo coronavírus, de origem zoonótica, chamado Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2 (SARS-CoV-2), foi identificado como agente etiológico da enfermidade denominada coronavirus disease 2019 (covid-19) 1,2.

O novo coronavírus, disseminado predominantemente entre pessoas por meio de gotículas respiratórias e pelo contato, foi rapidamente propagado em escala comunitária, regional e internacional, apresentando um aumento do número de casos e óbitos. Por tais características, o surto da covid-19 foi declarado pela OMS, em 30 de janeiro de 2020, uma emergência de saúde pública de importância internacional 1,3.

Algumas semanas depois, o SARS-CoV-2 já estava presente em todas as regiões do mundo, sendo responsável por um crescimento exponencial do número de infectados e mortos. Dessa forma, em 11 de março de 2020 a OMS classificou a covid-19 como uma pandemia, sendo caracterizada como um dos maiores desafios sanitários vivenciados em escala global 2.

No Brasil, a infecção humana pelo novo coronavírus foi declarada uma emergência em Saúde Pública de importância Nacional em 03 de fevereiro de 2020, sendo o primeiro caso da covid-19 notificado em 26 de fevereiro de 2020, e já no mês de março, o país apresentou casos de transmissão comunitária, ocorrida a nível local, em vários estados 1,4.

Em virtude do escasso conhecimento científico sobre o novo coronavírus e da sua alta velocidade de propagação e letalidade, a agilidade e assertividade exigidas frente à pandemia da covid-19 configuram-se um desafio ainda maior em um país como o Brasil, de dimensões continentais e grandes desigualdades sociais 5. Nesse sentido, a existência de um sistema público de saúde no Brasil deve ser destacada como elemento de suma importância no enfrentamento desta condição, uma vez que mesmo operando mediante diversas dificuldades, o Sistema Único de Saúde (SUS) configura-se como principal agente de atuação.

Em Pernambuco, publicou-se Decreto Estadual com regulamentação de medidas temporárias para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo coronavírus 6. Ressalta-se que o primeiro caso de transmissão comunitária no estado ocorreu em 18 de março de 2020, e mobilizou uma série de medidas atinentes à fase de mitigação com o objetivo de evitar casos graves e óbitos.

Dentre as medidas adotadas pelos entes federados no Brasil, para o enfrentamento à covid-19, destaca-se a construção de um plano de contingência para infecção pelo novo coronavírus, documento que descreve as ações e as estratégias de prevenção, vigilância e resposta a serem executadas. O plano de contingência de Pernambuco estabelece, entre seus objetivos, a organização da rede de atenção e a ampliação da oferta de leitos de terapia intensiva (UTI) e leitos de enfermaria em serviços de saúde, de gestão Estadual e Municipal, para o atendimento aos casos de Síndrome Gripal e Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) de pacientes com suspeita ou confirmação de infecção humana pelo novo coronavírus.

Tendo em vista que o planejamento da Atenção à Saúde em Pernambuco considera a regionalização da assistência, a partir da distribuição dos municípios em regiões de saúde, espera-se que a oferta de leitos de referência à covid-19 apresente uma disposição que considere esta definição, de modo que haja referência de assistência hospitalar em todas as regiões, assim como pactuação de fluxo entre os municípios que as compõem.

Nesse sentido, discutir a organização da rede de atenção à saúde e a regionalização da oferta assistencial, a partir da observação de seu funcionamento num contexto de pandemia, torna-se estratégico e de grande relevância, na medida em que possibilita uma percepção mais explícita dos ganhos inerentes à implementação desse arranjo organizativo na saúde. Sendo assim, o presente artigo tem o objetivo de analisar a distribuição da oferta de leitos SUS para tratamento de infecção pela covid-19 de Pernambuco, por região de saúde.

 

MÉTODOS

Trata-se de um estudo descritivo, realizado a partir de análise documental e levantamento de dados de sistemas de informação oficiais, relativo ao estado de Pernambuco.

