Rev.
Adm. Saúde Vol.
17,
Nº 67, Abr. – Jun. 2017
http://dx.doi.org/10.23973/ras.67.28
ARTIGO DE REVISÃO
A análise da qualidade
de medicamentos e o papel do laboratório oficial no contexto
da saúde pública
Quality analysis
of drug products and the role of the
official laboratory in the context of public health
Márcia
Lombardo1, Jaqueline Kalleian Eserian2
1
Mestre
em Fármaco e Medicamentos pela
Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade
de São Paulo, Pesquisador
Científico do Centro de Medicamentos, Cosméticos
e Saneantes, Instituto Adolfo
Lutz, São Paulo, SP, Brasil.
2
Mestre
em Ciências pela Universidade
Federal de São Paulo, Pesquisador Científico do
Centro de Medicamentos,
Cosméticos e Saneantes, Instituto Adolfo Lutz,
São Paulo, SP, Brasil.
RESUMO
Os
medicamentos são produtos de ampla
utilização na sociedade, seja como medida
curativa, paliativa ou profilática.
As etapas para garantir a qualidade dos medicamentos são
fundamentais ao
sucesso terapêutico e devem se basear na
ação eficaz e no uso seguro. Esta
revisão bibliográfica teve como objetivo discutir
a importância dos padrões de
qualidade dos medicamentos na gestão de estabelecimentos de
saúde, bem como na
saúde dos pacientes que fazem uso destes produtos. Foram
abordados assuntos relacionados
às operações de controle, as quais
devem ser executadas durante a fabricação e
também o papel do laboratório oficial na
avaliação da qualidade após a
comercialização. A
notificação de queixas técnicas e a
realização de programas
de monitoramento da qualidade de medicamentos oferecidos à
população são
ações
de relevância no âmbito da saúde
pública. O laboratório oficial atua como um
mediador na investigação de ocorrências
de desvios, de forma a contribuir com
aspectos regulatórios e com a tomada de decisões
por parte dos órgãos de vigilância
sanitária.
Palavras-chave:
Medicamento. Controle de qualidade.
Farmacovigilância. Vigilância sanitária.
Laboratório oficial. Análise fiscal de
produtos.
ABSTRACT
Medicines
are products widely
used
in society, either as a curative, palliative or prophylactic measure.
The
quality assurance of drug products is essential to the therapeutic
success and
should be based on
effectiveness and safety. This review aimed
to discuss the
importance of the quality standards of drug products in the management
of
healthcare facilities, as
well as for the health of the patients using this products. Issues
related to quality control operations during the
manufacture were
addressed, as well as the role of the Official Laboratory in the
evaluation of
quality in the post-marketing period. The notification of technical
complaints
and the implementation of monitoring programs for the evaluation of
drug
products available to the population are actions of
relevance to the public
health. The Official Laboratory acts as a
mediator in the
investigation of deviations occurrences, in order to contribute to
regulatory
aspects and with the decision-making by the sanitary surveillance.
Keywords: Pharmaceutical
preparations. Quality control. Pharmacovigilance. Health surveillance.
Official
laboratory. Fiscal analysis of products.
