Rev.
Adm. Saúde Vol. 17, Nº 67, Abr. – Jun. 2017
http://dx.doi.org/10.23973/ras.67.24
EDITORIAL
Governança
Haino Burmester1
1. Médico, administrador hospitalar e de sistemas de saúde, coordenador
do Programa CQH
Governança é o
sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas
e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre seus grupos de interesse. O
conceito de governança está ligado, em sua origem, à teoria do agente
principal. Em 1976, Jensen e Meckling publicaram estudos focados em empresas
norte-americanas e britânicas, mencionando o que convencionaram chamar de
problema de agente-principal, que deu origem à teoria da firma ou teoria do
agente-principal. Segundo esses pesquisadores, o problema agente-principal
surgia quando um sócio (principal) contrata outra pessoa (agente) para que
administre a empresa em seu lugar.
De acordo com a teoria desenvolvida, os executivos e conselheiros
contratados pelos acionistas tenderiam a agir de forma a maximizar seus
próprios benefícios (maiores salários, maior estabilidade no emprego, mais
poder, etc.), agindo em interesse próprio e não segundo os interesses da
empresa, de todos os acionistas e demais partes interessadas (stakeholders).
Para minimizar o problema, os autores sugeriram que as empresas e seus
acionistas deveriam adotar uma série de medidas para alinhar interesses dos
envolvidos, objetivando, acima de tudo, o sucesso da empresa. Para tanto, foram
propostas medidas que incluíam práticas de monitoramento, controle e ampla
divulgação de informações. A este conjunto de práticas convencionou-se chamar
de governança corporativa. É preciso observar, contudo que, frequentemente
a palavra governança é mal utilizada tendo seu uso sido banalizado de forma a
afastá-la do verdadeiro sentido.
ORIGENS DA GOVERNANÇA
Ao longo do século 20, a economia dos diferentes países tornou-se cada
vez mais marcada pela integração aos dinamismos do comércio internacional,
assim como pela expansão das transações financeiras em escala global. Neste
contexto, as companhias foram objeto de sensíveis transformações, uma vez que o
acentuado ritmo de crescimento de suas atividades promoveu uma readequação de
sua estrutura de controle, decorrente da separação entre a propriedade e a
gestão empresarial. A origem dos debates sobre governança remete a conflitos
inerentes à propriedade dispersa e à divergência entre os interesses dos
sócios, executivos e o melhor interesse da empresa. Isso se torna,
particularmente importante no caso de empresas que tenham ações em bolsa quando
os potenciais acionistas e o publico interessado precisam confiar em que a
empresa esteja em mãos de pessoas cujo principal interesse seja a organização
e, portanto, dos acionistas. A transparência, nesse caso é fundamental para que
todos os agentes involucrados com a empresa, acionistas ou não, tenham seus
interesses preservados.
Como se viu acima,
a vertente mais aceita para explicar o surgimento do conceito de governança indica
que ela apareceu para superar o "conflito de agência" clássico. Nesta
situação, podem surgir divergências no entendimento de cada um dos grupos
daquilo que consideram ser o melhor para a empresa e que as práticas de
governança buscam superar. Este tipo de conflito é mais comum em sociedades
como os Estados Unidos e Inglaterra, onde a propriedade das companhias é mais
pulverizada. No Brasil, em que a propriedade concentrada predomina, os
conflitos se intensificam à medida que a empresa cresce e novos sócios, sejam
investidores ou herdeiros, passam a fazer parte da sociedade. Neste cenário, a
governança também busca equacionar as questões em benefício da empresa.
As boas práticas de
governança convertem princípios básicos em recomendações objetivas, alinhando
interesses com a finalidade de preservar e aumentar o valor da organização no
longo prazo, facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para a qualidade
da gestão da organização, sua sustentabilidade e o bem comum. O desafio, na
prática da governança é, portanto, criar um conjunto eficiente de mecanismos,
tanto de incentivos quanto de monitoramento, a fim de assegurar que o
comportamento dos administradores esteja sempre alinhado com o melhor interesse
da organização. Para ser eficiente, este conjunto de mecanismos deve se basear
em duas premissas básicas:
I.
