Rev. Adm. Saúde (On-line), São Paulo, v. 20, n. 80: e245, jul. – set. 2020, Epub 30 set. 2020
http://dx.doi.org/10.23973/ras.80.245
ARTIGO ORIGINAL
Coordenação do cuidado baseado em saúde digital e cuidado híbrido no acompanhamento da jornada do paciente pós COVID-19
Care coordination based on eHealth and hybrid care of the follow-up of post-COVID-19 patient journey
Herlon Clayton Paggi Hernandes1, Claudia da Costa Meirelles2, Fernando Travaglini Penteado3, Antonio Valerio Netto4
1. Analista de Sistemas do Serviço Federal de Processamento de Dados (SERPRO), São Paulo SP.
2. Médica sanitarista. Assessora técnica Conselho de Secretários Municipais de Saúde de SP. São Paulo SP.
3. Médico ortopedista. Universidade Federal de São Paulo, São Paulo SP.
4. Professor visitante em health data science e telemedicina na Escola Paulista de Medicina/UNIFESP, São Paulo SP
RESUMO
Desde dezembro de 2019 houve um alerta para uma pneumonia viral identificada como COVID-19 causado pelo vírus Sars-Cov-2. Essa doença atingiu vários países e infectou milhões de pessoas. As consequências no longo prazo dessa infecção ainda estão sendo observadas e as doenças pré-existentes ou adquiridas podem agravar o status de saúde da população mundial. Em todos os casos, há inúmeros questionamentos da necessidade de acompanhamento, assistência e reabilitação. Inicialmente, o foco mundial esteve na contingência da pandemia e na sustentação de uma rede de serviços de urgência e emergência, além da suficiência de leitos de enfermaria e cuidados intensivos. Dando sequência nesse processo, um aspecto importante a ser estudado e planejado é a construção de uma jornada do paciente pós COVID-19. Diante disso, foi realizada uma pesquisa qualitativa aplicando o método de entrevista em profundidade junto a líderes da área de saúde no Brasil para compreender possíveis formas de viabilizar esta condição de aprimoramento da jornada do paciente. Baseado nesta pesquisa observou-se que a coordenação do cuidado assistencial pode ser um excelente caminho para redefinição da jornada dos pacientes infectados, apoiado por ferramentas tecnológicas que vão desde teletriagens e teleorientações, passando por autocuidado apoiado e interoperabilidade de dados de saúde. O cuidado coordenado promove entregas mais qualificadas em saúde, com desfechos baseados em valor como novo pilar na saúde suplementar e nas políticas públicas de saúde, que incluem, ainda, a revisão na remuneração dos serviços prestados. O artigo também discorre sobre os principais conceitos correlatos entre a coordenação do cuidado e suas interações com a aplicação de soluções baseadas em saúde digital e cuidado híbrido, além de destacar o papel da ciência cidadã na construção de uma nova jornada do paciente. Baseada nesta premissa procura-se constituir argumentos junto às lideranças da área de saúde para que possam refletir e promover uma revisão nos processos relacionados à jornada do paciente pós-pandemia.
Palavras-chave: Estratégias de eSaúde, Políticas de eSaúde, Atenção Primária à Saúde, Assistência ao Paciente.