INTRODUÇÃO
Os
medicamentos são considerados
importantes instrumentos de saúde, seja para interromper o
processo de
adoecimento, diminuir o sofrimento ou melhorar a qualidade de vida do
paciente.1
A Política Nacional de Medicamentos (PNM) aprovada no
país em 1998 é um
elemento da Política Nacional de Saúde que
está fortemente relacionado à
melhoria das condições da assistência
à saúde.2
A
PNM baseia-se nos princípios e diretrizes
do Sistema Único de Saúde (SUS) e visa assegurar
o acesso da população a
medicamentos de qualidade, ao menor custo possível, nas
três esferas de
governo. Além disso, enfatiza a
promoção do uso racional e a
redução da
automedicação, fortemente presente na sociedade
brasileira.2
A
organização da assistência
farmacêutica sofreu mudanças significativas com a
implantação da PNM, visto que
alcançar uma atenção básica
resolutiva dentro do SUS requer o acesso a
medicamentos em momento oportuno, de maneira coerente, a produtos de
qualidade
e oferecendo todas as informações
necessárias para o uso correto dos mesmos.3
Portanto, a assistência farmacêutica tornou-se um
grande desafio, já que não só
o medicamento é tido como elemento primordial mas
também a sua relação com o
usuário, em busca da efetivação de uma
assistência terapêutica integral.4
A
qualidade de medicamentos é um
atributo de caráter não apenas comercial, mas
também legal, ético e moral e o
seu não cumprimento pode ocasionar sérias
implicações à saúde
pública.5
O que se espera de um medicamento é que no momento do uso
ele tenha ação
farmacológica preservada e perfil toxicológico
seguro.6
A
garantia da qualidade de
medicamentos é também uma importante ferramenta
para a qualificação de
fornecedores e o monitoramento do processo de compra no sistema
público de
saúde. A distribuição de medicamentos
com desvio de qualidade pode colocar em
risco a vida do paciente e onerar ainda mais o sistema, pois ao
não se obter os
resultados esperados o paciente entra em novo ciclo dentro do SUS,
gerando
novas consultas, exames e esquemas terapêuticos.7
Na
gestão das unidades de saúde a
administração de materiais se destaca como um
ponto crítico. A oferta de
produtos de qualidade, em quantidade e preço adequados
são elementos chave na
viabilização econômica.6
O ideal é que a eleição dos
fármacos para
compor os esquemas terapêuticos seja feita segundo estudos de
farmacoeconomia,
os quais são baseados na relação
custo-efetividade.8
A
transição demográfica vivida no
país
está levando a uma demanda crescente dos recursos em
saúde, sendo a aquisição
de medicamentos apontada como uma das principais
responsáveis pelo incremento
nos gastos, especialmente no que se refere a medicamentos de alto custo, de uso
prolongado ou para morbidades
de elevada prevalência. Uma vez que os gastos
estão aumentando
progressivamente, as avaliações
econômicas em saúde apoiadas em
evidências
científicas se mostram cada vez mais relevantes.9
A
aquisição de medicamentos no setor
público é baseada no binômio
custo-qualidade. Medicamentos mais baratos mas com
qualidade duvidosa podem gerar consequências negativas e
maiores gastos. Além
disso, o recolhimento de produtos sob suspeita de desvio de qualidade
é um
processo custoso e que compete com outras demandas
prioritárias do sistema.7
Os
atributos de qualidade a serem
considerados durante o processo de aquisição
podem estar relacionados não só a
questões intrínsecas do medicamento, tal como a
eficácia, como também à sua
adequabilidade ao perfil nosológico do serviço de
saúde, o grau de exigência
pretendido e o que pode ser feito efetivamente para garantir esta
exigência.6
A
aquisição de medicamentos de baixa
qualidade muitas vezes pode ser atribuída a motivos como:
cadastro
desatualizado de empresas fabricantes e distribuidoras, baixo
índice de
notificação compulsória de desvios de
qualidade, ausência de comprovação do
registro do medicamento, regulamentação
insuficiente e inexistência de um
sistema de informação ao consumidor.10
A
licitação na modalidade menor preço
gera preocupação com a qualidade dos produtos
distribuídos à população.
No
entanto, existem mecanismos para o adequado julgamento das propostas,
como a
inserção de critérios de
habilitação do licitante, a aptidão no
desempenho das
atividades e a idoneidade técnica. Além de
assegurar a eficácia e segurança dos
produtos, o monitoramento da qualidade de medicamentos integrado a
ações de farmacovigilância
contribui com o aprimoramento do processo licitatório.6,7
O
objetivo deste trabalho foi discutir
a importância dos parâmetros de qualidade na
produção de medicamentos,
abrangendo conceitos relacionados ao controle de qualidade durante a
fabricação, bem como a
avaliação da qualidade como parte das
ações da vigilância
sanitária, seja em casos de suspeitas e queixas
técnicas ou por meio de
programas rotineiros no período
pós-comercialização, destacando a
atuação do laboratório
oficial neste processo.
