Rev.
Adm. Saúde Vol. 17, Nº 66, Jan. – Mar. 2017
ARTIGO
ORIGINAL
A segurança (e saúde) do trabalhador da saúde e a segurança
do paciente: uma análise do impacto das ações de segurança e saúde no trabalho
em serviços de saúde
Health worker safety
(and health) and patient safety: an analysis of the impact of health and safety
at work acts on health services
Marcelo
Pustiglione1
1 Professor
Colaborador da Disciplina de Medicina do Trabalho do Departamento de Medicina
Legal, Ética Médica e Medicina Social e do Trabalho da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (FMUSP); Médico do Trabalho da Divisão Técnica de
Vigilância Sanitária do Trabalho do Centro de Vigilância Sanitária da Coordenadoria
de Controle de Doenças da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (DVST/CVS/CCD/SES-SP
RESUMO
Considerando as ações instituídas pela Resolução da
Diretoria Colegiada (RDC) 36/2013 da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa)
para a promoção da segurança do paciente e a melhoria da qualidade dos serviços
de saúde e as particularidades e especificidades destes serviços e de seus
atores e das variáveis ambientais, interpessoais e técnico-operacionais
envolvidas, foram estudadas as convergências entre as ações focadas na
segurança do paciente e na segurança e saúde do trabalhador dos serviços de
saúde. Para tanto, além da RDC foram analisadas as Normas Regulamentadoras (NR)
da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), particularmente as de número 4, 7,
9 e 32 (NR 4, NR 7, NR 9 e NR 32). Foram identificados riscos diretos e riscos
estendidos à segurança do paciente e, a partir daí, são propostas ações
conjuntas com a participação do Serviço Especializado em Engenharia de
Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT) e das Comissões de Trabalhadores (CIPA
e COMSAT).
Palavras-chave: Saúde do Trabalhador. Segurança do Paciente. Serviços de
Saúde. Profissionais
da Saúde.
ABSTRACT
Whereas the actions imposed by the
Board Resolution ("Resolução da Diretoria Colegiada" - RDC 36/2013)
of the Health Surveillance Agency ("Agência de Vigilância Sanitária"
- ANVISA) to promote patient safety and quality improvement of health services
and the particularities and specificities of these services and its actors and
environmental, interpersonal, technical and operational variables involved, the
similarities between the focus on patient safety and the health and safety of
health care worker actions were studied. For this, besides the RDC were
analyzed Regulatory Standards ("Normas Regulamentadoras" - NRs) of
the Consolidation of Labor Laws ("Consolidação das Leis do Trabalho"
- CLT), particularly the number 4, 7, 9 and 32 (NR 4, NR 7, NR 9 and 32).
Direct and extended risks to patient safety were identified and, thereafter,
are proposed joint actions with the participation of Specialized Service in
Safety Engineering and Medicine (SESMT) and committees of workers (CIPA and
COMSAT).
Keywords; Occupational Health. Patient Safety. Health Services. Health Personnel.
INTRODUÇÃO
Em 27 de julho de 2013 foi publicada no Diário Oficial da
União (DOU) a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) da Agência de Vigilância
Sanitária (Anvisa) de número 36 (RDC 36/2013) que “institui as ações para a promoção da segurança do paciente e a
melhoria da qualidade dos serviços de saúde” 1.
Esta RDC integra o elenco de
medidas do Programa Nacional de Segurança do Paciente lançado pelo Ministério da Saúde e pela Anvisa em abril de
2013 2 e tem como áreas de aplicação “os serviços de saúde
públicos e privados, filantrópicos, civis ou militares, incluindo aqueles que
exercem atividades de ensino e pesquisa”1.
De acordo com esta resolução os serviços de saúde deverão
estruturar um “Núcleo de Segurança do
Paciente” (NSP) cuja missão é desenvolver um “Plano de Segurança do Paciente” (PSP), que deverá ter como princípios
norteadores: (1) a melhoria contínua dos processos de cuidado e do uso de
tecnologias da saúde; (2) a disseminação sistemática da cultura de segurança;
(3) a articulação e a integração dos processos de gestão de risco; e, (4) a
garantia das boas práticas de funcionamento do serviço de saúde. 1.
