Rev.
Adm. Saúde Vol. 17, Nº 66, Jan. – Mar. 2017
ARTIGO
ORIGINAL
O Uso do KAN BAN na Gestão do Cuidado: Superando Limites
El Uso de Kanban en la Gestión de la Atención: la
Superación de los Límites.
The Use of Kanban in
Care Management: Overcoming Limits.
Isis Aparecida Cunácia Massaro1, Altair
Massaro2
1. Médica nefrologista, especialista
em Cuidados Paliativos. Docente colaboradora do Instituto de Ensino e Pesquisa
do Hospital Sírio-Libanês de São Paulo e docente da Medicina da Universidade
São Caetano do Sul.
2. Médico, mestre em
Saúde Coletiva. Docente colaborador do Instituto de Ensino e Pesquisa do
Hospital Sírio-Libanês de São Paulo e docente da Medicina da Universidade São
Caetano do Sul.
RESUMO
Considerando o tempo
de permanência hospitalar como indicador da qualidade assistencial e elemento
fundamental para o enfrentamento da superlotação dos hospitais, a proposta
deste artigo é promover o entendimento do uso do KAN BAN, como ferramenta a ser
utilizada para otimizar o tempo de permanência e contribuir para a melhora no
fluxo do paciente no âmbito hospitalar.
Palavras-chave: Tempo de espera. KAN BAN. Tempo de
Permanência. Governança Clínica e Gestão da Qualidade.
RESUMEN
Teniendo en cuenta la
duración de la permanencia hospitalaria como un indicador de una atención de
calidad y un elemento clave para combatir el hacinamiento de los hospitales, el
propósito de este artículo es promover la comprensión de la utilización de KAN
BAN, como una herramienta que se utiliza para optimizar la duración de la
estancia y contribuir a la mejora en el paciente fluya en los hospitales.
Palabras clave: Tiempo de Permanencia. Gestión Clínica e
Gestión de la Calidad.
ABSTRACT
Considering the length of hospital stay as an indicator of healthcare
quality and fundamental group unit to combat the overcrowding of hospitals, the
purpose of this paper is to promote the understanding of the use of KAN BAN, as
a tool to be used to optimize the length of stay and contribute to the
improvement in patient flow in hospitals
Keywords: Waiting-time. Length of Stay. Clinical Governance.Lean principles. Emergency
services.
INTRODUÇÃO
Um dos maiores
desafios para os sistemas de saúde é adequar a sua capacidade de oferta em face
às necessidades em saúde das populações e dos indivíduos1.
Em geral, os serviços
de saúde no Brasil são bastante precarizados, onde boa parte sofre dificuldades
estruturais, tanto em relação aos espaços físicos como em seu parque
tecnológico e também na alocação e capacitação de seus profissionais. Além
disso, há pouco processo de planejamento das ações e políticas de avaliação de
resultado. Esta situação dificulta muito os processos de trabalho tanto
assistenciais como de gestão.
Nos serviços de
atenção às emergências, especialmente nos grandes hospitais brasileiros, esta
situação tem como reflexo imediato a superlotação de suas portas de entrada.
O PROBLEMA
“A superlotação nos Serviços de Emergência Hospitalar
(SEH) é um fenômeno mundial, caracteriza-se por: todos os leitos do SEH
ocupados; pacientes acamados nos corredores; tempo de espera para atendimento
acima de uma hora; alta tensão na equipe assistencial; grande pressão para
novos atendimentos. Indica, em última instância, baixo desempenho do sistema de
saúde, como um todo e do hospital em particular, e induz à baixa qualidade
assistencial.”2. E ainda, pode
representar uma ameaça aos direitos humanos tanto dos usuários quanto dos
trabalhadores.3
As causas da
superlotação são multifatoriais e amplamente citadas na literatura.4,5
Sabemos que, com frequência, os serviços de urgências e emergências são
utilizados como uma porta de acesso à rede de saúde. Aliado a isso, temos um
aumento da população demográfica e envelhecimento de parcela considerável desta.