Pernambuco é composto por 184 municípios mais o distrito de Fernando de Noronha e apresenta uma área territorial de 98.076 Km². Encerrou o ano de 2019 com uma população de 9.557.071 habitantes, sendo 48,1% do sexo masculino e 51,9% o feminino, e uma densidade demográfica de 96,7 Hab./Km² 7. A Região Metropolitana do Recife (RMR) compreende 15 municípios localizados em torno da capital e concentra 42,6% da população. Na última avaliação do Índice de Desenvolvimento Humano, ocorrida em 2010, Pernambuco atingiu resultado de 0,673, localizando-o como o 3º estado do Nordeste com melhor resultado no referido indicador 8.

A assistência à saúde é organizada de forma regionalizada, sendo seu Plano Diretor de Regionalização 9 composto por quatro macrorregiões e doze regiões de saúde, consideradas espaços essenciais para o desenvolvimento deste estudo.

Para alcançar o objetivo proposto neste estudo, foram analisadas as seguintes variáveis: número de casos confirmados, número de leitos de enfermaria, número de leitos de UTI, Tempo Médio de Permanência (TMP) e número de ventiladores mecânicos existentes nos estabelecimentos de saúde.

Como fonte de dados, foram utilizados: informes epidemiológicos publicados pela SES/PE e banco de dados do Instituto de Redução de Riscos e Desastres (IRRD), que dispõem do acumulado de casos confirmados de covid-19; diferentes versões do Plano de Contingência para Infecção pelo Novo Voronavírus, documento que possibilita acompanhar a dinamicidade de atualização da oferta de leitos; dados do Sistema de Informação Hospitalar (SIH), que apresenta a produção dos hospitais SUS; e, dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos em Saúde (CNES), para identificação do incremento de respiradores nos estabelecimentos SUS.

O número de casos de covid-19 foi avaliado em dois momentos. No primeiro momento foi observado o número de casos totais por meio do Informe Epidemiológico nº 50 10. No segundo momento, devido às alterações no formato dos informes epidemiológicos, que passaram a apresentar apenas os casos SRAG, foram observados dados disponíveis no IRRD 11. Para apresentação do número de casos, foi realizada a distribuição da frequência absoluta e relativa por região de saúde.

Na perspectiva de conhecer a distribuição territorial dos leitos para casos suspeitos e/ou confirmados de covid-19, procedeu-se a análise do Plano de Contingência para Infecção pelo Coronavírus em dois momentos, possibilitando uma comparação da oferta de leitos com a localização de ocorrência dos casos. Sendo estas a primeira versão publicada com informação por unidade hospitalar e tipo de gestão 12 e a última versão disponível no momento de análise deste artigo, publicada após 05 meses de curso da pandemia no estado 13. O número de leitos foi distribuído por região de saúde, para as quais se apresentou frequência absoluta e relativa (número de leitos dividido pela população total, multiplicado por 10.000).

No que se refere à oferta de ventiladores mecânicos nos estabelecimentos SUS, os dados foram extraídos nas competências de fevereiro/2020 e agosto/2020, por meio do CNES. Destaca-se que não é possível identificar neste sistema o quantitativo de ventiladores das unidades de saúde da rede privada que estariam disponíveis para atendimento público, via contratualização, com exceção das unidades privadas cujo atendimento é 100% SUS (exemplo: algumas unidades filantrópicas).

Para cálculo do TMP foram analisados os dados de produção do SIH/DATASUS, por meio dos procedimentos “tratamento de infecção pelo novo coronavírus - covid-19” (código Tabela SUS: 0303010223) registrados nas Autorizações de Internações Hospitalares (AIH) referentes às competências abril, maio e junho/2020.

O cálculo do número de leitos por 10.000 habitantes (frequência relativa), assim como a elaboração das tabelas, foi realizado com uso do programa Excel for Windows 2016, e os mapas foram produzidos no Tabwin.

Não foi necessário submeter o estudo à aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa, visto que os dados utilizados são de acesso público e não há identificação de participantes.

 

RESULTADOS

A ocorrência da covid-19 em Pernambuco iniciou-se com concentração dos casos em torno da capital. Na Figura 1, é possível observar que, no primeiro momento de análise, mais de 90% do total de casos confirmados havia ocorrido em residentes da RMR. Já no segundo recorte temporal considerado, observa-se progressão da interiorização de casos, no qual 52,90% das confirmações ocorreram em residentes do interior.

 

Figura 1. Distribuição percentual do acumulado de casos covid-19 por localização territorial (Região Metropolitana do Recife ou Interior), segundo período de notificação. Pernambuco, 2020.

