Rev. Adm. Saúde (On-line), São Paulo, v. 19, n. 75: e165, abr. – jun. 2019, Epub 11 mai. 2019

http://dx.doi.org/10.23973/ras.75.165

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Retenção de profissionais em Unidades Básicas de Saúde

Retention of professionals in the primary health care units

 

Edmilson Antonio Pereira Junior1, Cristina Mariano Ruas2

 

1. Pós-doutorando do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte MG

2. Farmacêutica. Professora do Departamento de Farmácia Social, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte MG

 

 

 

 

RESUMO

Este estudo investigou a retenção de profissionais nas Unidades Básicas de Saúde, tendo sido operacionalizado uma taxa para cada unidade do território brasileiro. Os resultados foram apresentados de forma conjunta e estratificados de acordo com os portes da unidade e do município e a região geográfica. Trata-se de estudo quantitativo desenvolvido com base nos microdados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), do Ministério da Saúde, referentes a dezembro de 2017 e dezembro de 2018. A mediana das taxas de retenção de profissionais nos centros de saúde do país foi 0,83, o que significa dizer que metade das unidades possuem taxas inferiores a esse valor. Maiores taxas de retenção foram observadas nas regiões norte e nordeste, nas unidades de saúde de porte muito grande e nos municípios mais populosos. A continuidade na relação de cuidado e a construção de vínculo e responsabilização entre os profissionais de saúde e os usuários constitui uma das diretrizes da Atenção Básica. Assim, a retenção de profissionais favorece a consolidação do Sistema Único de Saúde e funciona como medida de avaliação estrutural da assistência à saúde.

Palavras-chave: Rotatividade de Pessoal, Sistema Único de Saúde, Atenção Primária à Saúde, Estratégia Saúde da Família.

 

 

ABSTRACT

This study investigated the retention of professionals in the Primary Health Care, and a rate was implemented for each unit in the Brazilian territory. The results were presented jointly and stratified according to the unit and municipalities and geographic region. This is a quantitative study based on the microdata of the National Registry of Health Establishments (CNES), of the Ministry of Health, referring to December 2017 and December 2018. The median retention rates for professionals in the centers of health in the country was 0.83, which means that half of the units have rates below this value. Higher retention rates were observed in the northern and northeastern regions, in the very large health units and in the more populous municipalities. The continuity in the relationship between care and the building of bond and accountability among health professionals and users is one of the guidelines of Primary Care. Thus, the retention of professionals favors the consolidation of the Unified Health System and functions as a structural evaluation measure of health care.

Keywords: Personnel Turnover, Unified Health System, Primary Health Care, Family Health Strategy

 

 

INTRODUÇÃO

A continuidade dos profissionais de saúde nos postos de trabalho constitui fator primordial para a obtenção de êxito no processo de aproximação com o usuário e de continuidade nos serviços oferecidos à população. Tal permanência é apontada na legislação, sobretudo, pelo termo “longitudinalidade” e, geralmente, discutida na literatura acadêmica como “rotatividade”. Intrinsecamente associadas, ambas as terminologias também se relacionam ao conceito de “retenção”, ora utilizado.

A retenção diz respeito à capacidade de a instituição evitar o abandono das atividades laborais pelos profissionais. Em nosso caso, as instituições avaliadas são as Unidades Básicas de Saúde (UBS), as quais abarcam o conjunto de profissionais lotados nesses estabelecimentos, independentemente do tipo de ocupação. Garantiu-se o caráter sistêmico da investigação com a utilização de dados censitários sobre as ações de saúde desenvolvidas no país, cuja fonte foi o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES).

No Brasil, a implementação do Sistema Único de Saúde (SUS) ocorreu em 1990. Desde então, deu-se início à regionalização da assistência à saúde, com a descentralização político-administrativa, com ênfase na municipalização, sobretudo, em relação aos serviços de atenção básica1. Em decorrência disso, as Unidades Básicas de Saúde, ou similarmente centros de saúde, passaram a figurar como estratégia de oferta dos serviços de saúde. Esses estabelecimentos constituem unidades públicas destinadas à realização de atendimentos de Atenção Básica, que envolvem promoção, prevenção, proteção, diagnóstico, tratamento, reabilitação, redução de danos, cuidados paliativos e vigilância em saúde. Trata-se de ações de saúde individuais, familiares e coletivas desenvolvidas por meio de práticas de cuidado integrado e gestão qualificada, realizada com equipe multiprofissional2.