ABSTRACT
Since December 2019 there has been an alert for viral pneumonia identified as COVID-19 caused by the Sars-Cov-2 virus. This disease affected several countries and infected millions of people. The long-term consequences of this infection are still being observed and pre-existing or acquired diseases can worsen the health status of the world population. In all cases, there are numerous questions about the need for follow-up, assistance, and rehabilitation. Initially, the global focus was on the contingency of the pandemic and the support of a network of urgent and emergency services, in addition to the sufficiency of infirmary and intensive care beds. Following this process, an important aspect to be studied and planned is the construction of a post-COVID-19 patient journey. Therefore, a qualitative research was carried out applying the method of in-depth interview with health leaders in Brazil to understand possible ways to make this condition of improving the patient's journey feasible. Based on this research, he observed that the coordination of care can be an excellent way to redefine the journey of infected patients, supported by technological tools ranging from tele-screening and tele-orientations, through supported self-care and interoperability of health data. Coordinated care promotes more qualified deliveries in health, with value-based outcomes as a new pillar in supplementary health and public health policies, which also include a review of the remuneration for services provided. The article also discusses the main correlated concepts between the coordination of care and its interactions with the application of solutions based on digital health and hybrid care, in addition to highlighting the role of citizen science in building a new patient journey. Based on this premise, we seek to constitute arguments with health leaders so that they can reflect and promote a review of the processes related to the post-pandemic patient's journey.
Keywords: eHealth Strategies, eHealth Policies, Primary Health Care, Patient Care.
INTRODUÇÃO
O mundo enfrenta a pandemia do novo coronavírus, com impactos e consequências alarmantes na saúde e na economia mundial, bem como na organização social. Caracterizada como pandemia, a COVID-19 se disseminou e acomete milhões de pessoas de forma rápida e tencionando os serviços de saúde particulares e públicos, devido ao crescimento exponencial de casos e óbitos1. No Brasil, o Ministério da Saúde declarou em fevereiro de 2020, “Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN)” e iniciou o “Plano de Contingência Nacional” para a COVID-19. Em virtude da necessidade de isolamento social, as doenças crônicas foram negligenciadas em seu acompanhamento, trazendo um importante alerta aos sistemas de saúde, agravando comorbidades e aumentando fatores de risco na população2. A pandemia já se divide em ondas distintas e publicizadas: infecção primária da população, infecções impactadas pelo isolamento, infecções decorrentes das doenças crônicas com cuidados interrompidos e doenças de saúde mental decorrentes de traumas, isolamento, impactos sociais e burnout.
Entende-se que associar a coordenação do cuidado em saúde com ferramentas tecnológicas baseadas em saúde digital para promover o cuidado híbrido3 reflete uma necessidade para o período de pandemia. Neste cenário de aplicação de tecnologias, as soluções inovadoras de prestação de serviço de saúde baseadas em cuidado a distância, tem tido um impacto positivo junto aos pacientes4. Além disso, considerando que o empenho no seu enfrentamento é de responsabilidade de todos, a “ciência cidadã” surge da mesma argumentação do desenvolvimento sustentável3. Ela se apresenta como uma ferramenta aplicada em emergências que ajudará a fornecer em tempo real, o impacto individual e coletivo do isolamento de modo a permitir o desenho de estratégias de intervenção e de mitigação de risco. O conceito inovador de “ciência cidadã” surge como aliado e complementa à ciência tradicional e torna mais participativa as contribuições sociais e de estilos de vida que alteram os cenários analisados5. A ciência cidadã é baseada na participação informada, consciente e voluntária de cidadãos6.
No caso da coordenação dos cuidados, ela é fundamental para organização dos sistemas de saúde e se correlaciona com o Sistema Único de Saúde (SUS). Ela promove uma integração contínua que envolve assistências profissionais, definições de referências e fluxos, além da troca de informações em tempo oportuno ao cuidado requerido. Existem três tipos de coordenação de cuidados: (1) coordenação sequencial ressalta um usuário do sistema de saúde que encontra na sua jornada profissionais e organizações durante um episódio específico de doença; (2) coordenação recíproca, quando um doente recebe tratamentos por diversos profissionais simultaneamente; (3) coordenação coletiva, quando os profissionais de saúde envolvem o usuário na tomada de decisões, apoiando-o7. Pode-se dizer que não há coordenação quando o usuário é o principal instrumento de coordenação, ocorrendo a ausência de outros mecanismos, além da existência de desperdício de tempo e recursos.