Fonte: Informe Epidemiológico Coronavírus PE nº 50/2020 e Instituto de Redução de Riscos e Desastres de Pernambuco.

 

Analisando o acumulado de casos por região de saúde, é possível observar na Tabela I a ocorrência de casos de covid-19 em todas as regiões de saúde, sendo registrada até agosto de 2020 a ocorrência de 128 casos/10.000 habitantes na I região de saúde (n= 73.873), o que representa 65,06% do total de casos. Salienta-se que todas as regiões apresentaram crescimento exponencial no número de casos, cabendo destacar a macrorregião agreste que passou de 0,3 casos/10.000 habitantes (n=58) para 119,2 casos/10.000 habitantes (n=22.916).

Ainda de acordo com a Tabela I, é possível identificar a ocorrência de casos graves, representados por aqueles que desenvolveram SRAG, onde observa-se que esta apresentação da doença foi notificada em 22% dos casos registrados até agosto/2020 (n=24.876). Destaca-se que a região de saúde que apresentou maior proporção de casos SRAG, quando comparado ao total de casos, foi a I região de saúde, com 31% de ocorrência, enquanto a localidade com menor proporção destes casos foi a XI região de saúde (5%).

 

Tabela 1. Acumulado de casos totais, de casos SRAG e taxa de incidência de covid-19 por região de saúde, segundo período de notificação. Pernambuco, 2020.


Fonte: Informe Epidemiológico Coronavírus PE nº 50/2020 e Instituto de Redução de Riscos e Desastres de Pernambuco.

 

Em relação à oferta de leitos, é possível observar na Figura 2 os municípios com leitos de enfermaria e UTI destinados ao atendimento de casos suspeitos e/ou confirmados de covid-19 a partir de dois recortes temporais (abril e agosto de 2020). Observa-se, na Figura 2A, a existência de 66 (35,7%) municípios com leitos de enfermaria disponíveis e, na Figura 2B, 157 (84,8%) municípios. Os leitos de UTI disponíveis nos dois momentos estão distribuídos respectivamente em 8 (Figura 2C) e 21 (Figura 2D) municípios.

 

Figura 2. Distribuição territorial dos leitos disponíveis de Enfermaria (2A em abril/2020 e 2B em agosto/2020) e de UTI (2C em abril/2020 e 2D em agosto/2020). Pernambuco, 2020.

Fonte: Planos de Contingência para Infecção pelo Coronavírus (covid-19) de Pernambuco (versões publicadas nas Resoluções CIB-PE Nº 5284 de 16 de abril de 2020 e Nº 5334 de 13 de agosto de 2020) e IBGE, estimativa populacional 2019.

 

A Figura 3 demonstra os municípios com leitos de enfermaria (Figura 3A) e UTI (Figura 3B) a serem ampliados, indicando existir ainda um potencial de expansão da oferta.

Figura 3. Distribuição territorial dos leitos a ampliar de Enfermaria (3A em abril/2020 e 3B em agosto/2020) e de UTI (3C em abril/2020 e 3D em agosto/2020). Pernambuco, 2020.

Fonte: Planos de Contingência para Infecção pelo Coronavírus (covid-19) de Pernambuco (versões publicadas nas Resoluções CIB-PE Nº 5284 de 16 de abril de 2020 e Nº 5334 de 13 de agosto de 2020) e IBGE, estimativa populacional 2019.

 

Na Tabela 2, é possível quantificar a distribuição dos leitos, demonstrando um crescimento expressivo entre os dois momentos analisados, passando de 1,29 leitos/10.000 habitantes para 4,74 leitos/10.000. No que se refere ao número de leitos por habitantes, considerando o total de leitos de enfermaria e de UTI, constata-se uma distribuição uniforme nas macrorregiões de saúde, mantendo-se em torno de 5 leitos/10.000 habitantes.

Destaca-se que a I região de saúde concentrou a maior parcela da oferta de leito de UTI, nos dois recortes temporais, detendo aproximadamente 85% da oferta (n=165) no primeiro momento e 68% (n=692) no segundo. Destaca-se que, dos 692 leitos de UTI disponíveis em agosto/2020, um total de 600 leitos estava em unidades sob gestão estadual e 92 leitos em unidades sob gestão municipal.