Este fato encontra-se diretamente associado ao incremento da prevalência de
doenças crônicas e agudizações da mesma.
A superlotação é
percebida por todos visualmente e tem como seu principal marcador o aumento do
tempo de permanência.6
A BUSCA DAS SOLUÇÕES
As tentativas de
modificar essa realidade e melhorar o fluxo dos pacientes e reduzir o seu tempo
de permanência, são avaliadas e apresentadas em vários estudos.7,8
Diante do exposto, se faz necessário o uso de ferramentas para a redução do
tempo de permanência, observando a relação tempo e risco e as necessidades dos
pacientes com a intenção de melhorar o cuidado prestado. Nesse sentido de buscar ferramentas que
possam auxiliar a minorar a superlotação com olhar para o risco, os serviços de
urgências e emergências tiveram avanços ao implantar a tecnologia do
Acolhimento com Classificação de Risco (ACCR).
Segundo Heisler, a ACCR ainda não é suficiente para monitorar o tempo de
permanência e o gerenciamento de fluxo não é garantido apenas pela classificação
inicial dos pacientes. Nesse ponto devemos lançar mão do uso da ferramenta KAN
BAN.9 E continuando a citar o último autor:
“O sistema KAN BAN nas emergências hospitalares pode ser
entendido como uma ferramenta de qualificação do gerenciamento do cuidado, por
sítios assistenciais. Dessa forma,
através dessa ferramenta podemos identificar o paciente, identificar a equipe
responsável, localizar o paciente na emergência, indicar o tempo de
permanência, entre outros.”9
KAN BAN, formado por
dois Kanji, que são caracteres da língua japonesa adquiridos a partir de
caracteres chineses, possui vários significados: cartão, símbolo (cores de
identificação) ou painel. Em linhas
gerais é um sistema de controle da produção, cujo objetivo é minimizar os
estoques de material em processo, produzindo em pequenos lote, somente o
necessário e no tempo certo.10
KAN BAN e Just in
Time são conceitos da área de produção e não raras vezes, são confundidos
quando aplicados a outros campos de conhecimento. O Sistema KAN BAN foi desenvolvido a partir
do conceito simples de aplicação da gestão visual no controle de produção e
estoques com a função primordial de viabilizar a produção "Just
inTime"11. Portanto o ganho real no sistema produtivo advém do funcionamento da operação - essa
compreensão é fundamental - e não necessariamente da aplicação ou não da gestão
visual.10
Ao transportamos essa
ferramenta para a saúde, o principal ganho reside no fato de que ao
diagnosticarmos o tempo de permanência que o paciente encontra-se em uma
determinada unidade, tem o potencial,
através da visualização, de disparar a necessidade de identificar a(s) causa(s)
que determinam a demora e intervir sobre a(s) mesma(s). E consequentemente isso
impactará na melhor assistência prestada.
Operacionalmente,
existem dois modos de utilização do KAN BAN: placa e planilha. Estes dois modos
se complementam e, portanto, é necessário que seu uso ocorra
paralelamente.
O uso das placas é
feito à beira do leito. Para tanto, o primeiro passo é a definição dos níveis
de permanência para cada coorte de usuários a ser considerado. Por exemplo, se
a coorte é uma enfermaria onde usualmente são internados pacientes clínicos,
cujas patologias prevalentes, têm expectativa de recuperação, baseando-se em
evidencias na literatura, de 7 dias, os níveis de aceitabilidade podem ser:
Nível 1 (KAN BAN I ou Verde – dentro dos limites do esperado) de até 7 dias,
nível 2 (KAN BAN II ou Amarelo – sinal de alerta) entre 7 e 9 dias e nível 3
(KAN BAN III ou Vermelho – sinal de intervenção) acima de 10 dias. Se a coorte
é uma unidade de emergência, por exemplo, a sala amarela, os níveis de
aceitabilidade de tempo devem ser diferentes. Sabe-se que a permanência nas
unidades de urgência e emergência deve ser a menor possível, assim, limites
como 24 horas para o Nível 1 (KAN BAN I ou Verde), entre 25 e 36 horas para
nível 2 (KAN BAN II ou Amarelo) e acima de 37 horas para nível 3 (KAN BAN III
ou Vermelho) são bastante pertinentes. De modo que, cada limite deve ser
pactuado com as equipes tendo como base a série histórica local, mas buscando
evidências cientificas que servirão de parâmetros a serem atingidos. Estas equipes monitoram e diagnosticam as
causas do aumento da permanência e as solucionam. Este, portanto, é o segundo
passo, ou seja, a identificação das causas que aumentam a permanência dos
pacientes e tornam o KAN BAN vermelho ou III e a solução conjunta destas
situações. O padrão ouro é atuar com antecedência ao aumento da permanência, ou
seja, ainda no KAN BAN I (verde) ou II (amarelo).