Para a estruturação do NSP e desenvolvimento do PSP foi dado prazo de 120 dias contados
a partir da data da publicação da RDC. Isto significa dizer que este prazo
expirou em 27 de novembro de 2013.
A RDC 36/2013 aponta como estratégias e ações de gestão de
risco esperadas do NSP: “(1)
mecanismos
de identificação do paciente; (2)
orientação para higienização das
mãos; (3) ações
de prevenção e controle de eventos adversos relacionados
à assistência à saúde;
(4) mecanismos para garantir segurança cirúrgica; (5) orientações para administração segura de medicamentos,
sangue e hemocomponentes; (6) mecanismos para
prevenção de quedas dos pacientes; (7) mecanismos
para a prevenção de úlceras por pressão; e (8) orientações para estimular a participação do paciente na
assistência prestada”.
1
Ainda de acordo com esta RDC, o NSP será responsável pela
notificação de eventos adversos decorrentes da prestação de serviços de saúde
(p. ex.: quedas de pacientes, infecções hospitalares e o agravamento da
situação de saúde por falhas ocorridas durante cirurgias) ao Sistema Nacional de Vigilância Sanitária:
(1) em até quinze dias após a ocorrência; e (2) para os casos que resultar em
morte, em até 72 horas. Para tanto serão utilizadas ferramentas eletrônicas
disponibilizadas pela Anvisa. 1. O início das notificações tinha
prazo de 150 dias contados a partir da data de publicação da RDC, ou seja, 27
de dezembro de 2013.
Em 14 de novembro de 2013, a RDC 53/2013 alterou o
artigo 12 da RDC 36/2013 ampliando o prazo para a criação do NSP e PSP para 180
dias, ou seja, até 27 de janeiro de 2014 e de 150 para 210 dias, ou seja, até
27 de fevereiro de 2014, para o início da notificação mensal dos eventos
adversos. 3
As resoluções objeto deste artigo referem-se a “serviços de saúde” (SS). Portanto é
necessário conhecer suas características e particularidades, em especial do
principal ator envolvido no cuidado do paciente: o “profissional da área da saúde” (PAS).
A norma regulamentadora nº 32 (NR
32), que tem por
finalidade “estabelecer
as diretrizes
básicas para a implementação de medidas de
proteção à segurança e à
saúde dos
trabalhadores dos serviços de saúde”; no
item 32.1.2, conceitua
os SS: “Para
fins de aplicação desta NR entende-se por serviços
de saúde
qualquer edificação destinada à
prestação de assistência à saúde da
população,
e todas as ações de promoção,
recuperação, assistência, pesquisa e ensino em
saúde em qualquer nível de complexidade”. 4
Entretanto não define claramente “trabalhador dos serviços de saúde”. O
texto sugere que a NR 32 ao definir SS “incorpora o conceito de edificação. Assim,
todos os trabalhadores que exerçam atividades nessas edificações, relacionadas
ou não com a promoção e assistência à saúde, são abrangidos pela norma. Por
exemplo, atividade de limpeza, lavanderia, reforma e manutenção”. 5
Trabalhadores
de saúde podem ser definidos como “pessoas
que estão diretamente envolvidos em ações com usuários dos sistemas de saúde e
aquelas que prestam apoio à gestão clínica-assistencial, independentemente do
tipo de contrato ou vinculo, tanto no setor público quanto no privado”. 6
O
mesmo texto refere que esta categoria profissional atua “no nível de gestão ou da assistência direta ao cidadão doente ou
atendido em programas de promoção da saúde, sendo que podem também atuar nos
serviços de apoio diagnóstico e terapêutico, na gerência e na produção de
tecnologia”. 6
É
indiscutível que, ao tratarmos da segurança do paciente, todos os trabalhadores
de serviços de saúde dedicados à assistência a pacientes devem ser
considerados. Entretanto, pela frequência, intensidade e proximidade da
interrelação trabalhador- paciente (“objeto”
de trabalho dos SS), merecem destaque algumas categorias profissionais,
genericamente denominadas “profissional
da área da saúde” (PAS), tais como médicos, enfermeiros, dentistas,
psicólogos, assistentes sociais, fisioterapeutas, técnicos de serviços de
diagnóstico e terapêutica, entre outros.