METODOLOGIA
A
pesquisa da literatura foi realizada
por meio de busca on-line nas bases de dados Scielo e Google
Acadêmico,
utilizando as palavras-chave: controle de qualidade de medicamentos,
queixa
técnica de medicamentos, vigilância
sanitária e laboratório oficial. Os artigos
foram selecionados de acordo com a abordagem direta do tema e a
disponibilidade
eletrônica, resultando na escolha de 27 artigos, publicados
entre 1999 e 2016,
nas modalidades original, revisão, nota técnica,
relato de experiência e
editorial. Para complementar o tema foram também consultadas
outras fontes como
capítulos de livros e endereços
eletrônicos de órgãos oficiais contendo
guias,
informações técnicas e material
jurídico.
RESULTADOS
E DISCUSSÃO
O laboratório do
Ministério da Saúde ou congênere da
união, dos estados, do distrito federal e
dos territórios que apresenta competência
delegada, através de convênio ou
credenciamento, para realizar a análise de drogas,
medicamentos, insumos
farmacêuticos e correlatos é denominado
laboratório oficial. 11 A
avaliação da qualidade de produtos envolvidos
em queixas e denúncias, bem como a
participação em programas periódicos
para o
monitoramento de produtos comercializados ou distribuídos
à população são as
atividades
preponderantes do laboratório oficial. A
relevância destas atividades será
discutida com maior profundidade nos tópicos apresentados a
seguir.
Controle
versus
avaliação da qualidade de medicamentos
Para
alcançar o objetivo da qualidade
de maneira confiável é fundamental que o
fabricante do medicamento implemente
um sistema de garantia de qualidade, o qual deve incorporar todos os
instrumentos legais pertinentes e os requisitos mínimos que
possibilitem o
cumprimento destes instrumentos.12,13
As
normas de Boas Práticas de
Fabricação e Controle de medicamentos (BPFC)
regulamentadas pela Agência
Nacional de Vigilância Sanitária pretendem
assegurar a produção consistente e
controlada, utilizando padrões de qualidade apropriados para
o uso requerido no
registro do produto.14
O
cumprimento das BPFC está dirigido à
diminuição dos riscos inerentes à
produção, ou seja,
contaminação cruzada,
contaminação por partículas, troca de
produtos ou mistura de produtos. Compete
ao controle de qualidade realizar operações
capazes de verificar a conformidade
do produto com as especificações de qualidade,
compreendendo etapas de
amostragem, execução de ensaios
analíticos, julgamento dos resultados e
documentação. Ressalta-se que o controle de
qualidade não deve se limitar a
operações laboratoriais de análise e
sim estar envolvido em todas as decisões
relacionadas à qualidade do produto.14,15
As
atividades de validação dos métodos
de análise são prioritárias para o
cumprimento das práticas de controle,
permitindo o desenvolvimento de métodos eficazes e com
níveis apropriados de
exatidão, precisão e confiabilidade.12
A necessidade de se mostrar a
qualidade de medições é cada vez mais
reconhecida e exigida, já que dados
analíticos inadequados podem ter consequências
desastrosas e prejuízos
financeiros irreparáveis.16 O
processo de validação de métodos se
caracteriza por estudos experimentais voltados ao atendimento das
exigências
das aplicações analíticas, assegurando
resultados confiáveis durante o uso
rotineiro.17
As
matérias-primas utilizadas na
produção farmacêutica estão
sujeitas à análise e cumprimento de requisitos de
qualidade, a fim de garantir a máxima segurança
do produto final. Além dos
testes habituais de liberação, o teste de
identificação da matéria-prima deve
ser realizado para todos os recipientes de todos os lotes.13
A
avaliação da estabilidade da
formulação farmacêutica é
importante para prever características
específicas do
processo produtivo, a possibilidade de interação
entre os componentes, os
fatores ambientais a que pode ser submetida e o material de embalagem
mais
adequado para seu acondicionamento.6
A