 

Tabela 2. Número de leitos de Enfermaria e UTI de referência à covid-19 por região de saúde, segundo distintas verões do Plano de Contingência recorte temporal (versão da Resolução CIB-PE do Plano de Contingência). Pernambuco, 2020.

 


¹ Primeira Resolução CIB-PE que apresenta quantitativos de leitos de UTI e enfermaria para casos suspeitos e/ou confirmados de covid-19 nas gestões estadual e municipal

² Última Resolução CIB-PE (última disponível no período da análise) que apresenta quantitativos de leitos de UTI e enfermaria para casos suspeitos e/ou confirmados de covid-19 nas gestões estadual e municipal

³ Foi considerado para esta região o quantitativo de leitos municipais de UTI apresentados na Resolução 5.302 de 28/05/2020, por um ajuste de oferta retificado na referida versão.

Fonte: Planos de Contingência para Infecção pelo Coronavírus (covid-19) de Pernambuco (versões publicadas nas Resoluções CIB-PE Nº 5284 de 16 de abril de 2020 e Nº 5334 de 13 de agosto de 2020) e IBGE, estimativa populacional 2019.

 

No que se refere à oferta de ventiladores mecânicos, foi possível analisar o incremento de equipamentos na rede pública, em estabelecimentos de gestão estadual e municipal. Observa-se que enquanto na competência fevereiro/2020 havia um quantitativo de 1.358 equipamentos em uso, em junho/2020 havia um total de 1.811 equipamentos, sendo 1.092 em unidades da gestão estadual, 648 da gestão municipal e 71 da gestão dupla, revelando um incremento de 453 equipamentos (aumento de 25%) (CNES). Destaca-se que deste incremento, 394 equipamentos estavam em unidades da gestão municipal, representando um aumento de 61% neste contingente.

No que se refere ao TMP hospitalar, os dados do SIH revelam uma média de 7,05 dias de internação para as AIHs relativas ao tratamento da covid-19. Considerando a diferenciação a partir da ocorrência ou não de diárias de UTI durante o internamento, observou-se um TMP 6,11 dias de internações para as AIHs que não tiveram diária de UTI e um TMP de 9,97 dias para as que tiveram diária de UTI. Ainda para as AIHs com diária de UTI, é possível diferenciar o TMP a partir do motivo de encerramento da AIH, sendo de 14,44 para os pacientes que receberam alta por melhora clínica/cura e 6,70 dias para pacientes que evoluíram para óbito.

Considerando o TMP encontrado e o quantitativo de leitos disponíveis no último período analisado, é possível projetar a capacidade de oferta assistencial em terapia intensiva na rede pública do estado para pacientes com quadro suspeito e/ou confirmado de covid-19. Nesse sentido, uma projeção poderia considerar que os 1.015 leitos de UTI com TMP de 9,97 dias conseguiriam assistir cerca de 3.000 pacientes/mês.

 

DISCUSSÃO

O presente estudo evidencia que a ocorrência de casos de covid-19 em Pernambuco, assim como em outras localidades do Brasil, iniciou-se na Região Metropolitana, sendo essa uma localidade de alta densidade populacional e alta concentração de indivíduos em situação de vulnerabilidade social, condição que favorece maior ocorrência de casos.

Destaca-se que o comparativo de casos entre os dois momentos considerados demonstra interiorização da doença, com progressão de casos mais avançada no Agreste (IV região de saúde) e com menor proporção de casos no Sertão e Vale do São Francisco (III e IV macrorregiões de saúde). Até o momento, não é possível prever se o padrão de acometimento destas localidades irá se equiparar ao encontrado na RMR, devendo-se considerar que o interior do estado possui menor densidade demográfica.

As conexões sociais, comerciais, econômicas e o fluxo de viagens entre os municípios da RMR e do interior, podem auxiliar no entendimento da expansão territorial da covid-19, e nesse sentido, destaca-se que a capital, onde foi identificado o primeiro caso da doença, caracteriza-se como referência turística e econômica, não só para municípios do interior, mas também para demais estados brasileiros e outros países 14.