Quando
tratamos da segurança e saúde do trabalhador da saúde devemos levar em conta
que a assistência à saúde apresenta três dimensões complementares e
interatuantes: 7
· Como processo de trabalho: compartilha
características comuns com outros processos que ocorrem na indústria e em
outros setores da economia com direcionalidade técnica, instrumentos e força de
trabalhos particulares e específicos;
· Como um serviço:
especificidade fundamental da
assistência à saúde relacionada ao
“servir”, “cuidar”, “prover” e
não ao “produzir”;
· Como um serviço que se funda numa interrelação
pessoal muito intensa (“há muitas
outras formas de serviço que dependem de um laço interpessoal, mas, no caso da
saúde, ele é particularmente forte e decisivo para a própria eficácia da ação”):
que não se realiza sobre coisas, sobre objetos, como acontece no caso de uma
fábrica de automóveis, mas sim sobre pessoas com base numa estreita
inter-relação física e emocional.
Esta
relação intima e a convivência não ocorre apenas entre paciente e trabalhador
da saúde, mas também entre os próprios pacientes, na medida em que dividem
espaços comuns (salas de espera, quartos e enfermarias, sanitários, etc.).
Além
disso, ainda no campo do processo de trabalho e dos serviços prestados o
“cuidar da saúde” implica na potencial exposição a praticamente todos os agentes
de risco ocupacional – “hazards” -
(físicos, químicos, biológicos, biomecânicos e de acidentes), incluindo um
agente de risco muito específico aos SS relacionado à contínua exposição à dor,
sofrimento e finitude humana: o agente de risco psicossocial.
Por
outro lado, o tema do cuidado da saúde não pode ser analisado apenas
tecnicamente. É fundamental incorporar a temática ecológica, considerando-se a
eventual presença de agentes transmissores de doenças, além dos possíveis danos
à qualidade do meio ambiente 7 interno e externo,
como no caso da gestão de resíduos.
Desta
forma, temos desenhado um cenário de potenciais riscos e representações (“danger”) relacionados ao processo de
trabalho e ao tipo de serviço prestado que pode por em risco (“risk”) a saúde e a segurança do
trabalhador, do paciente e do ambiente.
Assim,
ações de vigilância da segurança e saúde no trabalho em SS (considerando aqui
processos e ambientes) são fundamentais para identificar proativamente agentes
de risco (“hazards”), possibilitando
seu controle ou eliminação, reduzindo assim o comprometimento da segurança e
saúde de todos os elementos envolvidos (trabalhador, paciente e ambiente). No Quadro 1, fundamentamos o conceito
utilizado nestes últimos parágrafos.
Quadro 1. Conceito de risco ocupacional (elaborado pelo
autor).
HAZARD (Agente de
risco) |
Qualquer
elemento, biótico ou abiótico, presente no ecossistema laboral e/ou no
processo de trabalho, que possa causar dano (doença ou agravo à saúde) ao
trabalhador. |
Ex.:
eletricidade, piso escorregadio, bactérias ou vírus. |
DANGER (Perigo) |
Efetiva e
necessária possibilidade de exposição do trabalhador ao agente de risco |
Ex.:
atividades laborais de PAS, técnicos de laboratório e pessoal da
higienização. |
RISK (Risco) |
Quão
grande é a chance de o trabalhador adoecer ou sofrer algum dano em
decorrência da exposição ao agente de risco |
Ex.: o
risco de soroconversão pós-exposição ao vírus da hepatite B é de cerca de 30%
em indivíduos não vacinados |
Vigilância da
segurança e saúde no trabalho, RDCs e NRs
Nessa linha de raciocínio, vale analisar as convergências
entre as ações para a promoção da segurança do paciente e a melhoria da
qualidade dos serviços de saúde (objeto da RDC 36/2013) e as ações de promoção
da segurança e saúde do trabalhador (objeto das NRs 7 e 9) dos serviços de
saúde (objeto da NR 32) que impactam na segurança do paciente.
Como vimos, várias RDC e NR, em particular a NR32, têm como
foco os serviços de saúde, diferenciando-se pelo objeto de interesse. Enquanto
a segurança do paciente interessa à RDC 36/2013, a segurança (e saúde) do
trabalhador interessa às NR. À NR32 especificamente, interessa a segurança e
saúde do trabalhador de SS.