estabilidade de formulações
farmacêuticas
se expressa pela sua integridade, de maneira a não
comprometer a liberação e a
absorção do ativo. A perda da estabilidade
físico-química pode acarretar em
degradação de componentes,
modificação na concentração
do ativo e/ou formação
de produtos potencialmente tóxicos. A perda da estabilidade
microbiológica pode
significar ineficácia do sistema de
conservação ou do processo esterilizante,
bem como a contaminação em níveis
acima do permitido.6
Enquanto
o controle de qualidade
realizado pelo fabricante do medicamento constitui a sua filosofia de
produção,
o laboratório oficial é responsável
pela avaliação da qualidade mínima do
produto disponível ao usuário. Portanto,
não é função do
laboratório oficial
garantir a qualidade de qualquer linha de
produção ou realizar controle de
qualidade, embora as técnicas e métodos
utilizados sejam praticamente os
mesmos.18
Tal
avaliação reflete a
percepção
estatal do risco à saúde e se materializa em
normas jurídicas, a serem
observadas pelo setor fabril e fiscalizadas pela vigilância
sanitária. Do ponto
de vista da saúde pública, a
menção dos motivos da apreensão do
produto a ser
avaliado é fundamental para orientar e diferenciar a
abordagem laboratorial.
Desse modo, o laboratório oficial deverá dar
primazia aos testes capazes de
elucidar o problema em questão.18
A
ocorrência de desvios de qualidade
de medicamentos pode ser devida a falhas humanas ou falhas em processos
de
manufatura, transporte ou armazenamento.19 A
não-conformidade
resultante representa um somatório de
atribulações para o fabricante,
principalmente prejuízos de re-trabalho, perda de
credibilidade e cassação da
licença de funcionamento e de registro. Para o paciente, a
falta de qualidade
pode trazer sérias complicações
à saúde.15
Cabe
à vigilância sanitária promover
ações voltadas à
avaliação da qualidade de produtos
farmacêuticos disponíveis
no mercado na ocorrência de suspeita ou denúncia
de adulteração,
falsificação,
alteração em características
físico-quimicas ou falhas terapêuticas.15
Segundo
a literatura, existem duas
categorias de medicamentos de baixa qualidade, o contrafeito e o de
padrão
inferior. O primeiro refere-se a erros deliberados ou fraudes e o
segundo, a
desvios de qualidade sem dolo proposital.20
O
medicamento contrafeito pode abranger
produtos de referência, similares ou genéricos com
alteração em sua identidade
e/ou origem, principalmente a ausência ou
insuficiência de componentes ativos
ou mesmo o uso de outros componentes ativos no lugar dos usuais. Tais
produtos
não apresentam qualquer benefício
terapêutico e podem ser responsáveis por
causar resistência e até mortes.21
A
falsificação de produtos com fins
terapêuticos ou medicinais constitui
infrações sanitárias e crimes contra a
saúde pública, citados no Código
Penal. O consumo destes medicamentos pode
causar enormes prejuízos, sendo indispensável a
ampliação das estratégias de
fiscalização e de pesquisa laboratorial, bem como
de ações educativas por parte
das agências regulatórias,
órgãos policiais e governo federal.22
A
apreensão de produtos apontados em
denúncias feitas por usuários ou profissionais de
saúde pretende acionar as
autoridades sanitárias para apuração e
tomada de providências, resgatando o
caráter investigativo das ações de
vigilância. Produtos com alteração ou
adulteração evidente requerem respostas
rápidas e a legislação determina a
obrigatoriedade de interdição cautelar sempre que
houver indícios de perigo
iminente para a saúde.18
Os
laboratórios oficiais são partes
fundamentais no processo de elucidação das
ocorrências, contribuindo com as
ações de proteção
à saúde pública e oferecendo
subsídios para a regulação no
âmbito sanitário.23 Afinal,
retirar produtos do mercado que são
carentes de eficácia e segurança é
também contribuir com a promoção do
uso
racional de medicamentos.24
A
queixa técnica de medicamentos