Ao oferecer os serviços de Atenção Básica, as UBS devem se encontrar em consonância com a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), estabelecida na Portaria Nº 2.436/2017 do Ministério da Saúde2. Nela, encontram-se explicitamente expressas como diretrizes:

População adscrita: população que está presente no território da UBS, de forma a estimular o desenvolvimento de relações de vínculo e responsabilização entre as equipes e a população, garantindo a continuidade das ações de saúde e a longitudinalidade do cuidado e com o objetivo de ser referência para o seu cuidado.

Cuidado centrado na pessoa: aponta para o desenvolvimento de ações de cuidado de forma singularizada, que auxilie as pessoas a desenvolverem os conhecimentos, aptidões, competências e a confiança necessária para gerir e tomar decisões embasadas sobre sua própria saúde e seu cuidado de saúde de forma mais efetiva. O cuidado é construído com as pessoas, de acordo com suas necessidades e potencialidades na busca de uma vida independente e plena. A família, a comunidade e outras formas de coletividade são elementos relevantes, muitas vezes condicionantes ou determinantes na vida das pessoas e, por consequência, no cuidado.

Resolutividade: reforça a importância de a Atenção Básica ser resolutiva, utilizando e articulando diferentes tecnologias de cuidado individual e coletivo, por meio de uma clínica ampliada capaz de construir vínculos positivos e intervenções clínica e sanitariamente efetivas, centrada na pessoa, na perspectiva de ampliação dos graus de autonomia dos indivíduos e grupos sociais. Deve ser capaz de resolver a grande maioria dos problemas de saúde da população, coordenando o cuidado do usuário em outros pontos da RAS, quando necessário.

Longitudinalidade do cuidado: pressupõe a continuidade da relação de cuidado, com construção de vínculo e responsabilização entre profissionais e usuários ao longo do tempo e de modo permanente e consistente, acompanhando os efeitos das intervenções em saúde e de outros elementos na vida das pessoas, evitando a perda de referências e diminuindo os riscos de iatrogenia que são decorrentes do desconhecimento das histórias de vida e da falta de coordenação do cuidado (Grifo nosso)2.

Em 2004, foi criado, pelo Ministério da Saúde, o Programa Saúde da Família, sendo dois anos depois denominado de Estratégia Saúde da Família (ESF), conforme estabelecido na Portaria Nº 648/2006. É considerada a estratégia prioritária de atenção à saúde e visa à reorganização da Atenção Básica no país, de acordo com os preceitos do SUS. Figura como estratégia de expansão, qualificação e consolidação da Atenção Básica, por favorecer a reorientação do processo de trabalho com maior potencial de ampliar a resolutividade e impactar na saúde das pessoas e coletividades. A composição mínima contempla médico, enfermeiro, auxiliar e/ou técnico de enfermagem e agente comunitário de saúde (ACS). Pode fazer parte da equipe agentes de combate às endemias (ACE) e profissionais de saúde bucal2.

Evidencia-se, portanto, o valor destinado à relação de continuidade no vínculo existente entre profissionais e usuários do sistema de saúde. O aspecto longitudinal adquire protagonismo na corresponsabilização entre as equipes e o público atendido em relação à saúde da população. Revela ainda, a capacidade de funcionar como potencial terapêutico.

Ressalte-se, além da importância de fomentar a permanência dos profissionais nas unidades de saúde, consequentemente favorecendo a continuidade da relação clínica, a demanda pelos serviços de saúde é crescente. Nessa linha, Carvalho et al. (2018)3 analisaram 14 profissões de nível superior cadastradas nas UBS em 2008 e 2013 e verificaram que o quantitativo de UBS passou de 30.157 para 34.009 unidades, o que representa aumento de 13%. No mesmo período, a população aumentou de 189.612.814 para 201.062.789 habitantes, cujo aumento equivale a 6%. Diante disso, é plausível considerar a crescente cobertura de serviços de saúde como fator incidente nos aspectos relacionados à (des)valorização profissional, como ocorre com o aumento dos vínculos precários de trabalho e a oferta de baixos salários.