Vimos também que o paciente é o “objeto” de atenção dos SS e
a “matéria prima” de um processo de trabalho caracterizado pelo “cuidar”. Nesse
contexto, ele pode representar um agente de risco para o trabalhador,
particularmente quando consideramos os de natureza biológica e alguns tipos de
acidente.
Ocorre que, o trabalhador da saúde, por outro lado, pode
também representar um agente de risco para o paciente, decorrente da veiculação
de bioagentes ou de erros em procedimento, por exemplo. Pode-se afirmar então
que:
Nos SS,
agentes de risco ambiental presentes e/ou trabalhador da saúde doente = risco
à segurança (e saúde) do paciente. |
Quem cuida da segurança e da saúde do trabalhador é a equipe
técnica de engenharia de segurança e medicina do trabalho que, por lei (NR4),
integra o Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do
Trabalho (SESMT).
O SESMT, em obediência às NR (e o SESMT dos SS em obediência
também à NR 32) desenvolve programas de prevenção de riscos ambientais [P.P.R.A.
- (NR 9)] e de controle médico de saúde ocupacional [P.C.M.S.O. - (NR 7)] que ao
mesmo tempo em que almejam garantir trabalhadores seguros e saudáveis podem
colaborar para garantir a segurança (e a saúde) do paciente. 8
OBJETIVOS
Este artigo tem os seguintes objetivos.
Geral:analisar
os riscos ambientais e ocupacionais e as convergências entre as
ações de
promoção da segurança do paciente e a melhoria da
qualidade dos serviços de
saúde e as ações de promoção da
segurança e saúde do trabalhador dos serviços
de saúde que podem impactar na segurança do paciente.
Decorrentes:
propor ações preventivas e corretivas focadas na cultura prevencionista tendo o
paciente como objeto estendido dos programas voltados ao trabalhador da saúde.
MÉTODO
Os
agentes de risco e eventuais impactos na segurança e
saúde do trabalhador e do paciente foram analisados
através do entendimento da
RDC 36/2013 e da consulta à legislação relativa
às ações de segurança e saúde
do trabalhador da saúde, em particular a Normas Regulamentadoras
N° 4, 7, 9 e 32
(NRs 4, 7, 9 e 32). 8
Desta forma os agentes de risco para
a segurança e saúde do trabalhador da saúde foram elencados, sendo feita uma
análise daqueles com potencial risco “estendido” para o paciente.
Nesta análise consideramos como base os agentes de risco
constantes no Anexo IV da NR 9 (Classificação dos
principais riscos ocupacionais em grupos, de acordo com a sua natureza) 8, apontados
no Quadro 2.
Quadro 2. Classificação dos principais riscos ocupacionais (Anexo IV
da NR 9).
GRUPO
1 VERDE |
GRUPO
2 VERMELHO |
GRUPO
3 MARROM |
GRUPO
4 AMARELO |
GRUPO
5 AZUL |
Riscos Físicos |
Riscos Químicos |
Riscos Biológicos |
Riscos Ergonômicos |
Riscos
de Acidentes |
Ruído Vibrações Calor Frio Umidade Radiações não ionizantes Radiações ionizantes Pressões anormais Outros |
Poeiras Fumos Névoas Neblinas Gases Vapores Produtos químicos em geral Outros |
Vírus Bactérias Protozoários Fungos Parasitas Bacilos Outros |
Esforço físico intenso Levantamento e transporte manual de peso Exigência de posturas inadequadas Controle rígido de produtividade Imposição de ritmos excessivos Trabalho em turnos e trabalho noturno Jornadas de trabalho prolongadas Monotonia e repetitividade Outras situações causadoras de estresse físico e /
ou psíquico |
Arranjo físico inadequado Máquinas e equipamentos sem proteção Ferramentas inadequadas ou defeituosas Iluminação Inadequada Eletricidade Probabilidade de incêndio ou explosão Armazenamento inadequado Insetos Animais peçonhentos Outras situações de risco que poderão contribuir
para a ocorrência de acidentes |
Num segundo momento, com base no estabelecido pela RDC
36/2013, quanto a seus princípios norteadores e estratégias e ações de gestão
de risco esperadas do NSP, verificamos os pontos de convergência.