I. Equilíbrio de poderes
O que caracteriza a governança é o
equilíbrio de poderes dentro da organização. Para isso é fundamental que todos
na organização conheçam as partes interessadas e saibam os poderes de cada uma.
a)
Quem
são as partes interessadas na organização? b)
Existem
órgãos com poderes equivalentes que garantam não estar nas mãos de uma só
pessoa ou grupo as decisões definitivas? c)
Isso
está claro para todos? d)
Todos
entendem como funcionam os poderes dentro da organização? e)
Como
é assegurado o equilíbrio de poderes?
i.
Por
decreto?
ii.
Regulamentos
internos?
iii.
Pela
prática? Como? |
II.II. P
II. Princípios da governança
A governança pressupõe que a
organização tenha princípios que devem ser seguidos de maneira continuada por
todos.
1. Participação a) Há liberdade de expressão e de associação? b) Existem regulamentos claros e específicos que
garantam a participação de todas as partes interessasdas? 2. Estado de Direito a) Há uma estrutura regulatória
justa que se aplique a todos independentemente de poder, classe social,
profissão, raça, sexo ou conexões internas. b) Existem ferramentas que garantam total proteção dos direitos de todos,
pertençam as pessoas a maiorias ou a minorias sociais, sexuais, religiosas ou
étnicas. Tran 3. Transparência a) Mais do que "a obrigação de informar", a
administração deve cultivar o "desejo de informar”, sabendo que da boa
comunicação interna e externa, particularmente quando espontânea, franca e
rápida, resulta um clima de confiança, tanto internamente, quanto nas
relações da organização com terceiros. b) A comunicação não deve restringir-se ao desempenho
econômico-financeiro, mas deve contemplar tambem os demais fatores (inclusive
imponderáveis) que norteiam a ação organizacional e que conduzem à criação de
valor. 4. Responsabilidade - Os agentes de
governança devem zelar pela viabilidade econômico-financeira das
organizações, reduzir as externalidades negativas de suas operações e
aumentar as positivas, levando em consideração, no seu modelo de negócios, os
diversos recursos (financeiro, material, intelectual, humano, social,
ambiental, reputação, etc.) no curto, médio e longo prazos. a) As instituições e a forma como elas procedem devem
ser desenhadas para servir aos membros da sociedade como um todo. É o caso
da sua organização? b) Os processos das instituições devem ser desenhados para
responder às demandas da sociedade. É o caso da sua organização? 5. Decisões orientadas por consenso - As decisões devem ser tomadas levando-se em conta que os diferentes
grupos necessitam mediar seus interesses. a) As decisões na sua organização são tomadas por
consenso? b) Obtenção de concordância sobre qual é o melhor
caminho para a organização como um todo. As decisões também devem ser tomadas
levando em conta a forma como tal caminho pode ser trilhado. Essa forma de obter decisões requer uma perspectiva de
longo prazo para que ocorra desenvolvimento sustentável. 6. Equidade a)
Caracteriza-se pelo tratamento justo e isonômico de todas as partes
interessadas, levando em consideração seus direitos, deveres, necessidades,
interesses e expectativas.
a) A boa governança deve
garantir que os processos produzam resultados que vão ao encontro das
necessidades da organização fazendo o melhor uso possível dos recursos à sua
disposição. b) Isso implica também que
os recursos naturais sejam usados sustentavelmente e que o ambiente seja
protegido 8. Prestação de contas (accountability). Os agentes de
governança devem prestar contas de sua atuação de modo claro, conciso,
compreensível e tempestivo, assumindo integralmente as consequências de seus
atos e omissões e atuando com diligência e responsabilidade no âmbito dos
seus papeis. Filosofia não punitiva para erros; usá-los como oportunidades de
melhoria. a) A organização é fiscalizável por seus grupos de interesse? b) Como é garantido esse
direito a todas as partes interessadas? |
REFERÊNCIAS
1.
JENSEN, M.; MECKLING, W. Theory of the firm:
managerial behavior, agency costs and ownership structure. Journal of Financial
Economics, v. 3, n. 4, p. 305-360, 1976.
Recebido: 23/03/2017; Publicado:
17/04/2017
Correspondência: Haino Burmester.
Avenida Brigadeiro Luis Antonio, 278 -
7º andar. CEP 01318-901. São Paulo-SP, Brasil. E-mail: cqh@apm.org.br
Conflito de Interesses: o autor
não declarou conflito de interesses
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