Em relação à gravidade da covid-19, estima-se que 80% dos pacientes evoluem com sintomas leves e sem complicações, realidade compatível aos dados encontrados neste estudo (78% de casos não SRAG em PE). A evolução com sintomatologia grave (ex.: dispneia, saturação de O² ≤ 93% e/ou frequência respiratória ≥ 30 respirações por minuto, entre outros) é prevista para 14% dos casos e a sintomatologia crítica (ex.: choque séptico, insuficiência respiratória aguda e/ou disfunção de múltiplos órgãos, entre outros) para 5%, havendo, em geral, necessidade de atendimento em UTI 15.

Estima-se que, dos pacientes críticos infectados pelo SARS-CoV-2, cerca de 70% necessitam de ventilação mecânica, sendo essa a principal terapia de suporte para esta condição clínica 16.

Diante tais evidências, compreende-se que casos críticos da covid-19 requerem cuidados hospitalares intensivos, uma assistência com maior nível de complexidade e uma maior estruturação da rede de serviços, de modo a permitir a contenção de altas taxas de mortalidade.

No que se refere à oferta de ventiladores mecânicos, observa-se um aumento destes equipamentos na rede pública, especialmente nos estabelecimentos municipais. Ademais, deve-se considerar que, além dos equipamentos disponíveis na rede pública, existe a oferta dos equipamentos disponíveis para uso do SUS nos serviços na rede complementar, o que pode significar a disponibilização de um quantitativo superior ao apresentado.

Considerando o TMP hospitalar para casos covid-19, alguns estudos apresentam que este varia segundo o nível de gravidade – 8 dias para casos mais leves (enfermaria) e 10 dias para casos mais graves (UTI), podendo chegar a média de 16 dias de internação 17,18.

Em Pernambuco, o TMP hospitalar (7,05 dias) é semelhante ao dado nacional e ao apresentado pela maioria dos estados do Nordeste. Nesta região, destacam-se o Rio Grande do Norte (5,2) e a Bahia (7,8), com o menor e o maior TMP para tratamento da covid-19. Ressalta-se que a particularidade da longa permanência hospitalar exigida ao tratamento desta enfermidade impacta na capacidade instalada dos estabelecimentos e traz importantes consequências para a garantia do acesso à saúde.

Nesse contexto, distribuir a oferta de leitos de enfermaria e terapia intensiva entre as regiões de saúde configura-se estratégia relevante para viabilização de acesso em tempo oportuno, condição corroborada por estudo que revela maiores médias na mortalidade localizadas em regiões em que a carência de leitos de UTI e de ventiladores foi identificada, especialmente, em partes das regiões Nordeste, Sudeste e Sul 19.

Nesse sentido, cabe pontuar que os entes federados apresentam infraestrutura assistencial heterogênea e diferentes possibilidades de resposta no contexto da gestão do SUS, o que configura mais um desafio para enfrentamento à pandemia, uma vez que além da ampliação dos recursos físicos e financeiros, exige um fortalecimento das capacidades de gestão em âmbito regional e local 20.

No entanto, destaca-se que a complexa organização do SUS e as grandes diversidades dos territórios sanitários encontram na coordenação interfederativa e planejamento regional estratégias essenciais para o enfrentamento à covid-19, uma vez que permite aproximar a oferta assistencial do usuário(a), gerando economia de escala e otimizando a experiência e conhecimento profissional acumulado 21.

Na dinâmica de Pernambuco, observa-se além da ampliação expressiva no número total de leitos entre os dois momentos analisados, uma distribuição territorial homogênea entre as macrorregiões de saúde, em termos populacionais, tendo esta capilaridade na oferta assistencial um potencial de gerar impacto positivo no enfrentamento à pandemia, por favorecer maior agilidade no acesso. A organização de leitos em espaços regionais é apontada como estratégia para reduzir os gargalos assistenciais nos centros de maior densidade populacional 21.

Destaca-se que, além da distribuição territorial, é importante conhecer o perfil assistencial dos leitos que compõem a rede de atenção. Nesse sentido, a Comissão Intergestores Bipartite de Pernambuco aprovou resolução que propõe tipologia dos leitos para enfrentamento da epidemia por SARS-CoV-2 no estado 22.