Como resultado desta análise foi elaborada proposta de ações
e vigilância.
RESULTADOS
Identificação de agentes de risco em SS
Fundamentado nos agentes de risco
constantes da Tabela IV da NR9 e considerando os agentes de risco mais
frequentemente presentes em SS e que, portanto, interessam de maneira significa
ao trabalhador da saúde, particularmente aquele que presta cuidado direto ao
paciente, pudemos identificar:
Quadro 3. Classificação dos principais riscos ocupacionais
potencialmente presentes em serviços de saúde (elaborado pelo autor).
GRUPO
1 VERDE |
GRUPO
2 VERMELHO |
GRUPO
3 MARROM |
GRUPO
4 AMARELO |
GRUPO
5 AZUL |
Agentes
de Risco Físicos |
Agentes
de Risco Químicos |
Agentes
de Risco Biológicos (2) |
Agentes
de Risco Biomecânicos e Psicossociais (3) |
Agentes
de Risco de Acidentes (4) |
Calor Frio Umidade Radiações não ionizantes Radiações ionizantes |
Poeiras Gases Vapores Produtos químicos em geral Quimioterápicos antineoplásicos(1) |
Microrganismos
geneticamente modificados ou não Culturas
de células Parasitas Toxinas Príons |
Esforço físico inadequado Levantamento
e transporte manual de peso Exigência
de postura inadequada Controle
rígido de produtividade Imposição
de ritmos excessivos Trabalho
em turno e noturno Jornadas
de trabalho prolongadas Outras
condições causadoras de estresse físico e/ou psíquico: desconforto auditivo e
vibrações |
Arranjo físico inadequado Equipamentos sem proteção Ferramentas inadequadas ou defeituosas Iluminação inadequada Probabilidade de incêndio ou explosão Armazenamento inadequado Animais peçonhentos Outras situações de risco que poderão contribuir
para a ocorrência de acidentes |
(1) De acordo com
a NR324; (2) De acordo com a NR324; (3) De
acordo com a interpretação do autor; (4) Considerar a exposição
acidental a material biológico potencialmente contaminado9
Em cada uma das
categorias apontadas no Quadro 3 buscou-se
identificar um ou mais agentes de risco que podem afetar o paciente, seja de
forma
·
Direta: agente relacionado
ao ambiente no qual o paciente está sendo cuidado e/ou processo de trabalho ao
qual está sendo submetido, que denominamos “Agentes de Risco Diretos à Segurança do
Paciente” – RDSP; e
·
Indireta: agente relacionado
ao impacto no paciente dos riscos à segurança e saúde do trabalhador da saúde, ou
seja, doenças e agravos decorrentes de
exposição do trabalhador a agentes de risco que sejam causa de restrição ou
inaptidão para o trabalho, que denominaremos “Agentes de Risco Estendidos à
Segurança do Paciente” – RESP.
“Riscos Diretos
à Segurança do Paciente” – RDSP
Desta forma foram identificados os agentes de risco abaixo:
Físicos
·
Raios-X: (1)
procedimento radiológico realizado com equipamento móvel em ambiente de cuidado
coletivo (p.ex.: pronto socorro, enfermarias, unidades de terapia intensiva);
(2) procedimento em paciente grávida.
·
Material radioativo:
(1) exposição a rejeitos radioativos inadequadamente armazenados para
decaimento; (2) internação de paciente para administração de radiofármaco em
quarto sem blindagem, sanitário privativo, biombo blindado e acesso controlado:
(3) circulação de paciente submetido a procedimentos diagnósticos com
marcadores radioativos por áreas não controladas.
· Eventuais: tais como frio, calor e umidade.
No
caso de SS, ruído e vibrações provenientes de reformas, poluição acústica
externa, máquinas e equipamentos e do próprio ambiente raramente atingem
valores acima dos níveis de tolerância, entretanto, podem representar situação
de desconforto e estresse. Por este motivo foram alocados junto aos agentes de risco
relacionados à ergonomia.
Químicos
· Gases e vapores
anestésicos: por falta de manutenção corretiva e
preventiva de cilindros de gases, conectores, conexões, mangueiras, balões, traqueias,
válvulas, aparelho de anestesia e máscaras faciais para ventilação pulmonar.