Assim, a constituição
de equipes de referência para o cuidado aos pacientes deve levar em conta o
trabalho interdisciplinar, ou seja, sempre promovendo a troca de saberes entre
os profissionais e buscando soluções mais potente para cada problema
identificado¹². O processo de trabalho, deste modo, consiste em visitas diárias
a cada paciente pela equipe de referência, onde se poderá refletir
conjuntamente, além das questões clínicas pertinentes ao cuidado, o status
atualizado do KAN BAN e as suas causas. Estas motivações, evidentemente, podem
pertencer ao campo clínico, ou seja, a permanência está acima do esperado por
complicações inerentes ao processo de adoecimento singular de cada um; todavia,
mesmo nesta situação ainda cabe a reflexão da equipe sobre a adequação do
tratamento proposto e sua condução, de forma a ajustar sempre o projeto
terapêutico. Entretanto, outras causas também são bastante incidentes, como:
demora na realização e/ou resposta de exames subsidiários, falta de insumos necessários
ao tratamento, demora na avaliação por especialistas (equipe matricial),
necessidades sociais etc. Todas estas causas singulares devem ser tratadas pela
equipe de referência, procurando soluções potentes e rápidas, no sentido de
reduzir a permanência desnecessária do usuário no ambiente hospitalar.
Algumas situações
ainda exigem um pouco de reflexão. A primeira se deve à continuidade do cuidado
em diversas unidades do hospital, por exemplo, o paciente que está na sala
verde de um pronto socorro e depois é internado na enfermaria do mesmo serviço;
a questão decorrente é se devemos manter a contagem do KAN BAN iniciado no
pronto socorro na nova unidade ou se começaria nova contagem ao ingressar na
enfermaria?
A resposta exige que pensemos como as equipes
estão aptas e apropriadas a lidar com a ferramenta. A melhor hipótese é que
tenhamos em mente o tempo total de permanência hospitalar, desde a sua estada
no pronto socorro e a complementação na enfermaria e também, um segundo KAN
BAN, que aponte apenas a nova permanência. Isso, todavia, pode ser dificultador
do processo de trabalho de equipes ainda neófitas à tecnologia; neste caso,
apenas o KAN BAN da nova unidade deveria ser sustentado, mas sempre levando em
conta o tempo total de internação do paciente para construção de seu projeto
terapêutico; deste modo, o KAN BAN da enfermaria refletirá o processo de
trabalho e o plano de cuidado adotado na unidade e suas possíveis necessidades
de ajustes.
O segundo aspecto se
deve à seleção de coortes para definição dos parâmetros de tempo (níveis) do
KAN BAN. Algumas unidades assistenciais têm prevalências muito distintas e
gostariam de usar KAN BAN diferentes para distintos grupos, por exemplo, em uma
enfermaria pacientes com uma dada patologia podem ter expectativas de
recuperação e, portanto, de permanência esperada diferente de outras. A reflexão
é a mesma que a anterior, ou seja, se a equipe tem habilidade para lidar com a
ferramenta KAN BAN e destreza em seu manuseio, produzindo discussões potentes e
ágeis, nada impede que possa implementar níveis distintos para subgrupos no
mesmo espaço, tudo depende da pactuação e forma de lidar da equipe. Todavia, se
a equipe ainda carece de experimentação e prática, utilizar um parâmetro único
para a mesma unidade pode facilitar o processo de trabalho e acompanhamento dos
casos. Nesta hipótese, é fundamental a pactuação dos parâmetros pela equipe,
respeitando um corte médio entre as expectativas de permanência dos distintos
pacientes, sempre fundamentados na série histórica local e na evidência da
literatura especializada.
