Rev. Adm. Saúde - Vol. 18, Nº 72, jul. – set. 2018
http://dx.doi.org/10.23973/ras.72.134
ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO
Inteligência artificial, prática médica e a relação médico-paciente
Artificial intelligence, medical practice and the medical-patient relationship
Milton M. Osaki1
1. Médico, administrador hospitalar e de sistemas de saúde. Médico da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo. São Paulo SP.
RESUMO
A incorporação da informática na prática médica proporcionou mudanças importantes na área de diagnósticos, monitoramento e no apoio à conduta terapêutica. Plataformas eletrônicas já processam dados do paciente por meio de algoritmos e propõem hipóteses diagnósticas cada vez mais precisas. As tecnologias vestíveis/corporais, além de permitirem monitoramento de pacientes, podem atuar autonomamente em tratamentos. O aumento da capacidade de armazenamento e processamento de dados permitem apoio cada vez maior à decisão clínica.
Neste contexto insere-se a discussão sobre a boa prática médica e a relação médico-paciente.
Não é aceitável como boa prática médica aquela em que o profissional não embase sua conduta sob os quatro princípios básicos da bioética: beneficência, não-maleficência, justiça e autonomia.
A relação médico-paciente extrapola a anamnese, o exame físico, a solicitação de exames subsidiários e a prescrição do tratamento. Pesquisas e estudos sugerem que a boa relação médico-paciente mescla habilidades técnicas e pessoais do médico. No contraponto de protagonismos médicos que ignoram as idiossincrasias dos pacientes, a empatia torna-se necessidade na relação para promover avanços em prol do melhor prognóstico clínico.
Destarte a incorporação tecnológica, inteligência artificial, os melhores prognósticos clínicos sempre dependerão da atuação médica calcada em humanismo.
Palavras-chave: inteligência artificial, relação médico-paciente, ética médica
ABSTRACT
The incorporation of computers into medical practice provides important changes in ??diagnostics, monitoring and support to therapeutic management. Electronic platforms already process patient data through algorithms and propose increasingly precise diagnostic hypotheses. Wearable devices, in addition to allowing patient monitoring, can act independently in treatments. Increased data storage and processing capabilities allow for more and more clinical decision support. In this context, the discussion on good medical practice and the physician-patient relationship is inserted. It is not acceptable as good medical practice in which the professional does not base his conduct under the four basic principles of bioethics: beneficence, no-harm, justice and autonomy. The physician-patient relationship goes beyond anamnesis, the physical examination, the request for subsidiary examinations, and the prescription of treatment. Research and studies suggest that good relation blends the physician's technical and personal skills. In the counterpoint of medical protagonisms that ignore the idiosyncrasies of patients, empathy becomes a necessity in the physician-patient relationship to promote advances in favor of the best clinical prognosis. Thus, the technological incorporation, artificial intelligence, the best clinical prognoses will always depend on the medical practice based on humanism.
Keywords: artificial intelligence, physician-patient relations, medical ethics
INTRODUÇÃO
O uso da tecnologia vem sendo cada vez mais observado em todos os setores. Na medicina não é diferente. As tecnologias vestíveis/corporais (wearable devices) vem demonstrando sua importância no uso individual pelos pacientes, o prontuário eletrônico proporciona segurança e tranquilidade na dispensação de medicamentos em internações hospitalares.
O aumento da capacidade de armazenamento de dados de saúde, o chamado big data, o uso destes dados por poderosas plataformas eletrônicas tem aperfeiçoado cada vez mais os sistemas de apoio à decisão clínica permitindo consideráveis avanços terapêuticos através da indicação de tratamentos customizados.
Neste contexto como se situa o protagonismo médico? O uso da inteligência artificial (IA) altera a relação médico-paciente existente anteriormente ao advento da IA? Continuam válidos os preceitos de Hipócrates na prática médica? Este artigo propõe reflexões sobre este contexto.
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
A inteligência artificial (1) é um ramo da ciência da computação cujo objetivo é fazer com que os computadores “pensem” ou se comportem de forma inteligente similar à humana.
O termo inteligência artificial foi cunhado numa conferência no Dartmouth College, em 1956, por John McCarthy e cols. (2). Seus principais idealizadores foram Herbert Simon, Allen Newell, Warren McCulloch, Walter Pitt e Marvin Minsky. A aplicação da IA em medicina foi discutida no artigo de Shortlife em 1963 (3).