· Poeiras: decorrente de reformas ou manutenção sem adequada
transferência dos pacientes e isolamento da área.
·
Substâncias compostas
ou produtos químicos em geral: utilizados para higienização,
descontaminação ou controle de animais sinantrópicos em ambientes que abriguem
pacientes e na presença destes. Consideramos
neste grupo os quimioterápicos antineoplásicos.
Biológicos
·
Microrganismos e parasitas:
decorrente
da ausência de (1) Plano de Gestão de Resíduos de Serviços de Saúde (PGRSS)
possibilitando contaminação cruzada; (2) Procedimento Operacional Padrão para circulação de pacientes
portadores de doenças infectocontagiosas; (3) Quartos ou enfermarias de
isolamento; (4) Procedimento Operacional Padrão para higienização e circulação
de fomites contaminados; (5) Procedimento Operacional Padrão para descontaminação
dos ambientes destinados a cuidados a pacientes; (6) Procedimento Operacional
Padrão para manejo de pacientes suspeitos ou confirmados para tuberculose
bacilifera.
Biomecânicos, (organizacionais) e psicossociais
· Postura inadequada: decorrente de (1) macas e camas
inapropriadas para as características do paciente ou procedimento que está
sendo executado; (2) posições passivas impostas em procedimentos invasivos.
·
Situações causadoras
de estresse físico e/ou psíquico: associadas a (1) espera para a realização do
procedimento; (2) falta de informação sobre o procedimento a ser realizado
(passos e tempo); (3) característica dos ambientes de espera e realização do
procedimento; (4) falta de referência de um cuidador nesse período de
realização do procedimento; (5) desconforto
acústico e devido a vibrações.
Acidentes
·
Arranjo físico
inadequado:
(1) que dificulte a movimentação do paciente no ambiente de atendimento ou
internação; (2) que não considere as limitações impostas pelas características
do paciente (necessidade de apoio, faixas e pisos orientadores, rampas de
acesso, p.ex.).
·
Equipamentos sem
proteção:
macas ou camas sem proteção lateral, p.ex.
·
Ferramentas
inadequadas ou defeituosas: entendendo “ferramentas” como qualquer
instrumento ou utensílio que se usa para a realização de um trabalho, como por
exemplo, instrumental cirúrgico, sondas, cânulas, equipo para infusão, etc.
·
Iluminação inadequada: que dificulte a
movimentação ou sentido de localização dos objetos e do próprio paciente.
·
Probabilidade de
incêndio ou explosão:
por falta de manutenção corretiva e
preventiva de cilindros de gases, conectores, conexões, mangueiras, etc.
·
Armazenamento
inadequado: possibilitando
o acesso do paciente a (1) produtos
químicos; (2) produtos de higiene; (3) drogas; (4) medicamentos; (5) material
perfurocortante de qualquer natureza.
·
Animais peçonhentos e
sinantrópicos:
por falta de (1) higienização; (2) restos de alimentos; (3) padronização
de procedimentos para o controle
de animais
sinantrópicos nocivos.
·
Outras situações de
risco que poderão contribuir para a ocorrência de acidentes: pacientes abandonados,
sem um observador responsável, p.ex.
“Riscos
Estendidos à Segurança do Paciente” – RESP
Desta forma foram identificados os agentes de risco abaixo.
Físicos:
· Doenças e agravos à saúde
decorrentes de exposição ocupacional a agentes físicos que sejam causa de
inaptidão, restrição ou comprometimento do trabalho. P.ex.: trabalhador com audição
comprometida induzida por ruído (PAIR), apatia ou sonolência decorrente de leucopenia
em trabalhador exposto a radiação ionizante, etc.
Químicos:
· Doenças e agravos à saúde
decorrentes de exposição ocupacional a agentes de risco químico que sejam causa
de inaptidão, restrição ou comprometimento do trabalho. P.ex.: trabalhador
comprometido por doenças do sangue, hepáticas ou renais decorrentes de
exposição a produtos químicos.