METODOLOGIA
Foi realizada uma pesquisa qualitativa, aplicando o método de entrevista em profundidade junto a doze líderes da área de saúde no Brasil, para compreender como eles identificavam as oportunidades e as formas de realizar essa transformação digital da jornada do paciente para atender o cuidado do paciente pós COVID 19. A entrevista em profundidade é uma técnica que apesar de existir um guia de entrevista, este não é fechado, podendo o entrevistador, de acordo com a sua experiência e o desenrolar da conversa com o entrevistado, adaptar o guia conforme o resultado da sua interpretação. Por se tratar de uma técnica qualitativa, a tentativa está em “compreender” e/ou “explicar” determinado fenômeno ou realidade. As entrevistas foram conduzidas de forma on-line por três pesquisadores, sendo dois médicos seniores, um com experiência em gestão de saúde pública e outro com experiência clínica. Além de um profissional de tecnologia da informação com mais de 20 anos de experiência.
Dos doze entrevistados, nove são homens e três mulheres em cargos de presidência, superintendência, diretoria ou gerência sênior de suas instituições. São sete instituições de saúde privada, três fundações sem fins lucrativos ligados diretamente a área de saúde e duas cooperativas de saúde. Com relação ao perfil de adoção da tecnologia8, um é conservador, cinco são pragmáticos e seis visionários. Referente às entrevistas on-line, elas foram inicialmente estipuladas para durarem 60 minutos e foram realizadas durante o mês de maio de 2020. Existia um conjunto inicial de perguntas baseadas nos processos de SPIN Selling9 e Get out of the building10 para nortear a entrevista com o especialista. Na Tabela 1 é apresentada uma descrição sucinta sobre como foi realizada a entrevista.
Tabela 1. Descrição sucinta sobre como foram realizadas as doze entrevistas online.
No. |
Descrição |
1 |
Entrevista durou mais do que previmos por conta da receptividade do entrevistado, que demonstrou interesse no tema abordado. Foi uma entrevista para ampliarmos os conceitos sobre o tema junto ao mercado de saúde, sem grandes formalidades. |
2 |
A entrevista foi no modelo de uma conversa para contribuir para validar o conceito de monitoramento de pacientes COVID-19. Durou bem mais que o planejado, apesar da própria entrevistada estar com diagnóstico de COVID-19 e isolada. Isto contribuiu muito nas discussões para além da tecnologia. |
3 |
A conversa teve longa duração, sem grandes formalidades. Pautada nos aspectos da tecnologia e segurança das informações compartilhadas, bem como na transação e compartilhamento das informações captadas. |
4 |
Boa receptividade, porém, quis saber de antemão do que se tratava o conteúdo da conversa o que causou um pequeno estranhamento inicial entre as partes. Superada essa fase inicial a entrevista correu bem com boa colaboração e respostas a todos os questionamentos. |
5 |
Entrevista dinâmica que nos despertou interesse por conta da experiência da empresa junto ao mercado e com monitoramento de pacientes. |
6 |
Entrevista que durou cerca de 50 minutos com muita interação e temas relevantes sobre o mercado de saúde. |
7 |
Boa recepção da nossa abordagem, cerca de 40 minutos durante o expediente dele de home office. |
8 |
Bastante receptivo e a conversa teve duração de 40 minutos, sem grandes formalidades. Foi pautada em tecnologia e segurança das informações compartilhadas. |
9 |
Entrevista durou mais tempo do que o solicitado, com uma receptividade muito boa e grande interesse pelo tema, sem grandes formalidades. |
10 |
Atuante num mercado protocolar, que pouco sofreu impacto eletivo nos procedimentos. Houve grande trabalho na construção do melhor fluxo entre todas as unidades para mitigar os riscos COVID-19. Já faz monitoramento cotidiano de todos seus pacientes, pelo alto risco que eles representam. A tecnologia é facilitadora para integração das informações da jornada dos pacientes. |
11 |
Entrevista extremamente consistente e interessante, pelo perfil do entrevistado. Ele vê um misto de oportunidade com redesenhos de processos nesta pandemia. Chama a atenção para desafios dos perfis de profissionais, inovação, compartilhamento, monetização das informações, mas ressalta que no mercado há muito mais do mesmo e isso poderá consumir recursos financeiros. |
12 |
Ele atua no mercado de cooperativas de saúde com foco na montagem e gerenciamento de clínicas de atenção primária com forte monitoramento e prontuário eletrônico do paciente próprio. |
RESULTADOS
Na Tabela 2 são apresentadas as percepções e interpretações das respostas de cada entrevistado por parte dos três entrevistadores. Posteriormente, estas percepções foram utilizadas para realização das discussões entre os entrevistadores e o professor orientador do projeto.