O principal objetivo dos sistemas de IA é executar funções que, caso executadas por um ser humano, seriam consideradas inteligentes. A inteligência artificial demanda programação de computadores para o conhecimento, raciocínio, solução de problemas, percepção, aprendizagem, planejamento, capacidade de manipular e mover objetos. Pode-se dizer que um equipamento dotado de inteligência artificial tem a capacidade de decidir pela melhor dentre opções pré-estabelecidas sendo estas opções pré-estabelecidas enriquecidas constantemente pelo próprio sistema. Uma característica da inteligência artificial é o “aprendizado” do sistema pelo crescimento do banco de informações.
A IA suporta-se em programas computacionais (algoritmos) que trabalham dados. Os algoritmos utilizados em IA são compostos de três famílias: machine learning (aprendizado de máquina), deep learning (aprendizagem profunda) e natural language processing (processamento de linguagem natural).
A operacionalização da IA está associada ao big data analytics.
Machine learning trata-se de programação computacional de análise de dados para a construção de modelos analíticos. Esta programação baseia-se no conceito de que o sistema computacional pode aprender com dados, identificar padrões e tomar decisões com o mínimo de intervenção humana. A “máquina” pode ser protagonista no seu aprendizado e capaz de se adaptar sozinha quando exposta a novos dados. Um exemplo de aplicação do machine learning são os carros autônomos do Google.
O deep learning é uma categoria de IA que utiliza programações computacionais chamadas redes neurais artificiais (RNA) ou métodos conexionistas. Estes softwares funcionam simulando o cérebro humano e possuem características peculiares de operacionalização e de aquisição de conhecimentos. As redes neurais têm sido desenvolvidas e aprimoradas desde a década de 1950. Trata-se de “aprendizado” pelo computador que utiliza algoritmos complexos para imitar a rede neural do cérebro humano com pouco ou nenhuma supervisão. Estas plataformas aliadas ao poderio computacional permitem que as máquinas possam reconhecer objetos, sons (fala) e traduzir ações vocalizadas em tempo real. Exemplos de deep learning são os aplicativos Google Translate (tradutor Google).
Processamento de linguagem natural (PLN) é a capacidade de um programa de computador para entender a linguagem humana como ela é falada. Os algoritmos que compõe o PLN têm como objetivo a analise, reconhecimento e/ou produção de textos em linguagens humanas (naturais). O desenvolvimento destes programas não é fácil por causa da ambiguidade da linguagem humana. O desenvolvimento de aplicativos de PLN é desafiador porque os computadores tradicionalmente exigem que os seres humanos “falem” com eles em uma linguagem de programação precisa, sem ambiguidade e altamente estruturada, ou através de um número limitado de comandos de voz claramente enunciados. A fala humana, no entanto, nem sempre é precisa – muitas vezes é ambígua e a estrutura linguística pode depender de muitas variáveis ??complexas, incluindo gírias, dialetos regionais e contexto social.
O PLN pode ser usado para interpretar texto livre e torná-lo analisável. Há uma enorme quantidade de informações armazenadas em arquivos de texto livre, como registros médicos de pacientes, por exemplo. Essa característica difere o PLN dos demais processamentos de linguagens de programação de computador que evitam, justamente, a ambiguidade. Os resultados obtidos através do PLN são: 1) recuperação de informação a partir de textos, 2) tradução automática, 3) interpretação de textos, 4) realização de inferências a partir de textos. Um dos exemplos de aplicação do PLN é a análise de sentimentos, onde os algoritmos podem procurar padrões em postagens de redes sociais para compreender como os clientes se sentem em relação a marcas e produtos específicos.
Em tecnologia da informação, o termo big data significa um grande conjunto de dados armazenados. Big data analytics (4) é o processo de analisar grandes quantidades de dados em busca de correlações, padrões ocultos e insights diversos. Com as plataformas computacionais existentes torna-se possível analisar dados e obter respostas quase instantaneamente. O big data analytics vem crescendo graças ao aumento da capacidade de armazenamento de dados. Inicialmente o armazenamento ocorria localmente (fitas e discos móveis), passou para sistemas de grande capacidade (datawarehouses) e atualmente ocorre em redes de computadores cloud, “na nuvem”. Estimou-se em 2014, o volume de dados em 2,5 exabytes - um exabyte corresponde a 1018 bytes; um kilobyte corresponde a 103 bytes; um megabyte a 106 bytes e um gigabyte a 109 bytes. Prevê-se um crescimento anual de 57% no período de 2014-2019 para em 2019 se atingir 24,3 exabytes.
No campo da medicina, o big data armazena dados de prevalência, incidência e evolução de enfermidades e possibilita, com a utilização da IA, gerar dados estatísticos, antecipar surtos epidemiológicos, prescrever ações preventivas e propor possíveis melhores condutas terapêuticas.