Biológicos:
· Microrganismos e parasitas: veiculados pelo
trabalhador da saúde em decorrência da falta de (1) programa de imunização
ativa contra tétano, difteria, hepatite B e os estabelecidos pelo PCMSO
(32.2.4.17.1); (2) fornecimento de vacinas eficazes contra outros agentes
biológicos a que os trabalhadores estão, ou poderão estar, expostos
(32.2.4.17.2); (3) controle da eficácia da vacinação sempre que recomendado
pelo Ministério da Saúde e seus órgãos, a fim de providenciar, se necessário,
seu reforço (32.2.4.17.3); (4) capacitação dos trabalhadores sobre os riscos a
que estarão expostos e o risco estendido aos pacientes pelo não cumprimento do
programa de vacinação; (5) capacitação dos trabalhadores sobre os riscos de contaminação e ações preventivas, particularmente a
higienização das mãos antes e após cada procedimento, mesmo tendo usado luvas
(32.2.4.3.2); (6) procedimento operacional padrão no caso de trabalhador da
saúde portador de doença infectocontagiosa; (7) procedimento operacional padrão
para controle da disseminação intra-hospitalar da tuberculose bacilifera
envolvendo o trabalhador da saúde (triagem tuberculínica); (8) procedimento
operacional padrão no caso de trabalhador da saúde com feridas ou lesões nos
membros superiores (32.2.4.4); (9) procedimento operacional padrão no caso de
trabalhador da saúde portador de parasitoses (fungos e parasitas). P.ex.: trabalhador portador de doença
infectocontagiosa ou não capacitado quando à prevenção de doenças causadas por
agentes biológicos.
Biomecânicos, (Organizacionais) e Psicossociais:
·
Ergonomia física (esforço
físico intenso; levantamento e transporte manual de peso; exigência de postura
inadequada): gerando
trabalhadores da saúde com restrições e limitações físicas decorrentes de
doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo. P.ex.: trabalhador com limitação
de movimentos ou comprometimento da capacidade de sustentação de peso
decorrente de afecções musculoesqueléticas.
·
Ergonomia organizacional (controle
rígido de produtividade; imposição de ritmos excessivos; trabalho em turno e
noturno; jornadas de trabalho prolongadas): gerando trabalhadores com o processo perceptivo, cognitivo e motor na execução das
tarefas (ergonomia cognitiva)
comprometido por
(1) estafa física e mental, causas importantes na gênese de erros e acidentes; (2) transtornos mentais e comportamentais; (3) escape para
drogas lícitas e ilícitas; (4) efeitos indesejáveis de medicamentos. P.ex.: trabalhador com limitações ou
comprometimento da capacidade laboral devido transtorno emocional ou efeitos
adversos de medicamentos utilizados para controle deste tipo de transtorno.
Acidentes:
·
Arranjo físico
inadequado:
podendo levar a (1) queda de objetos e do próprio trabalhador sobre o paciente;
(2) acidentes durante procedimentos.
·
Ferramentas
inadequadas ou defeituosas: falta de critério ou impossibilidade de escolha, levando
a mau uso ou improvisação.
·
Iluminação
inadequada:
podendo levar a erro na identificação de medicamentos; e
·
Outras situações de
risco que poderão contribuir para a ocorrência de acidentes: ambientes com
pacientes em quantidade superior a sua capacidade e desproporção na relação paciente
: cuidador.
CONCLUSÃO
Há evidências de:
· Pontos de contato entre a
vigilância da saúde do trabalhador da saúde e a vigilância da segurança (e da
saúde) do paciente;
· Convergência entre as ações (1) de
promoção da segurança do paciente; (2) de melhoria da qualidade dos serviços de
saúde; e (3) de promoção da segurança e saúde do trabalhador dos serviços de
saúde.
· Que não conformidades nos
programas de Segurança e Saúde no Trabalho podem efetivamente impactar na
segurança do paciente.
·
Diante desta análise e considerando
os dois eixos fundamentais da RDC 36/2013 e as ações de promoção da saúde e
prevenção de agravos decorrentes de agentes de risco ocupacionais é proposto:
Quanto à articulação e a integração dos processos de gestão
de risco:
·
Garantir a representação do SESMT no
NSP (Médico do Trabalho e Engenheiro de Segurança).
·
Analisar o ambiente, posto e
processo do trabalho identificando situações de risco para o paciente que devem
constar no Mapa de Risco elaborado pela CIPA/COMSAT e Laudo Técnico das
Condições do Ambiente de Trabalho (L.T.C.A.T.) e P.P.R.A. elaborados pelo SESMT;
·
Identificar as ações preventivas a
serem tomadas junto aos trabalhadores que reduzam o risco para o paciente.