Os
estudos farmacoepidemiológicos
fornecem informações a respeito do perfil de
utilização de medicamentos em uma
população, evidenciando as suas
consequências sanitárias, sociais e
econômicas,
bem como os aspectos associados à gestão
saúde/doença.8
A
situação dos países em
desenvolvimento merece atenção particular em
relação à segurança do
paciente no
uso de medicamentos, pois com frequência estes
países enfrentam dificuldades no
abastecimento, na aquisição de produtos de
qualidade e na habilitação do
profissional de saúde, tornando maior a probabilidade de
ocorrência de eventos
adversos a medicamentos.25
O
campo da farmacovigilância dedica-se
a identificar, avaliar e prevenir os riscos ou qualquer outro problema
relacionado a medicamentos, tais como reações
adversas, ineficácia,
dependência, abuso, intoxicação, erros
de medicação e desvios de qualidade.26
Os
erros de prescrição,
dispensação e
administração, a dificuldade de adesão
e o uso de medicamentos impróprios,
manipulados incorretamente ou com integridade comprometida podem ser
considerados erros de medicação.27
Os desvios de qualidade em
medicamentos se caracterizam por alterações no
produto, seja em propriedades
organolépticas, parâmetros
fisico-químicos, parâmetros
biológicos ou informações
técnicas de bulas e
rótulos.28
As
crescentes inovações tecnológicas
em produtos farmacêuticos e para a saúde
têm demonstrado a necessidade de
fortalecer a vigilância
pós-uso/pós-comercialização
(VIGIPÓS). A capacitação de
uma rede sentinela e de um sistema de notificação
é necessária para que estes
atuem como interface das informações relacionadas
a eventos adversos e queixas
técnicas de medicamentos.23 Os
incidentes relacionados ao uso de
medicamentos podem ser circunstâncias notificáveis
como potencial evento
adverso (near miss), evento adverso sem dano, evento
adverso com dano ou
queixa técnica.29
A queixa técnica
de medicamentos ocorre quando
se observa um afastamento dos parâmetros de qualidade
pré-estabelecidos para o
produto, muitas vezes em consequência a práticas
ilegais. A notificação de
queixa técnica é avaliada para a classificar o
risco sanitário e planejar a
estratégia de ação, desencadeando
ações de inspeção, coleta,
análise fiscal ou adoção
de medidas preventivas.28
À
semelhança dos medicamentos, os
produtos para saúde tão presentes no ambiente de
hospitais e clínicas, tais
como equipamentos, materiais, artigos médicos, implantes e
itens para
diagnóstico também são alvo da
vigilância sanitária. Problemas na qualidade
destes produtos devem ser notificados e enquadrados no escopo da
tecnovigilância.19
Alguns
trabalhos demonstraram que as
queixas mais recorrentes em notificações
envolvendo medicamentos e produtos
para saúde realizadas por hospitais de diferentes
regiões do país foram
atribuídas a problemas na embalagem, como vazamento e
dificuldade de abertura;
alteração no aspecto do produto, como cor e
integridade, falhas na quantidade
total disponível na embalagem e erros em
informações do rótulo. De um modo
geral, estas queixas foram caracterizadas pela fácil
visualização do problema
antes mesmo da utilização do produto.19,29,30
Segundo
Caon, Feiden e Santos (2012),
a maior parte dos trabalhos sobre farmacovigilância
apresentam ênfase na
descrição de efeitos adversos sem indicar
possíveis ocorrências na qualidade do
medicamento, sendo que esta abordagem também merece
atenção especial, pois um
medicamento com suspeita de desvio de qualidade pode ser a causa de uma
reação
adversa.30
A
eficácia terapêutica de medicamentos
depende de múltiplos fatores, dentre eles a qualidade do
produto, o uso correto
e o estado clínico do paciente. Portanto, é
importante que a investigação de
ineficácia terapêutica envolva a
análise laboratorial do produto, principalmente
diante de casos graves.31,32 Os ensaios
analíticos relacionados com
a eficácia, de um modo geral, se restringem à