Para o sistema de saúde, portanto, o desafio não se restringe à ampliação do efetivo de profissionais. Torna-se necessário, de antemão, impedir a saída dos trabalhadores em atividade no setor. Esse é o foco deste estudo, ou seja, a análise da permanência do profissional na respectiva unidade de saúde. As saídas dessa mão-de-obra possuem diferentes tipos, motivações e custos decorrentes.

Quanto aos tipos de afastamentos, duas formas de classificação podem ser realizadas: quanto à duração e ao demandante. No critério de duração, existem os afastamentos temporários e os permanentes. O primeiro contempla os profissionais que se ausentaram das atividades laborais por um período determinado sem haver interrupção do vínculo de trabalho, o que pode ser devido à licença para realizar curso de formação continuada, à gravidez, a algum problema de saúde. Os afastamentos permanentes abrangem os trabalhadores que abandonaram as atividades laborais com a suspensão do vínculo com o estabelecimento onde se encontrava lotado, como é o caso de aposentadoria, de mudança de UBS, de problema incapacitante de saúde, de abandono da profissão.

Em relação ao demandante, o profissional pode deixar de realizar as atividades laborais em determinado local por vontade própria ou de forma compulsória. Caso a decisão seja tomada pelos profissionais, é possível tratar-se de opção motivada por questões de ordem pessoal ou de trabalho, no sentido de buscar melhoria nas condições de trabalho ou mesmo maior comodidade em termos de localização geográfica. Outra possibilidade é de a saída do profissional ser realizada compulsoriamente. Profissionais com vínculos precários de trabalho, como é o caso dos contratos temporários, estão mais propensos a terem o vínculo interrompido ou, simplesmente, a não renová-lo ao final do período de vigência. A situação dos estatutários – ingressantes na carreira por meio de concurso público – é mais estável, pois encontram-se amparados por legislação específica. Embora seja possível a demissão de funcionário público, o processo demissionário estabelece critérios a serem observados e garante a plena defesa do servidor. Em suma, não depende exclusivamente do arbítrio do superior hierárquico.  

Na literatura científica da área, as principais causas de rotatividade apontadas por Medeiros et al. (2010)4 foram a precarização do vínculo de trabalho, a fragmentação da formação, o estilo de gestão autoritário, a ausência de vínculo com a comunidade e más condições de trabalho. Pierantoni et al. (2015)5 sustentaram o efeito da precariedade do trabalho sobre a rotatividade, citando aspectos como “a ascensão de contratos trabalhistas legais, porém com baixa proteção social; a crescente flexibilização do trabalho [...]; e a terceirização de mão de obra para atividades não centrais para a saúde” (p. 638). Já Campos e Malik (2008, p. 364)6 confirmaram a “hipótese da existência de correlação entre satisfação no trabalho e rotatividade dos médicos do Programa de Saúde da Família no município de São Paulo”.

Ao investigar a retenção dos profissionais de saúde, depara-se com fatores capazes de influenciar no aumento ou na diminuição da permanência dos trabalhadores nos postos de trabalho. O primeiro: a região geográfica. Ao analisar os médicos com base nos dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), Pierantoni et al. (2015)5 verificaram a existência de maior rotatividade nas regiões Sudeste e Sul. O segundo: o porte dos municípios. Taxas mais elevadas de rotatividade da força médica foram encontradas nos municípios com população de 10 mil a 100 mil habitantes e a menor, nos de grande porte (mais de 1 milhão de habitantes)5. O terceiro: o tipo de profissional de saúde. Tonelli et al. (2018)7 compararam o tempo de permanência nas Estratégias de Saúde da Família dos profissionais de nível médio e de nível superior, tendo sido verificado que o primeiro grupo permaneceu período maior. Entre os de nível superior, o cirurgião-dentista foi o grupo com permanência mais longínqua. Outro estudo comparou a rotatividade entre os diferentes profissionais da equipe da ESF e identificou os médicos como a categoria profissional com maior grau de rotatividade8.