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NA MEDICINA
Em 1972, Howard Bleish (5), um dos pioneiros do estudo da aplicação da IA na medicina, relatou a possibilidade de controle do equilíbrio hidroeletrolítico de pacientes através de ações de um sistema computadorizado.
Atualmente, o uso da IA na prática médica está cada vez maior. Os wearable devices cada vez mais ocupam espaço na rotina assistencial. Estes equipamentos acoplados (vestidos) pelo paciente ajudam no monitoramento de indicadores metabólicos como taxas de glicemia, níveis de pressão arterial e ritmo cardíaco. Wearable devices para monitoramento cardíaco acoplados com desfibrilador subcutâneo podem gerar ações automatizadas, como dar uma descarga elétrica, para que ocorra o retorno à normalidade dos batimentos cardíacos. No monitoramento de níveis de glicose sanguínea podem gerar ações automatizadas de aplicação de insulina nas situações que possam comprometer a vida do paciente.
A IA está sendo utilizada em sistemas de prontuários eletrônicos hospitalares e está tornando a dispensação de medicamentos mais segura. Estes softwares ao realizarem cruzamentos da prescrição médica com dados do paciente evitam interações ou doses inapropriadas tornando a prescrição medicamentosa mais segura.
O uso do sistema computacional desenvolvido pela IBM denominado Watson Health (6) está revolucionando o tratamento do câncer. Esta plataforma contém enorme quantidade de informações médicas advindas dos mais importantes centros de pesquisa e tratamento de câncer no mundo. Através do processamento destas informações pode-se obter a avaliação de risco e evolução de pacientes com câncer.
Pela análise do grande número de casos armazenados com diagnósticos, tratamentos realizados e resultados obtidos, o Watson Health permite propostas de condutas associados às probabilidades de sucesso. O sistema Watson de oncologia está sendo usado em muitas instituições de saúde dos EUA. O Watson Health não está sendo utilizado apenas em oncologia. A plataforma Watson Genomics auxilia estudos na tentativa de identificar medicamentos eficazes através de ensaios clínicos em alterações genômicas confrontados com a literatura médica.
Outra plataforma similar ao Watson Health desenvolvida na Inglaterra, o Deep Mind (7), está mostrando interessante uso da IA na medicina. O Deep Mind tem sido usado em oftalmologia na avaliação de scans visuais, buscando causas de cegueira. O Deep Mind está processando atualmente 1,6 milhão de prontuários de pacientes atendidos nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde da Inglaterra, buscando desenvolver uma nova geração de sistemas de apoio à decisão clínica, analisando dados desses pacientes e gerando alertas sobre a sua evolução.
Nos EUA, desenvolve-se o projeto NCI-MATCH (8), também conhecido como MATCH que se trata de um ensaio clínico sobre o câncer. O MATCH é um programa de pesquisa em câncer realizado pelo Instituto Nacional de Câncer independentemente do tipo de câncer.
A medicina do futuro certamente necessitará considerar a eficácia medicamentosa em condições especificas. A chamada medicina de precisão (precision medicine iniciative) (9) está em curso nos EUA através de um programa que prevê estabelecer uma base de dados genéticos de um milhão de pessoas para avaliar a eficácia de drogas. O conceito de medicina de precisão está embasado em estratégias de prevenção e tratamento que levam em conta a variabilidade individual. Este conceito na medicina não é novo, mas a perspectiva de aplicar amplamente esse conceito foi drasticamente aprimorada pelo recente desenvolvimento de bancos de dados biológicos de grande escala (o sequenciamento do genoma humano). Para este tipo de trabalho, plataformas computacionais para analisar grandes conjuntos de dados são fundamentais.
PRÁTICA MÉDICA
Para a boa prática há que se considerar a ética. O Código de Ética Médica (10), nos seus primeiros dois artigos apontam o caminho do bom exercício da profissão médica: "A medicina é uma profissão a serviço do ser humano e da coletividade e deve ser exercida sem discriminação de qualquer natureza" (art. 1º/2010) e "o alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional" (art. 2º/2010).
Impossível imaginar a boa prática médica sem a consideração de quatro princípios básicos da bioética: beneficência, não-maleficência, justiça e autonomia (11).
O princípio da beneficência refere-se à obrigação ética do médico de maximizar o benefício e minimizar o prejuízo. O profissional deve estar convicto suportado por informações técnicas possíveis de que o ato médico será benéfico ao paciente (ação que faz o bem).
O princípio da não-maleficência complementa o princípio anterior. A ação do médico sempre deve causar o menor prejuízo ou agravos à saúde do paciente (ação que não faz o mal). É universalmente consagrado através do aforismo hipocrático primum non nocere (primeiro não prejudicar).