identificação e à
quantificação
das substâncias ativas declaradas no registro.18
As
notificações de suspeitas de desvio
de qualidade de medicamentos representam um avanço no
processo de regulação
sanitária, pois não só auxiliam a
melhoria da qualidade do produto como
possibilitam estabelecer o perfil das ocorrências, e com
isto, qualificar a
assistência.30
Tendo
em vista a carência de informações
científicas neste tópico, a
atuação das Instituições
Sentinela é fundamental. A
alimentação dos sistemas de
notificação contribui com a
avaliação da realidade
das queixas técnicas no país e com o norteamento
da elaboração de novos
critérios de controle.30 A partir das
informações obtidas poderão
ser realizados alertas de segurança,
atualização da legislação
ou recomendações
sanitárias.23
O
exercício dos profissionais de saúde
no relato de queixas técnicas deve ser aprimorado por meio
de estratégias
educativas que demonstrem a importância dessa atitude para a
segurança do
paciente.19 É
imprescindível que a notificação seja
orientada e
incentivada por todos da equipe.29
O
monitoramento da qualidade de
medicamentos
As
apreensões planejadas de amostras
de medicamentos pela vigilância sanitária
configuram os programas de
fiscalização, cujo objetivo é
verificar elementos que o fiscal não pode
constatar a olho nu, tais como a identidade e teor de
fármaco. Estes programas
devem ser detalhados quanto às metas e critérios
de eleição dos produtos, tendo
a participação do laboratório oficial
na definição do plano de amostragem.18
O
monitoramento da qualidade de
medicamentos visa anteceder possíveis riscos e danos aos
pacientes, sendo a
divulgação das informações
obtidas úteis na qualificação de
fornecedores de
interesse ao SUS.7 A
construção de programas de monitoramento
pactuados entre os entes do Sistema Nacional de Vigilância
Sanitária tem o
objetivo de verificar a qualidade dos produtos utilizados no
âmbito nacional.23
Os
indicadores gerados podem ser
aplicados no processo de seleção,
aquisição e utilização,
assim como no
subsídio de possíveis
intervenções dos órgãos
regulamentadores.19 É
a partir do indicador de qualidade que o gestor será capaz
de traçar medidas de
controle e também realizar ações de
educação continuada, a fim de minimizar a
ocorrência de falhas relacionadas ao medicamento.33
A
avaliação periódica da qualidade dos
medicamentos disponibilizados no SUS deve incluir produtos que
já foram notificados
com suspeita de desvio de qualidade, produtos que apresentaram laudo
anterior
insatisfatório e também aqueles produtos que
são os mais consumidos no mercado,
criando-se um modelo de intervenção preventiva. O
monitoramento tem como foco
avaliar parâmetros de identidade, pureza,
eficácia, inocuidade e integridade.34
Os resultados satisfatórios obtidos nestes programas indicam
o cumprimento de
requisitos que viabilizam um tratamento eficaz.35,36
Bianchin
et al. (2012) afirmam que
existem poucos trabalhos científicos divulgando os
resultados do monitoramento
da qualidade de medicamentos fornecidos pelo SUS e atentam para
elevados
índices de reprovação de produtos com
teor de fármaco abaixo do esperado ou
próximo do limite de aceitação,
relacionando tal desvio com o uso de
matérias-primas de má qualidade, a
ocorrência de degradação ou o uso
proposital
de limites inferiores com intuito de reduzir custos.7
De
acordo com Silva (2000) um
fabricante idôneo não admite a
liberação de um lote com teor próximo
a um dos
limites extremos, tendo em vista que este limite deverá
manter-se estável até o
último dia do prazo de validade. O fabricante, dispondo de
todos os dados da
produção, pode elevar ao máximo os
padrões de controle, visando a
obtenção de
lotes homogêneos.18
No
âmbito institucional interno os programas
de monitoramento da qualidade de medicamentos favorecem as atividades
de
educação permanente, com o intuito de garantir
uma maior segurança ao paciente.