Estudo realizado em Belo Horizonte, Minas Gerais, utilizou o questionário PCATool entre enfermeiros das equipes de saúde da família e gerentes e encontrou elevado escore de longitudinalidade, 0,83. Esse critério compreende a existência de fonte regular de atenção e o seu uso ao longo do tempo9.

Embora possam ocorrer diferenciações na prevalência da rotatividade dos profissionais de saúde, as consequências decorrentes da saída dos trabalhadores incidem em diversos aspectos. Ao tratar da PNAB2, torna-se inviável o cumprimento do princípio fundamental da longitudinalidade nas relações entre as equipes de saúde e a população, pois comprometeria os vínculos construídos ao longo do tempo. Além da incapacidade de estabelecer vínculos com a comunidade, Medeiros et al. (2010, p. 1522)4 apontaram como consequências da rotatividade de médicos e enfermeiros nas ESF “prejuízos na implantação desta estratégia se considerar os custos com capacitações da equipe, interrupções nos programas de saúde, prejuízos aos usuários”. Stancato e Zilli (2010)10 realizaram levantamento bibliográfico sobre a rotatividade de profissionais de saúde e identificaram inúmeros prejuízos possíveis: recrutamento e seleção de pessoal; período de experiência; impossibilidade de manutenção de uma equipe integrada; perda de produção; insegurança do paciente quando assistido por novos profissionais e inexperientes.

Este estudo busca, então, investigar a retenção de profissionais nos centros de saúde de forma a operacionalizar uma métrica para cada UBS do território brasileiro. Os resultados serão apresentados de forma conjunta e estratificados de acordo com os portes da unidade e do município e a região geográfica.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de estudo quantitativo desenvolvido com base nos microdados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), do Ministério da Saúde (DATASUS). O CNES reúne dados da estrutura e dos serviços de saúde prestados no país, seja em estabelecimentos públicos ou privados, inserindo-o como importante ferramenta para o gerenciamento do SUS. Entre as informações coletadas encontram-se: capacidade física instalada, serviços disponíveis, profissionais vinculados aos estabelecimentos de saúde e equipes de saúde da família.

Os microdados do CNES são disponibilizados mensalmente. Em nosso caso, foram utilizadas as bases de dados referentes aos profissionais de saúde. Por meio da identificação do estabelecimento ao qual o profissional possuía vinculação, estabeleceu-se um procedimento para verificar se o trabalhador se encontrava na mesma unidade de saúde no período posterior. Os períodos analisados foram dezembro de 2017 e dezembro de 2018. A necessidade de dois períodos distintos encontra-se melhor justificada adiante, ao descrever a operacionalização da taxa de retenção de profissionais.

A medida central deste estudo é a taxa de retenção, aqui considerada como sendo a capacidade das Unidades Básicas de Saúde de impedir o abandono dos postos de trabalho pelos profissionais, mantendo-os em atividade laboral nesses estabelecimentos. A operacionalização da medida demanda informações sobre o número de profissionais remanescentes nas UBS de um ano para o outro e o quantitativo total de profissionais no período-base, conforme explicita a fórmula a seguir:

 

Taxa de retenção de profissionais nas UBS =

 

Sendo:

P = número de profissionais que permaneceram na Unidade Básica de Saúde no ano (i) em comparação ao período anterior (i – 1);

N (i – 1) = número total de profissionais na Unidade Básica de Saúde no período anterior (i – 1).

 

O cálculo da medida, conforme apresentado, necessitou de dados de dois períodos, referentes a dezembro de 2017 e a dezembro de 2018. Torna-se inviável a operacionalização da taxa de retenção para as unidades de saúde criadas após dezembro de 2017, pois inexistem profissionais a elas vinculados. Analogamente, não é possível calcular a medida para as UBS que deixaram de desenvolver as atividades antes de dezembro 2018, cuja situação não permite verificar o percentual de permanência de profissionais.