Tabela 2. Visão pragmática das entrevistas realizadas conforme o olhar dos três entrevistadores.
No. |
Percepção geral dos resultados das entrevistas |
1 |
O conceito de monitoramento de pacientes com COVID-19 pós-internação ainda é incipiente no mercado de saúde, por conta desse momento o foco estar na pandemia e na contingência dos doentes. Aprendemos também que o mercado de saúde, sob a ótica do decisor, ainda foca na saúde como negócio, e não como assistência. Existe grande preocupação com a imagem da operadora e satisfação do cliente, bem como são notórias as dificuldades de adoção da tecnologia pela população impactada, predominantemente idosa. Embora não existisse até o momento uma visão do conceito de cuidado coordenado baseado em telemonitoramento de pacientes, este foi validado e gerou uma expectativa positiva. |
2 |
A experiência pessoal que a entrevistada vinha passando naquele instante contribuiu para grandes reflexões sobre a jornada do paciente do COVID-19 e a importância da troca de informações de forma segura e eficaz. Ela vê a ideia como uma oportunidade de negócios, mas chamou a atenção para a construção de um modelo de negócios consistente, pois, frequentemente vê as operadoras declinarem de propostas de inovação por conta do custo a ser incorporado. Fica claro que plataformas podem servir para avaliar a qualidade dos hospitais (avaliação dos sumários de alta e orientações pós-internação), embora haja dificuldade de obtenção de dados fidedignos por meio do sumário de alta, exigindo alguma estratégia para minimizar esta dificuldade. |
3 |
Ele chama a atenção para a fragmentação das informações entre as operadoras e as linhas de cuidados, com grande dificuldade na interoperabilidade, regulamentação, consentimentos e integridade (certificação digital). Vê grande oportunidade na legitimação da telemedicina e ressalta a importância de construção de uma robusta árvore de decisões. Além dos aspectos técnicos, ressaltou dificuldades e a necessidade do engajamento dos pacientes para o uso de tecnologias, sendo necessário o desenvolvimento de estratégias para promover a adesão dos usuários. |
4 |
Relata que a sua instituição se preparou para a pandemia e que esperavam uma incidência de casos muito maior que a efetivamente ocorreu. Preocuparam-se com a saúde pulmonar dos pacientes no pós-internação, mas relatam que não foi tão impactante. Acreditam que o pico, na sua população, foi em abril e que se comportou como uma pneumonia. Acredita que no futuro não resultará em maior impacto na saúde dos doentes. Já fazem telemonitoramento para uma população de maiores de 60 anos. Ampliaram o uso de telemedicina, mas não há um plano específico para acompanhamento no longo prazo destes pacientes em especial. Chama atenção para impacto psicológico. |
5 |
A demanda e a pressão da pandemia estão promovendo muitas mudanças nos modelos de negócio. Possui uma vasta experiência em monitoramento remoto na empresa, como “core” do negócio e que a demanda da instituição aumentou seis vezes nesse período. |
6 |
A instituição “pivotou” sua missão, agregando outros parceiros e mapeando melhor o mercado de saúde. Perfil da instituição aposta em marketing multinível e rede enxuta de serviços, cujo “core” é o cuidado integrado para qualquer nível de atenção. |
7 |
A instituição já possui protocolos de acompanhamento remoto dos pacientes em várias frentes. Aplicam conceitos de promoção de saúde, estratificação populacional e de risco. Possuem programa específico e estão realizando investimento em plataformas parceiras e APP (aplicativo para smartphone) para seus usuários. |
8 |
A saúde populacional é um campo interessante, pouco explorado e bastante fragmentado. Há carência de troca de informações e padronização de dados (que deverá ser ditado pelo SUS e seguida pelos demais). Entende que a saúde como benefício entrou na estratégia das empresas. |