O princípio da justiça estabelece como condição fundamental a equidade: obrigação ética de tratar cada indivíduo conforme o que é moralmente correto e adequado, de dar a cada um o que lhe é devido. O médico deve atuar com imparcialidade, evitando ao máximo que aspectos sociais, culturais, religiosos, financeiros ou outros interfiram na relação médico-paciente.
O princípio da autonomia requer que os pacientes capacitados de deliberarem sobre suas escolhas pessoais devam ser tratados com respeito pela sua capacidade de decisão. As pessoas têm o direito de decidir sobre as questões relacionadas ao seu corpo e à sua vida. Quaisquer atos médicos devem ser autorizados pelo paciente.
Importante ainda, discutir a conceituação do erro médico. Define-se como erro médico o mau resultado ou resultado adverso decorrente de ação ou da omissão do médico. O erro médico pode se verificar por três vias principais; 1) imperícia; 2) imprudência e 3) negligência (12). A imperícia decorrente da "falta de observação das normas técnicas, por despreparo prático ou insuficiência de conhecimento. A imprudência produz o erro quando o médico por ação ou omissão realiza procedimento sem respaldo científico ou, sobretudo, sem esclarecimentos à parte interessada. Caracteriza-se negligência quando o profissional trata com descaso ou pouco interesse os deveres e compromissos éticos com o paciente.
O estudo de Rimoldi (13) mostrou que o número de dados de anamnese, exame físico e exames complementares requisitados por internos, residentes e especialistas para resolver um caso varia significativamente, indicando a importância da experiência na proposição de possíveis diagnósticos. A solução de um caso está, de regra, relacionada à competência do profissional em relação à queixa/problema apresentado pelo paciente.
A ratificação da boa prática médica pressupõe ainda a resolutividade para os diagnósticos realizados. Significa esperar do paciente o entendimento do diagnóstico, sensibilização para as propostas de tratamento, resiliência aos efeitos indesejados dos medicamentos prescritos, e, sobretudo comprometimento com a proposta terapêutica. Cada paciente possui idiossincrasia própria a cada tratamento.
Historicamente, a boa relação médico-paciente passa pela medicina hipocrática (14), cujo objetivo era o puro benefício humano, tendo em vista a pessoa e não simplesmente a doença. Segundo Jaeger (15), um dos maiores estudiosos em história da Grécia Clássica, “de todas as ciências humanas então conhecidas, incluindo a matemática e a física, é a medicina a mais afim da ciência ética de Sócrates”. As raízes da medicina estavam na compreensão da natureza dentro de uma visão holística que visualizava o ser humano como um ente dotado de corpo e espírito. Assim, para Hipócrates “as doenças não são consideradas isoladamente e como um problema especial, mas é no homem vítima da enfermidade, com toda a natureza que o rodeia, com todas as leis universais que a regem e com a qualidade individual dele, que o médico se fixa com segura visão”. As causas das doenças, portanto, deveriam ser buscadas não apenas no órgão ou mesmo no organismo enfermo, mas também e principalmente no que há de essencialmente humano no homem: a alma.
Segundo Suchman (16), a boa relação médico-paciente contém processos psicossociais complexos de relação entre o médico e o paciente. Vieira (17) defende que deste processo de interações entre paciente e médico resulta na adesão ao tratamento. Nesta discussão, dentre os elementos necessários à boa prática médica, a empatia (18) é fundamental. Rogers (19), afirma que a empatia envolve um sentimento de sensibilização pelas mudanças sentidas e refletidas, momento a momento, pela outra pessoa. Para Davis (20), empatia é um processo psicológico conduzido por mecanismos afetivos, cognitivos e comportamentais frente à observação da experiência do outro. Larson e Yao (21), reiteram que a empatia é um símbolo das profissões que cuidam da saúde em especial aos médicos porque diagnosticam e tratam. Neste contexto cabe a citação de Ambroise Paré (22): “curar ocasionalmente, aliviar frequentemente, consolar sempre”.
Ouvir é, portanto, a habilidade a ser cultivada no exercício profissional médico. Escutar sempre os pacientes, que sob o pretexto de um sintoma ou doença, procuram os médicos, é o início e alicerce para se poder estabelecer um relacionamento profissional e humano aprofundado, base da relação médico-paciente (23).
DISCUSSÃO
O uso da IA está melhorando e melhorará a pratica médica?