No âmbito institucional externo eles fornecem
informações qualificadas para
tomada de decisão dos órgãos de
vigilância sanitária do país.29
É
importante que estes programas estejam articulados à PNM e a
uma lógica que
considere a morbimortalidade da população,
incluindo os medicamentos
prioritários e que respondam às necessidades de
saúde. A implementação, a
continuidade e o aprimoramento dos programas de monitoramento
são um grande
desafio para a área da saúde pública.1
A
atuação do laboratório oficial
De
acordo com a Constituição Federal,
a vigilância sanitária é preconizada
como um dos campos de atividade do SUS e
seus componentes tradicionais incluem a
fiscalização, a inspeção, a
regulação e
o monitoramento.37,38 A vigilância
sanitária a que ficam sujeitos os
medicamentos e insumos farmacêuticos é
instituída pela lei 6.360/1976, a qual
trata essencialmente de normas para o registro, a
autorização de funcionamento,
a responsabilidade técnica, o controle de qualidade, a
rotulagem, a
publicidade, os meios de transporte, as infrações
e as penalidades.39
A
velocidade de introdução de novos
produtos e tecnologias supera os conhecimentos acumulados e
consolidados em
atos sanitários, fazendo com que novas fontes de agravo
à saúde precisem ser
monitoradas com base em regulamentações
específicas. A elaboração das mesmas
somente é possível se houver
interação entre o agente identificador do agravo
e
o laboratório oficial, que buscará elucidar e
comprovar as causas por meio de
análises previstas na legislação e que
servirão como complemento à
ação de
fiscalização.18
Desse
modo, os laboratórios oficiais
são instituições relevantes na
geração do conhecimento a ser sistematizado e
disseminado, auxiliando epidemiologicamente a
redução ou a eliminação do
risco
potencial, ou seja, do risco sanitário.38
O
Sistema Nacional de Laboratórios de
Saúde Pública (SISLAB) é formado por
um conjunto de redes nacionais de
laboratórios, organizadas em sub-redes, por agravos ou
programas, de forma
hierarquizada. Suas ações abrangem as esferas
federal, estadual e municipal, em
conformidade com os princípios do SUS. Os
laboratórios centrais (Lacens) estão
vinculados às secretarias estaduais de saúde e
têm como uma de suas
competências a avaliação da qualidade
analítica das redes estaduais.23
Os
Lacens produzem informações que
fortalecem o Sistema Nacional de Vigilância
Sanitária, resultantes de
investigações de desvios de qualidade, de
atendimento a rotinas e de elaboração
de programas e projetos de avaliação de produtos
e serviços. Assim, acredita-se
que os Lacens também podem ser notificadores de grande
importância no controle
de agravos à saúde da
população.23
As
modalidades de análises previstas
em lei estão relacionadas ao momento do ciclo da
fiscalização, apresentando
objetivos específicos e diferentes graus de
implicação para a saúde
pública. A
modalidade análise prévia é aquela que
ocorre durante o processo de concessão
do registro, enquanto a modalidade análise de controle visa
a avaliação da
capacidade de produzir segundo os termos concedidos no registro,
verificando se
o produto que está entrando na cadeia de consumo corresponde
aos aspectos
previamente aprovados.18
A
modalidade análise fiscal é a que
mais vem sendo praticada e avalia a capacidade do fabricante em seguir
produzindo medicamentos com qualidade satisfatória durante
toda a vida útil do
produto. O termo de apreensão de amostra representa a
lavratura do auto de