A métrica possui polaridade positiva, ou seja, quanto maior, mais satisfatório fica a situação da Unidade Básica de Saúde. Na melhor situação possível, a taxa de retenção de profissionais na UBS possui valor um, cujo número de profissionais que permaneceram na unidade é exatamente igual ao número de profissionais do período anterior. O pior cenário refere-se ao indicador igual a zero, caracterizado pelo fato de nenhum profissional permanecer no posto de saúde de um ano para o outro. As UBS também foram analisadas em categorias referentes às taxas de retenção de profissionais, sendo elas: de baixa retenção, os centros de saúde com taxas até 0,50; de média retenção, as unidades com taxas de 0,51 a 0,75; e de alta retenção, os estabelecimentos com taxas superiores a 0,75. 

Além da retenção, outras variáveis foram utilizadas no estudo. O tipo de profissional em atividade nos centros de saúde foi categorizado conforme a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), tendo sido apresentado o rol de profissionais mais recorrentes. O porte das UBS foi classificado com base na quantidade de profissionais em atividade, sendo considerado: porte muito pequeno, as unidades com até 10 profissionais; pequeno porte, com 11 a 15 profissionais; grande porte, com 16 a 20 profissionais; e porte muito grande, com 21 ou mais profissionais. O porte dos municípios levou em consideração a população registrada no Censo Demográfico 2010, classificando-os em: pequeno porte, com até 20 mil habitantes; médio porte, com quantidade variando de 20 mil a 50 mil habitantes; e grande porte, com mais de 50 mil habitantes.

 

RESULTADOS

Adiante, são apresentados a distribuição dos profissionais de acordo com o tipo de ocupação e as taxas de retenção profissional nas UBS de forma geral e segmentadas pelos portes das unidades e dos municípios e pela região geográfica.

A composição das UBS contempla diferentes profissões, sendo os agentes comunitários de saúde e os técnicos de enfermagem as duas mais numerosas, englobando juntas 62,1% dos profissionais (Tabela 1). Em relação às ocupações de nível superior, os médicos clínicos (9,0%), os enfermeiros (8,9%) e os cirurgiões-dentistas (5,7%) foram os trabalhadores com maior quantidade de profissionais nas UBS. Ressalte-se, essas três profissões compreendem a equipe mínima exigida para a ESF. O rol de profissionais, categorizados conforme a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), é bem extenso, sendo que 14 categorias de trabalhadores englobam 98% do total de funcionários nos centros de saúde.

 

Tabela 1. Distribuição dos profissionais vinculados às Unidades Básicas de Saúde de acordo com a Classificação Brasileira de Ocupações – Brasil, 2018

Tipo de profissional

Freq.

%

% Acumulada

Agente comunitário de saúde

262.710

49,7

49,7

Técnico de enfermagem

66.070

12,5

62,1

Médicos clínicos

47.517

9,0

71,1

Enfermeiros

47.126

8,9

80,0

Técnico em saúde bucal

31.502

6,0

86,0

Cirurgião-dentista

30.239

5,7

91,7

Fisioterapeuta

6.973

1,3

93,0

Psicólogo

6.264

1,2

94,2

Nutricionista

4.936

0,9

95,1

Assistente social

4.452

0,8

96,0

Recepcionista

3.076

0,6

96,6

Profissional de educação física

2.959

0,6

97,1

Fonoaudiólogo

2.299

0,4

97,6

Farmacêutico

2.277

0,4

98,0

Demais profissionais

10.639

2,0

100,0

Fonte: Elaboração dos autores, com base no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (dez. 2018).

 

A distribuição das taxas de retenção de profissionais nas Unidades Básicas de Saúde encontra-se exibida no Gráfico 1, cuja medida possível varia de 0,03 até um. As UBS apresentaram taxas de retenção profissional concentradas, em grande medida, em torno de 0,80. Houve grande quantidade de registros de centros de saúde com taxas equivalentes a um, o que significa dizer que todos os profissionais em atividade nessas unidades em dezembro de 2017 permaneceram 12 meses depois.

 

Gráfico 1. Distribuição das Unidades Básicas de Saúde de acordo com a taxa de retenção de profissionais – Brasil, 2018

Fonte: Elaboração dos autores, com base no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (dez. 2017/dez. 2018).