9 |
A atenção primária é o modelo de negócios da instituição e está alicerçada em uma grande plataforma de monitoramento de seus usuários que permite integração de várias linguagens de tecnologia. Atuam com protocolos de linhas de cuidados e possui um grande foco na informação. A instituição possui 14 unidades e sua experiência é muito boa e madura com telemonitoramento, provando sua eficácia. |
10 |
Na oncologia, os pacientes internados com COVID-19 tendem a ser absorvidos por outras linhas de cuidados já existentes, pois a oncologia é altamente protocolar. Há uma grande preocupação com a saúde mental e mudanças de comportamento do doente e família em busca de mais segurança. |
11 |
Entende que um modelo de negócio envolvendo saúde digital exige curadoria forte dos dados para quebra de resistências e credibilidade pós-pandemia. Ele acredita que os projetos devam ter empatia social para relevância futura. Acredita que as lideranças devem estar atentas para os sinais que a sociedade dá. |
12 |
A atenção primária tem no seu DNA o conceito de monitoramento efetivo e vem consolidando essa ideia por meio de plataformas tecnológicas. A pandemia catalisou transformações nesse mercado. A instituição que atua já trabalha com alta monitorada, mas sem linha de cuidado específica para COVID-19. Acredita que esta situação vai passar sem deixar nenhum legado impactante na saúde física, mas salientou o impacto psicológico. |
DISCUSSÃO
Baseada nas discussões das entrevistas, entende-se que a coordenação dos cuidados em saúde pode facilitar o acesso aos serviços e melhorar o controle dos doentes, bem como a “ciência cidadã” surge para complementar a ciência tradicional e torna mais participativa as contribuições sociais e de estilos de vida que venham a alterar os cenários analisados. O conceito contemporâneo de “ciência cidadã” resgata a importância da contribuição dos usuários no sentido de compartilhar sua história e influenciar decisões de profissionais de saúde para além das métricas já conhecidas. O paciente se torna realmente o centro dos cuidados recebidos e força motriz para um melhor desfecho. O oportuno envolvimento simultâneo de profissionais de saúde, usuários e a tecnologia, facilitarão o desenvolvimento e a evolução do sistema de saúde para concretizar cuidados baseados em valor, com desfechos observados com intervenções mais rápidas, alinhadas e assertivas.
A união dos conceitos de cuidado coordenado, ciência cidadã e saúde digital geram oportunidades para escrever um novo capítulo no ecossistema dos sistemas de saúde, trazendo transparência, informações e avanços que hoje representam experiências fragmentadas. Notoriamente, a preocupação dos serviços de saúde ainda está voltada para suporte aos infectados e monitoramento dos casos agudos.
Contudo, as ferramentas tecnológicas aplicadas à saúde saem de uma tímida participação para um ambiente fértil e com diversas oportunidades, tornando-se aliadas dos profissionais e do sistema de saúde. Podem constituir uma nova geração na prestação de serviços que compartilham saberes e promovem decisões mais assertivas, que poderão ser mensuradas com a otimização de recursos e retorno nos investimentos necessários. Para isso, o paciente deve ser monitorado sobre o ponto de vista de saúde física por meio de exames e avaliações médicas periódicas, bem como acerca das mudanças no estilo de vida e comportamento social. Estas informações serão consolidadas em uma plataforma de cuidado híbrido que recebe, armazena e processa dados clínicos, laboratoriais e comportamentais obtidos dos pacientes, promovendo o gerenciamento de sua jornada após a alta hospitalar.