fiscalização e o elo de
ligação entre a inspeção e
a avaliação analítica,
favorecendo a relação de causalidade entre os
fatos apurados e o evento
identificado. Assim, a descrição minuciosa das
suspeitas deve acompanhar as
amostras apreendidas e orientar a abordagem analítica.18
A
análise macroscópica é um
método que
exige pouco ou nenhum equipamento e permite uma primeira
avaliação, de forma
não destrutiva. Apesar de alguma inferência sobre
a qualidade a partir de
características macroscópicas ou
organolépticas, ela não permite qualquer
determinação mais apurada sobre a estabilidade ou
esterilidade das formas
farmacêuticas. Assim, deve-se arbitrar até que
ponto pretende-se exigir a
inclusão de procedimentos que privilegiem a
identificação, teor de ativo e
uniformidade de doses, dentre outros testes.6
A
análise laboratorial seguirá normas
que frequentemente consideram limites de tolerância em seus
critérios de
aceitação. A monografia oficial é
específica para o produto e aplica-se a
qualquer tamanho amostral, seguindo o princípio de que
qualquer unidade do
produto disponível no mercado deve estar dentro dos limites
de tolerância
estabelecidos.18
O
laudo analítico mostra se o produto
preenche ou não as características estabelecidas
na legislação sanitária,
devendo informar a necessidade ou não de
intervenção na fonte de agravo.
Trata-se de uma prova científica que só pode ser
contestada com evidências
equivalentes, sendo a perícia de contraprova um
desdobramento do laudo
condenatório. A análise de desempate é
determinada por um novo exame pericial,
a ser realizado na segunda amostra, em poder do laboratório
oficial. Os laudos
que classificam o produto como impróprio para consumo
desencadeiam processos de
inspeção, sendo que qualquer delonga
desnecessária à superação
da fonte de
agravo poderá trazer danos incalculáveis
à saúde dos usuários.18
As
infrações à
legislação sanitária
federal estão configuradas na lei 6.437/1977.40
Esta lei estabelece
as bases do sistema processual sanitário e realça
a correlação entre
constituição
e processo. O feito sanitário tem como padrão a
medida punitiva, porém,
revela-se como um instrumento essencial na
investigação do nexo causal entre a
conduta do autuado e o evento que deu causa à
infração. A decisão
administrativa confere efetividade à
atuação estatal e a via processual compatibiliza
a garantia dos
direitos do autuado com o bem
intangível, que é a saúde
pública.41
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Como
subsídio às ações de
proteção à
saúde realizadas pela vigilância
sanitária, cabe ao laboratório oficial
elucidar problemas relacionados à qualidade de produtos
disponíveis no mercado,
por meio de análises físicas,
químicas, biológicas ou técnicas. No
caso dos
medicamentos, a garantia do binômio segurança e
eficácia merece atenção
especial, visto que estes produtos são utilizados com
frequência por uma
população que se encontra vulnerável e
que impreterivelmente necessita de uma
resolução efetiva dos agravos
em sua saúde.
REFERÊNCIAS
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Recebido:
12 maio 2017. Publicado: 29 maio
2017
Correspondência:
Márcia Lombardo. Instituto Adolfo Lutz, Centro
de Medicamentos, Cosméticos e Saneantes. Avenida Doutor
Arnaldo, 355, Prédio
BQ, 5o andar, CEP 01246-902, São Paulo, SP. E-mail:
mlombardo@ial.sp.gov.br
Conflito de Interesses:
os autores não declararam
conflito de interesses
©
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