P.ex.: (1) programa de vacinação e controle sorológico dos trabalhadores
(32.2.4.17 e RDC 36 - Seç VII - Art 43); (2) plano de afastamento do cuidado
direto ao paciente de trabalhador doente, com feridas ou lesões em membros
superiores (32.2.4.4 e RDC 36 – Seç VII – Art 45) ou com restrições físicas,
psíquicas e medicamentosas (RDC 36 – Seç VII – Art 44), que devem constar no P.C.M.S.O.
·
Aplicar medidas de redução da
possibilidade de contaminação e contágio. P.ex.: (1) medidas de descontaminação
do ambiente, equipamentos e materiais (32.2.4.11 e 32.2.4.12 e RDC 36 – Seç II
– Art. 8º e Seç VIII – Art 57); (2) lavatório exclusivo para higiene das mãos
provido de água corrente, sabonete líquido, toalha descartável e lixeira
provida de sistema de abertura sem contato manual (32.2.4.3 e RDC 36 – Seç VIII
– Art. 59); (3) isolamento em quartos ou enfermarias com lavatório em seu
interior (32.2.4.3.1 e RDC 36 – Seç II – Art 17) e procedimentos de transporte no
caso de pacientes com suspeita ou portadores de doenças infectocontagiosas.
Quanto à disseminação sistemática da cultura de segurança
Incluir nos programas de capacitação continuada dos
trabalhadores exigidos pela NR32 e RDC 36 itens relativos à:
·
Cultura prevencionista; e,
·
Segurança do paciente (p.ex.:
identificação do paciente, segurança cirúrgica, cuidados com a prescrição, uso
e administração de medicamentos, etc.).
AGRADECIMENTOS
Aos profissionais da equipe da DVST-CVS-SES/SP
pela colaboração e apoio.
REFERÊNCIAS
1. BRASIL. Ministério da Saúde. Agência de Vigilância
Sanitária (Anvisa). Resolução da Diretoria Colegiada nº. 36 (RDC 36/2013).
Brasília: DOU de 26/07/2013, Seção I, p. 32.
2. BRASIL. Ministério
da Saúde. Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa). Portaria nº. 529. Brasília:
DOU de 02/04/2013, Seção 1, p 43.
3. BRASIL. Ministério da Saúde. Agência de Vigilância
Sanitária (Anvisa). Resolução da Diretoria Colegiada nº. 53 (RDC 53/2013)
Brasília: DOU de 20/11/2013, Seção 1, p 77.
4. BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Gabinete do
Ministro (GM). Portaria nº. 485. Brasília: DOU de 16/11/2005, Seção 1, p.80.
5. BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Secretaria de
Inspeção do Trabalho. Riscos biológicos: guia técnico. Ruth Beatriz V. Vilela.
Brasília, 2008. Disponível em http://portal.mte.gov.br/data/files/FF8080812BCB2790012BD509161913AB/guia_tecnico_cs3.pdf.
Acessado em 29/07/2014.
6. Minas
Gerais. Gestão das condições de trabalho e saúde dos trabalhadores da saúde:
caderno de textos /[Organização do texto Ada Ávila Assunção, Andrea R. Motta –
Belo Horizonte:UFMG, Departamento de Medicina Preventiva e Social, 2013
7.
Nogueira RP. Relações do trabalho no
setor saúde: as dimensões do trabalho em saúde. SciELO books. Disponível em http://books.scielo.org/id/9tc7r/pdf/amancio-9788575412787-08.pdf.
Acessado em 21/07/2014:
8. Moraes
GA. Legislação de Segurança e Saúde Ocupacional. 2a ed. Rio de Janeiro: GV
Editora; 2009
9. BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Gabinete do
Ministro (GM). Portaria nº. 1748. Brasília: DOU de 31/11/2011, Seção 1, p.143.
Recebido:
23/01/2017; Publicado: 01/02/2017
Correspondência: Marcelo Pustiglione. E-mail: cepah.marcelo@gmail.com
Conflito de Interesses: o autor não declarou conflito de interesses
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