O segundo modo de
utilização do KAN BAN são as planilhas. Este instrumento pode ser elaborado,
por exemplo, em ferramenta de informática do tipo Excel ou similar, em softwares
específicos ou mesmo manualmente.
Estas planilhas nada
mais são que o consolidado das informações das placas na beira do leito, num
dado período em uma certa unidade. Os dados registrados podem ser: nome do
paciente, idade, data da internação no hospital e na unidade, necessidades em
saúde identificadas pela equipe e, fundamentalmente, nível do KAN BAN e causa
para KAN BAN III (Vermelho), outros dados que a equipe julgue relevantes podem
ser acrescidos a esta lista.
A alimentação da
planilha é responsabilidade da equipe de referência de cada usuário. Este
instrumento, uma vez atualizado, pode ser mantido apenas no computador – quando
em meio eletrônico – ou exposto à equipe em um painel (meio físico) ou uma tela
(meio eletrônico), neste caso, tomando-se os cuidados com a preservação do
sigilo ético necessário.
Se o uso do KAN BAN
na sua forma de placa tinha o foco da equipe de referência, o uso das planilhas
de consolidados devem ser, além de objeto de acompanhamento das mesmas equipes,
acompanhadas pelo colegiado gestor da unidade ou outros grupos gestores como
por exemplo o Núcleo de Acesso a Qualidade Hospitalar (NAQH).
O foco de análise
para os profissionais que integram os colegiados de gestão está no aspecto
coletivo, ou seja, as informações extraídas do consolidado de dados em um dado
período em uma certa unidade. Deste modo, dois indicadores podem ser observados
que ajudarão o processo de gestão da unidade: o primeiro é definido como Taxa
de Saídos no KAN BAN III (Vermelho), este indicador refere-se a porcentagem de
pacientes que saíram no KAN BAN III num dado período. Para efeito de reflexão,
tomemos o seguinte exemplo: numa dada enfermaria no mês de abril a Taxa de
Saídos no KAN BAN III foi de 20%; dois meses depois este mesmo indicador nos
mostra uma ascensão para 40%; isso, sem sombra de dúvidas, deve ser um fator
bastante mobilizador da equipe, cuja pergunta, na sequência, deverá ser: o que
ocorreu neste período? Isto nos leva ao segundo indicador: as causas mais
prevalentes relacionadas ao aumento da permanência. Estas informações,
portanto, trarão elementos bastante substanciais para gestão de processos de
trabalho e arranjos assistências que produzirão adequação à média de
permanência na unidade e melhora da qualidade assistencial. Deste modo, estes
indicadores devem fazer parte do monitoramento da qualidade da assistência da
unidade.
CONCLUSÕES
É muito importante
entendermos que ferramenta KAN BAN tem o potencial de instigar essas
intervenções, mas não por si só fará com que aconteçam. Com isso queremos
marcar que o seu uso somente será eficaz quando manejado por uma equipe de
referência do cuidado e para a qual o emprego do KAN BAN faça sentido. Caso
contrário será simplesmente uma sinalização visual, cuja essência seria
meramente burocrática e sem consistência para disparar todos os processos.
Encontramos consonância com esse pensamento, no Estudo de Lemieux-Charles et
al. que diz que existe uma necessidade de comprometer o profissional com as
mudanças organizacionais, sociais e culturais, mais do que procurar um “tiro
mágico” (magic bullet) para as mudanças do comportamento individual¹³.
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1439-54, 2009.
Recebido: 13/01/2017;
Publicado: 17/01/2017
Correspondência: Altair Massaro. E-mail: altair.massaro@gmail.com
Conflito de Interesses: os autores não declararam conflito de interesses
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