 

A amplitude verificada nas taxas de retenção de profissionais nas UBS do país variou de 0,03 até 1 – valor máximo possível – e apresentou mediana 0,83, o que significa que a metade das UBS do país possuiu taxa acima desse valor e, a outra, inferior (Tabela 2). A média geral foi 0,80 e, em relação à variabilidade das taxas, o desvio-padrão foi igual a 0,15. O primeiro quartil foi 0,72, o que permite afirmar que 75% das unidades possuíram medida de retenção acima desse valor. E o terceiro quartil de 0,91 mostrou que um quarto dos centros de saúde do país detiveram taxas de retenção profissional superiores a esse resultado.

 

Tabela 2. Medidas descritivas da taxa de retenção de profissionais nas Unidades Básicas de Saúde – Brasil, 2018

Medidas descritivas

Taxa de retenção

Média

0,80

Desvio-padrão

0,15

Mínimo

0,03

1º Quartil

0,72

Mediana

0,83

3º Quartil

0,91

Máximo

1,00

N

31.011

 

Fonte: Elaboração dos autores, com base no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (dez. 2017/dez.2018).

 

As métricas relacionadas à retenção e à rotatividade são inversas, ou seja, apresentam polaridades diferentes. Tratando-as como relação inversamente proporcional, uma taxa de retenção de 0,30 corresponderia a uma taxa de rotatividade de 0,70. Nesse raciocínio, a média da taxa de retenção de profissionais igual a 0,80 corresponderia a um indicador de rotatividade de 0,20. Esse valor, cuja abrangência cobre todos os profissionais lotados nos centros de saúde, é menor que média nacional de rotatividade dos médicos, que foi de 36,7%5. Confluiu, portanto, ao estudo de Magnano e Pierantoni (2014)8 que atribuiu aos médicos a categoria profissional com maior grau de rotatividade nas unidades de saúde. No município de Santo Amaro da Imperatriz (SC), o índice geral de rotatividade para médicos e enfermeiros foi de 47,82%11.

As taxas de retenção de profissionais nas Unidades Básicas de Saúde foram estratificadas de acordo com a quantidade de trabalhadores nos postos de saúde, tendo sido encontrada situação mais favorável nas UBS de porte muito grande (Gráfico 2). Enquanto possuíram 73,9% das unidades com alta taxa de retenção, as de porte muito pequeno detiveram 58,3% nessa situação. Por outro lado, o percentual de baixa retenção entre as unidades de porte muito pequeno é maior que três vezes ao encontrado nas de porte muito grande. Possível explicação reside na sensibilidade da taxa de retenção de profissionais nas unidades de porte muito pequeno (possuem o máximo de dez profissionais), pois um único trabalhador a deixar a UBS de um ano para outro é capaz de produzir elevadas variações na medida.

Gráfico 2. Distribuição das Unidades Básicas de Saúde de acordo com a taxa de retenção de profissionais de saúde e o porte do centro de saúde – Brasil, 2018

Fonte: Elaboração dos autores, com base no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (dez. 2017/dez.2018).

 

Outro aspecto utilizado para segmentar os postos de saúde foi a região geográfica, cujos resultados mostraram existir diferenças regionais nas taxas de retenção de profissionais (Gráfico 3).  A melhor situação foi registrada nas unidades localizadas nas regiões Norte e Nordeste do país, tendo apresentado taxas de retenção equivalentes a 72,5% e 75,1%, respectivamente.

 

Gráfico 3. Distribuição das Unidades Básicas de Saúde de acordo com a taxa de retenção de profissionais de saúde e a região geográfica – Brasil, 2018

Fonte: Elaboração dos autores, com base no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (dez. 2017/dez.2018).

 

As maiores taxas de centros de saúde com baixa retenção de profissionais foram registradas no Sudeste (8,6%) e no Sul (7,8%). Tal constatação converge exatamente ao estudo da rotatividade entre os médicos desenvolvido por Pierantoni et al. (2015)5. Os autores argumentaram que o cenário mais desfavorável nessas regiões geográficas pode se encontrar articulado à existência de um mercado de trabalho mais concorrido, principalmente na Atenção Básica.