Entende-se que a jornada do paciente iniciar-se-á quando o indivíduo com sintomas da doença, procura um serviço de saúde. Após ser avaliado pela equipe médica, recebe a confirmação do diagnóstico e a indicação de tratamento em regime hospitalar. No momento da admissão, esse paciente é convidado a participar do protocolo de monitoramento e se compromete a fornecer dados relacionados à doença para fins de pesquisa de tratamentos e soluções, conforme a política da “ciência cidadã”. A partir deste momento, as equipes de cuidados passam a alimentar o sistema com dados clínicos e laboratoriais, seja diretamente na plataforma cloud computing ou por meio de compartilhamento do prontuário eletrônico do paciente (interoperabilidade dos sistemas). Após a alta hospitalar, por meio do aplicativo instalado no celular, os pacientes passam a ter contato com o sistema de telemonitoramento, compartilham de forma ativa informações acerca de suas condições clínicas, mentais e comportamentais e recebem orientações sobre cuidados. Esta alimentação pode ocorrer, inclusive, por meio de medidores que podem aferir seus sinais fisiológicos e encaminhar para a plataforma por meio do próprio celular.
Este conjunto de ações é chamado de “cuidado coordenado”, onde toda a jornada do paciente é acompanhada por uma equipe que identifica demandas e as gerencia, utilizando protocolos pré-estabelecidos considerando, inclusive, a presença de doenças crônicas pré-existentes, agravadas ou não pela COVID-19. A plataforma de cuidado híbrido pode ser capaz de gerar um cronograma individualizado que indica a quais avaliações clínicas e laboratoriais o paciente deverá ser submetido durante o seguimento. Posteriormente, analisará os resultados das informações colhidas e tomará ações preditivas e indicativas para a realização de consultas médicas e exames laboratoriais, bem como avaliações de saúde mental e comportamental do paciente, podendo, ainda, acionar as equipes médicas e de suporte.
O monitoramento das informações obtidas e processadas pode contribuir para a tomada de decisões, seja no campo do tratamento da doença, seja na gestão do sistema assistencial à saúde. Neste caso, os benefícios ao paciente são evidentes, evitam-se consultas, exames e, consequentemente, deslocamentos e exposições desnecessárias, o que traz uma sensação de segurança e a percepção da existência de uma equipe especializada cuidando integralmente de sua saúde. Isto pode diminuir intercorrências clínicas, mentais e sociais. Para o pagador do serviço, seja o próprio paciente ou a operadora de saúde ou mesmo o SUS, é a garantia de investir recursos no que é essencialmente necessário.
CONCLUSÃO
A pandemia acelerou a utilização de ferramentas tecnológicas aplicadas à saúde para apoio a saúde suplementar e nas políticas de saúde pública. O que antes era um desenho tímido do cenário de incorporações tecnológicas e avaliação de necessidades disruptivas na saúde, ganha fomento e velocidade em plena pandemia, objetivando a construção de uma enorme rede de troca de informações no mundo. Inclusive apoiando o monitoramento e vigilância dos casos positivos ou potencialmente com fatores de risco para infecção. Esta pandemia trouxe indicativos da necessidade de mudança nos sistemas de saúde, no âmbito social, empresarial, tecnológico, de pesquisa e assistencial. Neste aspecto, a coordenação dos cuidados oferecidos pelos sistemas de saúde, apoiada pelas novas tecnologias, buscam demonstrar reais benefícios na jornada do paciente acometido pela COVID-19. Consequentemente, promove uma melhor recuperação e reabilitação por meio da integração de dados e interatividade de todos os atores.