A resolução define que todos os leitos de UTI (direcionado ao paciente com SRAG + suspeita ou diagnóstico de  covid-19, com necessidade  de  terapia  intensiva) e de enfermaria de média complexidade I (direcionado ao paciente  com  SRAG + suspeita ou  diagnóstico  de  covid-19, sem necessidade   de  terapia  intensiva), sob gestão direta ou contratada pelo estado ou municípios, devem ser cadastrados e atualizados no Sistema Regulador da Central Estadual de Regulação Hospitalar, ficando esta responsável por regular os referidos leitos 22.

O processo de regulação do acesso aos serviços constitui-se uma importante ferramenta de intervenção na realidade sanitária, com capacidade de sinalizar pontos de estrangulamento. Além disso, a concentração da oferta assistencial do território sob regulação única, especialmente no contexto apresentado pela pandemia da covid-19, tem o potencial de promover o acesso de forma mais equitativa, ordenada, oportuna e justa para a população, além de favorecer a otimização dos recursos assistenciais e financeiros 23.

No momento da análise, além dos leitos disponíveis para infecção pelo novo coronavírus, Pernambuco previu aumento da oferta de leitos covid-19 em algumas localidades, estando sua abertura condicionada à capacidade estrutural dos municípios e às necessidades em saúde dos territórios. Além disso, considerando a dinâmica da pandemia, ainda crescente no interior do estado, essa ampliação tem o potencial de fortalecer a oferta assistencial, primordial ao seu enfrentamento.

Cabe pontuar que o conhecimento relativo à pandemia da covid-19, experiência inédita e de graves implicações em todo o mundo, está em processo de construção, e que a ausência de estudos semelhantes impossibilita a comparação de alguns resultados.

A escassez de parâmetros sobre número de leitos de enfermaria e UTI necessários para o enfrentamento à pandemia fragiliza o processo de análise sobre a suficiência da oferta de leitos nas regiões de saúde. Entretanto, os dados analisados tornam possível apontar que a implementação paulatina dos leitos esteve relacionada ao crescimento do número de casos.

Ainda na apreciação deste estudo, deve-se ponderar que o número de casos de covid-19 pode estar subestimado, uma vez que durante o período analisado, a testagem estava ocorrendo apenas em pessoas sintomáticas, e pode não abarcar um contingente de pessoas portadoras do vírus, mas assintomáticas, devendo esta ser considerada uma limitação deste estudo. Entretanto, salienta-se não haver evidências de que esta condição teria influenciado negativamente no planejamento da oferta de leitos no estado.

Destaca-se que a possibilidade de subestimação no número de casos não neutraliza a relevância dos dados apresentados, e que esses dados estão sendo utilizados para tomada de decisão da gestão em saúde e para o desenvolvimento de pesquisas científicas.

Enfatiza-se que os resultados aqui apresentados têm potencial de servir como ferramenta de apoio à gestão, seja para distribuição de leitos ou alocação de equipamentos de saúde. Além disso, o estudo apresenta dados inéditos que podem suscitar questões a serem aprofundadas na perspectiva de fornecer elementos para orientar o planejamento e decisão em saúde, assim como auxiliar futuras pesquisas relacionadas ao tema.

 

CONCLUSÃO

Destaca-se que o estudo demonstrou interiorização da doença no estado com registro de ocorrência de casos em todas as regiões de saúde, o que ocasionou diminuição da proporção de casos em residentes da Região Metropolitana do Recife. No que se refere à oferta dos leitos identificou-se crescimento, com distribuição homogênea entre as macrorregiões de saúde, condição relevante no enfrentamento à pandemia

Por fim, pode-se concluir que a pandemia da covid-19, crise sanitária sem precedentes, caracteriza-se como um enorme desafio para os sistemas públicos de saúde em todo o mundo, exigindo uma série de medidas que devem ser orientadas para proteção e manutenção da vida. Nesse contexto, é possível apontar um importante legado deixado pela covid-19: o urgente e indispensável fortalecimento da saúde pública brasileira.

 

 

REFERÊNCIAS

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Recebido: 06 de maio de 2021. Aceito: 28 de maio de 2021

Correspondência: Juliana Leão Pontes.  E-mail: juliana.sespe@gmail.com

Conflito de Interesses: os autores declararam não haver conflito de interesses.

 

 

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