Os resultados das taxas de retenção de profissionais da saúde foram aproximados entre as UBS localizadas em municípios de pequeno e de médio porte (Gráfico 4). Por sua vez, as cidades de grande porte apresentaram maior percentual de centros de saúde com alta retenção de profissionais. Levando em conta o fato de menor retenção se relacionar a maior rotatividade, o estudo de Pierantoni et al. (2015)5 também encontrou menor rotatividade da força médica foram encontradas nos municípios de grande porte (mais de 1 milhão de habitantes).

Gráfico 4. Distribuição das Unidades Básicas de Saúde de acordo com a taxa de retenção de profissionais de saúde e o porte do município – Brasil, 2018

Fonte: elaboração dos autores, com base no cadastro nacional de estabelecimentos de saúde (dez. 2017/dez.2018).

 

A taxa de retenção de profissionais apresentou variação maior em função do porte da UBS do que em relação ao porte do município. Vislumbra-se a possibilidade de associação da retenção de profissionais com aspectos como a infraestrutura, a localização, a vulnerabilidade social.

Embora tenha sido operacionalizada a taxa de retenção de profissionais das UBS do país, é inviável, com base no CNES, conhecer as causas da rotatividade. Elege-se duas alternativas para investigá-las: por meio da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) ou com a realização de entrevistas quanti ou qualitativas com profissionais de saúde nessa situação.

Outro aspecto utilizado para segmentar os postos de saúde foi a região geográfica, cujos resultados mostraram existir diferenças regionais nas taxas de retenção de profissionais. A melhor situação foi registrada nas unidades localizadas nas regiões Norte e Nordeste do país, tendo apresentado taxas de retenção equivalentes a 72,5% e 75,1%, respectivamente.

Os resultados das taxas de retenção de profissionais da saúde foram aproximados entre as UBS localizadas em municípios de pequeno e de médio porte. Por sua vez, as cidades de grande porte apresentaram maior percentual de UBS com alta retenção de profissionais.

 

CONCLUSÃO

O estudo operacionalizou as taxas de retenção de profissionais nas mais de 31 mil UBS do país que se encontravam em funcionamento em dezembro de 2017 e em dezembro de 2018. Entre os diferentes profissionais em atuação nos centros de saúde, os agentes comunitários de saúde e os técnicos de enfermagem foram as duas categorias mais numerosas, englobando juntas 62,1% dos profissionais. Os médicos clínicos (9,0%), os enfermeiros (8,9%) e os cirurgiões-dentistas (5,7%) foram os trabalhadores de nível superior com maior participação no quadro de profissionais.

A menor taxa de retenção de profissionais nas UBS verificada foi 0,03 e a maior, 1,0. A média geral da medida foi 0,80 e foi verificado que a metade dos centros de saúde apresentou medidas abaixo de 0,83 (mediana). Ao estratificar os resultados, as maiores taxas de retenção foram observadas nas regiões norte e nordeste, nas unidades de saúde de porte muito grande e nos municípios mais populosos.

 

REFERÊNCIAS

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9.    Turci Maria Aparecida, Lima-Costa Maria Fernanda, Macinko James. Influência de fatores estruturais e organizacionais no desempenho da atenção primária à saúde em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, na avaliação de gestores e enfermeiros. Cad. Saúde Pública [Internet]. 2015  Sep [cited 2019 Mar 11];  31( 9 ): 1941-1952. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2015000901941&lng=en.  http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00132114.

10. Stancato Kátia, Zilli Priscila Trentin. Fatores geradores da rotatividade dos profissionais da Saúde: uma revisão de literatura. RAS 2010 abr.-jun.; 12(47): 87-89.

11. Rodrigues José Augusto Chimendes. Proposta para Adoção de Estratégias para Diminuir a Rotatividade de Profissionais da Estratégia de Saúde da Família de Santo Amaro da Imperatriz. IN: Pereira Maurício Fernandes, Costa Alexandre Marino, Moritz Gilberto de Oliveira (Org.). Contribuições para a Gestão do SUS. (Gestão da Saúde Pública; v. 2). Florianópolis: Fundação Boiteux, 2013. 246 p.

 

 

Recebido: 20 de março de 2019. Aceito: 09 de maio de 2019

Correspondência: Edmilson Antonio Pereira Junior.  E-mail: edmilsonpj@yahoo.com.br

Conflito de Interesses: os autores declararam não haver conflito de interesses.

 

 

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