Voltando a Rimoldi (14), que mostrou variação significativa no número de dados de anamnese, exame físico e exames complementares requisitados por internos, residentes e especialistas para resolver um caso, demonstrando assim a importância da experiência na proposição de possíveis diagnósticos, a utilização da IA pode contribuir enormemente na formulação das hipóteses diagnósticas, probabilidades de ocorrência e propostas terapêuticas eficazes.
Porém, dependendo dos locais, a possibilidade de plena utilização de plataformas computacionais para apoio a decisão clínica necessitará ainda de muitas adequações e contingenciamentos.
Os dados voltados à saúde não estão totalmente disponíveis pela ausência de integração dos diferentes sistemas de registro eletrônico de dados em assistência à saúde. Para a melhor utilização da IA em medicina torna-se necessária a padronização de dados de sistemas de saúde. Muito trabalho há ainda a ser feito. Neste caminho, a Organização Mundial da Saúde e o Instituto de Saúde dos EUA desenvolveram padronizações como a Classificação Internacional de Doenças e a Snomed CT. Como exemplo ideal de base de dados, pode-se citar o da National Health Service, base de dados de saúde única dos cidadãos da Inglaterra. No Brasil a adoção de diferentes sistemas informatizados nos estados e municípios brasileiros e a baixa integração com os sistemas privados de saúde dificultam a criação de uma base de dados única e nacional (24).
Em relação ainda ao uso de dados de saúde, outro ponto de discussão remete à preservação da confidencialidade de dados dos pacientes. Preocupa a possibilidade de informações sobre o histórico médico de pacientes serem divulgados. A possibilidade de pessoas com doenças crônicas, por exemplo, terem dificuldade para arrumar um emprego, operadoras usarem dados genéticos para determinar os preços de uma determinada cobertura, constituem probabilidades quando dados de pacientes não são protegidos. Assim o uso de métodos de segurança e preservação da confidencialidade de dados de pacientes é relevante questão de ética médica. Deseja-se que legislações, como a recente lei brasileira de preservação de dados, permita evolução para o equilíbrio entre a confidencialidade de dados de pacientes e benefícios de melhoria assistencial pelo bom uso dos dados de saúde.
Projetos como o Watson, Deep Mind, MATCH, precision medicine iniciative evoluem à medida que ocorrem incorporações tecnológicas e descobertas médicas. Propostas revolucionárias em medicina não conseguem ser planejadas com antecedência, pois muito da metodologia necessária ainda precisa ser inventada, além de necessitar de envolvimento criativo e incessante de profissionais da área.
A incorporação plena da IA na prática médica não pressupõe subtração do protagonismo do médico. Para a boa prática médica é necessário que o médico entenda que antes da doença existe o doente. A este detalhe remete-se o “core” principal da boa relação médico-paciente. Neste cenário, o humanismo tem destaque. A empatia significa tentar colocar-se no lugar do paciente e, por meio dessa identificação, tentar compreender a situação sob o ponto de vista do doente. A empatia deve ser um exercício constante na prática profissional em busca da compreensão mútua na relação médico-paciente tendo como finalidade o melhor prognostico clínico.
CONCLUSÃO
A medicina já incorporou o uso da IA em várias frentes. Cada vez mais aumenta o uso de dispositivos acoplados/corporais. Os hospitais aumentam cada vez mais a utilização de sistemas de prontuários eletrônicos propiciando maior segurança na dispensação dos medicamentos aos pacientes. O aumento da capacidade de armazenamento de dados de saúde e o aumento da acurácia dos sistemas de apoio à decisão clínica permitirá melhorar a compreensão da gênese, diagnóstico e tratamento de problemas de saúde, não só do indivíduo, como da população. Será possível o surgimento de propostas de novas ações voltadas à promoção, prevenção e recuperação da saúde.
Porém, a assistência ao paciente continuará prescindindo do médico. O computador pode fornecer todas as informações possíveis sobre a doença, passando pelas hipóteses diagnósticas, propostas de tratamento e prognósticos, mas sempre caberá ao médico decidir a melhor conduta, de forma individualizada, ao seu paciente. Neste último, o desempenho do médico ocupa protagonismo como importante agente terapêutico onde a interação médico-paciente através da empatia permite contribuir para alívio de tensões e necessidades do paciente.
Assim, os médicos não serão substituídos por máquinas. Sempre faltará aos computadores o humanismo, importante condição para permitir ajuda no alivio das ansiedades, angústias e incertezas do paciente.
REFERÊNCIAS
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Recebido: 14 de setembro de 2018. Publicado: 20 de setembro de 2018
Correspondência: Milton M. Osaki. E-mail: mosaki@saude.sp.gov.br
Conflito de Interesses: os autores declararam não haver conflito de interesses.
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