A jornada do paciente ultrapassará os aspectos até hoje verificados e entrará em um contexto de análise, cuidado e monitoramento integral, melhorando os resultados para o paciente do ponto de vista dos aspectos clínicos, laboratoriais e psicossociais, além de toda a cadeia dos serviços de saúde. O terreno da prática da assistência aos pacientes pós-infecção ainda é incerto, contudo, toda integração possível trará a esse cenário decisões mais assertivas e compartilhadas, além de contribuir para novas modelagens dos sistemas de saúde públicos e privados.
A informatização do sistema de saúde por meio do prontuário eletrônico se apresenta como um importante pilar para apoio a monitoramento da saúde no Brasil e no mundo, interligando recursos e informações essenciais a um bom desfecho em saúde. Além disso, proporcionando oportunidades de correção na falta de padronização das informações e do pouco uso das mesmas no processo de trabalho dos envolvidos. A incorporação de tecnologia por meio de sistemas e devices que facilitam o acesso e monitoramento oportuno dos pacientes, aliada a contribuições de um autocuidado apoiado, serve para construção de um ecossistema integrado e moderno. Entende-se que os temas abordados neste trabalho culminam com a geração de um novo mindset para a modernização e oxigenação dos sistemas legados de saúde que há muito tempo necessitavam de novos olhares.
REFERÊNCIAS
1. Caetano R, Silva AB, Guedes ACCM, Paiva CCN, Ribeiro GR, Santos DL, Silva RM. Desafios e oportunidades para telessaúde em tempos da pandemia pela COVID-19: uma reflexão sobre os espaços e iniciativas no contexto brasileiro. Cad Saúde Pública. 2020; 36(5):e00088920.
2. WHO. Coronavirus disease (COVID-19) pandemic. Disponível em: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019
3. Valerio Netto A, Petraroli AG. Modelagem de um sistema para o telemonitoramento de idosos com condição crônica baseado em biotelemetria. J Health Inform. 2020 Jan-Mar; 12(1):10-6.
4. Figueiredo LS, et al. Acompanhamento remoto de pacientes com insuficiência cardíaca crônica em tempos de distanciamento social – COVID-19 à luz do modelo “Primary Nursing”. Research, Society and Development. 2020; 9(7). e141973909.
5. Michael RER. Citizen Science: A Study of People, Expertise and Sustainable Development by Alan Irwin. New York: Routledge; 1995. P 216
6. Woolley JP, et al. Citizen science or scientific citizenship? disentangling the uses of public engagement rhetoric in national research initiatives. BMC Medical Ethics. 2016; 17(1):33.
7. Contandriopoulos AP, Denis JL, Touati N, et al. Intégration des soins: dimensions et mise en oeuvre. Ruptures [internet]. 2001; 8(2):38-52.
8. Valerio Netto A. Estratégias competitivas para pequenas e medias empresas de tecnologia. Editora Qualitymark; 2007.
9. Rackham N. The SPIN selling fieldbook: practical tools, methods, exercises, and resources. McGraw-Hill; 1996.
10. Blank S, Dorf B. The startup owner's manual: The step-by-step guide for building a great company. John Wiley & Sons; 2020.
Recebido: 09 de setembro de 2020. Aceito: 30 de setembro de 2020
Correspondência: Herlon Clayton Paggi Hernandes. E-mail: herloncphernandes@gmail.com
Conflito de Interesses: os autores declararam não haver conflito de interesses.
© This is an Open Access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License, which permits unrestricted use, distribution, and reproduction in any medium, provided the original work is properly cited
Apontamentos
- Não há apontamentos.
_______________________________________________
Revista de Administração em Saúde
ISSN 2526-3528 (online)
Associação Brasileira de Medicina Preventiva e Administração em Saúde
Avenida Brigadeiro Luis Antonio, 278 - 7o andar
CEP 01318-901 - São Paulo-SP
Telefone: (11) 3188-4213 - E-mail: ras@apm.org.br